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Coluna

O Gripen e a conjuntura internacional: sem espaço para otimismos

"A aquisição de equipamento militar estratégico, como jatos hipersônicos, vai contra essa política do império para a região"

Em 10 de outubro último, a fabricante sueca de aeronaves Saab declarou que foi intimada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos a fornecer informações sobre a venda de 36 caças militares Gripen ao Brasil. O processo de licitação para a compra de caças para a Força Aérea Brasileira (FAB), ocorreu entre 2008 e 2014. Na ocasião a fabricante Saab, empresa sueca vencedora da concorrência, disputou com as empresas Boeing (norte-americana) e a francesa Dassault Aviation, com o modelo Rafale. Após um processo de decisão que durou cerca de 6 anos, o governo brasileiro anunciou, em dezembro de 2013, a escolha do Gripen NG. 

Segundo o governo brasileiro, a escolha da Saab decorreu da aceitação de transferência de tecnologia de fabricação do avião. Ou seja, além da entrega dos aviões Gripen, o contrato prevê um amplo pacote de transferência de tecnologia, um pacote de financiamento, e a colaboração bilateral de longo prazo entre os governos brasileiro e sueco. Com a decisão, o Brasil se juntou a uns poucos países que operam com o Sistema Gripen no mundo: Suécia, África do Sul, Hungria, República Tcheca, Tailândia, Reino Unido e Suíça. 

Desde a assinatura do contrato em 2014, até agora, já foram entregues ao Brasil 8 caças Gripen E, todos produzidos na Suécia, conforme o estabelecido pelas partes. Ao mesmo tempo, o primeiro caça Gripen E produzido no Brasil está na etapa de montagem final, na fábrica da Embraer, na cidade de Gavião Peixoto (SP). Apesar de muito distante das principais potências bélicas (os EUA, a 1ª potência, têm 13.209 aeronaves), a Força Aérea Brasileira (FAB) é a 17ª maior do mundo, superando países como Alemanha e Israel. A FAB é também a maior força aérea da América Latina, com uma frota de 628 aeronaves, que inclui caças, aviões de treinamento, de carga, bombardeiros e drones. 

Para efeito comparativo, o México, segunda economia do subcontinente, possui 80 aviões com capacidade de combate, sendo que apenas 5 são caças supersônicos (F-5 Tiger II). A Argentina, terceira economia da América Latina, dispõe de apenas 22 aeronaves com condições de combate em sua Força Aérea, sendo que nenhuma possui capacidade supersônica. A Venezuela é o terceiro país na América Latina com 79 aeronaves em capacidade de combate. 

O contrato assinado com a empresa sueca prevê a venda de dois modelos de aviões: o Gripen E, que abriga um piloto, e o Gripen F, que pode levar até dois tripulantes (este último modelo fabricado em primeira mão para a FAB). Tirando o aspecto do espaço para os tripulantes, nos demais detalhes as aeronaves são exatamente iguais. O valor do contrato para o desenvolvimento de 36 caças Gripen NG, de US$ 5,4 bilhões, foi considerado o maior negócio na área militar para toda a América Latina. 

Enquanto o Departamento de Estado norte-americano se intromete em um assunto soberano do Brasil, e que não lhe diz respeito, uma das mais tradicionais empresas brasileiras do setor, a Avibrás Indústria Aeroespacial, está sendo vendida para um grupo empresarial estrangeiro. Fundada em 1961, a Avibrás desenvolve e fabrica produtos e serviços de defesa, com linha variada: sistemas de artilharia e defesa de aeronaves, foguetes, misseis, veículos blindados etc. A empresa, com sede em São José dos Campos, claramente tem importância estratégica para a defesa nacional. A companhia tem dívida superior a R$ 600 milhões e está em processo de recuperação judicial. Apesar da importância estratégica da empresa para a defesa nacional, não se vê uma ação do poder público no sentido de manter a empresa na condição de capital nacional. Segundo informações da imprensa, a Norinco, uma estatal chinesa, estaria interessada em comprar a companhia brasileira. A empresa industrial Norinco atua em diversas áreas, incluindo o setor de defesa, fabricando blindados e bombas, e armamentos em geral. A empresa atua também no segmento petroquímico e na construção civil, entre outras atividades.

