Caso Cláudia Leitte

O mau-gosto não pode ser caso de polícia

Cantora evangélica muda letra de música: pode ser desrespeito com a religião alheia, mas apesar do extremo mau-gosto isso não pode ser caso para a repressão estatal

Segundo informa artigo no sítio da revista Istoé Gente, o “Ministério Público da Bahia recebeu uma denúncia contra Claudia Leitte, 44 anos, após uma suposta postura discriminatória da cantora ao substituir o termo ‘Iemanjá’, Orixá dos mares, na letra da música ‘Caranguejo’”.

A cantora baiana, que virou evangélica anos atrás, está substituindo em suas apresentações a palavra Iemanjá por Yeshua, palavra em hebraico que algumas religiões entendem como Jesus. Um vídeo na Internet teria motivado a representação contra Cláudia Leitte.

O trecho da música que diz “Saudando a rainha Iemanjá” foi substituído por “Eu canto meu Rei Yeshua”.

A denúncia foi feita pelo Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (IDAFRO) e pela Iyalorixá Jaciara Ribeiro.

Caso a denúncia seja aceita pela promotoria, Cláudia Leitte pode ser condenada por crime de racismo.

Há dois aspectos a serem analisados do caso. Em primeiro lugar, trata-se de mais um caso em que a Justiça reacionária é usada para supostamente defender os oprimidos. Essa suposta defesa dos oprimidos está sendo usada e manipulada para aumentar o poder das instituições repressivas do Estado.

No final das contas, quem vai sofrer com esse fortalecimento da repressão serão os oprimidos. O Ministério Público, hoje, finge que se preocupa com o racismo, amanhã, estará ajudando o Judiciário e a polícia a massacrar mais negros, como já acontece.

As entidades ligadas às religiões de matriz africana têm todo o direito de interpretar a atitude de Cláudia Leitte como preconceituosa e racista. No entanto, o uso do Judiciário não vai resolver o problema, mas piorá-lo. Não deveria ser tão difícil prever que se alguma coisa oposta acontecer. Por exemplo, se um evangélico se sentir vítima de preconceito, ele terá muito mais respaldo do Judiciário.

Cada religião deveria ter o direito de professar sua fé sem a interferência do Estado. Mas, também, cada religião deve ter o direito de falar aquilo que acha sobre as outras religiões desde que não haja um ato de violência física.

Um praticante do candomblé tem todo o direito de achar que a religião evangélica é “inferior”, ou seja, não pratica de fato a sua fé. Um evangélico, por sua vez, também deve ter o direito de achar o mesmo daqueles que praticam o candomblé.

É natural que uma religião se ache melhor do que a outra; afinal, se não fosse assim, existiria apenas uma religião.

Uma explicação necessária: a opinião que cada religião tem sobre a outra não tem nada a ver com a convivência pacífica entre as religiões. Essa convivência é fator essencial para que a sociedade possa existir sem conflitos religiosos, mas isso independe da opinião que uma religião tem da outra. Um evangélico não pode obrigar alguém de outra religião a não usar as vestimentas daquela crença, não pode agredir ou destruir os templos de religiões que não são a sua. Mas também um católico e o praticante de religiões de matriz africana não podem fazer o mesmo contra os evangélicos. Agressão física, vandalismo material são crimes previstos; opinião, não.

O que está acontecendo nesse caso envolvendo Cláudia Leitte é que o Estado está sendo chamado a tomar partido a favor de uma determinada religião contra a outra, tendo como base uma expressão, uma opinião que foi emitida em uma música. O Estado não tem que tomar essa posição, primeiro porque ele deveria ser laico. Mas se aqueles que defendem a punição a Leitte não se convenceram disso, basta pensar um pouco: se o Estado nesse caso pode entrar com seu poder para “defender” a religião de matriz africana – vale ressaltar as aspas nesse “defender” -, o que fazer quando ocorrer o contrário? Certamente o peso do Judiciário será usada com muito mais força para defender uma igreja evangélica, afinal, é óbvio que, no poder Judiciário e na polícia, há muito mais pessoas ligadas às igrejas evangélicas do que às religiões de matriz africana.

Portanto, ao usar o Judiciário contra Cláudia Leitte, os denunciantes estão apenas incentivando o uso da repressão estatal, que deveria se manter fora disso, contra a opinião de outra religião.

Dito tudo isso, é preciso falar sobre a atitude de Cláudia Leitte. Sem dúvida, alterar uma letra de música para adequá-la à sua crença é um atestado de ignorância.

A mudança na letra revela que a influência das religiões evangélicas, a maioria impulsionadas pelo imperialismo norte-americano, é muito perniciosa para a cultura nacional. A formação cultural do Brasil se deu, apesar de toda a repressão contra os negros e índios que deve obviamente ser levada em consideração, baseada num sincretismo religioso. O neopentecostalismo vai totalmente contra isso, por isso a sua rejeição total a qualquer coisa que lembre as religiões de matriz africana e até mesmo ao catolicismo.

A atitude de Cláudia Leitte é ridícula, de extremo mau gosto. Mais ridícula ainda porque o estilo musical que ela canta chama-se Axé, que por si só já seria uma referência à cultura negra.

Demostra ainda que Leitte tornou-se evangélica, mas gosta mesmo é do dinheiro que ganha com suas gravações. Não fosse assim, se fosse coerente, a cantora deixava de cantar Axé para se dedicar à música gospel. No entanto, para não perder seu público, seu espaço na rádio e programas de TV, ela prefere alterar e vandalizar uma música já existente.

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