A interferência dos EUA em assunto interno do Brasil, se não pode surpreender a ninguém, demonstra que do ponto de vista militar, como também ocorre na economia e na política, o Brasil não é um país soberano. Pode-se imaginar se haveria alguma possibilidade de o Departamento de Justiça dos EUA, intimarem uma empresa qualquer a fornecer informações sobre uma transação comercial militar com a Rússia, ou com a China, sem sofrer pronta resposta diplomática. Mesmo se a intromissão fosse em relação à Venezuela, certamente haveria uma resposta diplomática e política à altura.    

Como está fartamente documentado, a política dos EUA para a América Latina visa impedir o surgimento de potências regionais, especialmente em áreas com abundância de recursos naturais, como petróleo e outras, essenciais para a economia de qualquer país. Nesse aspecto, é fundamental manter o sistema de defesa nacional dos países da região, fracos e incapazes de ações militares mais fortes, mesmo que de caráter dissuasório, isto é, que sejam destinadas a desencorajar eventuais intenções bélicas. O modelo dos EUA proposto para a região é o de países com forças armadas limitadas, incapazes de defender suas riquezas naturais, como petróleo, lítio, cobre e outras. A bem da verdade, essa é a política dos EUA para o conjunto dos países em todo o mundo, inclusive para os outros países imperialistas (que têm posição subordinada em relação aos EUA). 

A aquisição de equipamento militar estratégico, como jatos hipersônicos, vai contra essa política do império para a região. Essa postura do governo norte-americano se aguçou, inclusive, com a perda de espaço político no mundo, ocasionada por importantes acontecimentos políticos e militares, como a derrota no Afeganistão (em agosto de 2021) e o iminente fracasso na tentativa de fustigar a Rússia, utilizando a Ucrânia como país bucha de canhão. 

O recente acontecimento em relação ao contrato brasileiro com a Saab – que foi contestado pelos EUA desde sua origem, na medida em que preteriu, na transação, uma empresa norte-americana – ocorre em meio a um agravamento da situação militar ao nível internacional. Aparentemente, em face da possibilidade de derrota na Ucrânia, e da incerteza da situação no Oriente Médio, os EUA estão tentando organizar uma contraofensiva nessa região. Na realidade, o imperialismo está tentando organizar uma ofensiva geral contra todos os que considera seus inimigos: Irá, Rússia, China, Coreia do Norte, Venezuela e Cuba. 

A frente militar é somente uma dimensão dessa ofensiva geral. Ela está sendo desencadeada também nos campos econômico, político, jurídico e diplomático. Em setembro, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou 25 leis anti-China em um período de uma semana, com grande parte das medidas contando com o apoio dos dois principais partidos políticos, foi uma decisão bipartidária. Políticos norte-americanos, dos dois partidos principais, têm dito em alto e bom som que a China é a maior ameaça de longo prazo para os EUA. Uma das leis aprovadas naquela que ficou conhecida como a “Semana da China”, a “Lei de Autorização do Fundo de Combate à Influência Maligna da China”, prevê a liberação de US$ 1,63 bilhão, em cinco anos, para financiar organizações que realizam propaganda contra a China no mundo. Foi uma gama enorme de leis contra a China, com medidas as mais abrangentes e hostis possíveis, incluindo ameaças a autoridades chinesas, fortalecimento de laços com países rivais da China e enfraquecimento da moeda desse país. 

Uma das leis aprovadas na Câmara dos Representantes propõe uma série de restrições aos veículos elétricos chineses, visto como uma ameaça à indústria nacional dos EUA, mesmo com os dados mostrando que os veículos chineses representam somente 2% da importação de veículos elétricos para o país. No dia 04 de outubro a União Europeia aprovou também a imposição de elevadas tarifas sobre veículos elétricos originários da China (elas podem superar 45%), o que mostra que a política contra a China envolve todos os países imperialistas. A medida contou com o apoio de apenas 10, dos 27 países que constituem o Bloco. A Alemanha, principal economia da Europa, votou contra a medida, a BMW chamou inclusive a medida de “sinal fatal” para a indústria automotiva do continente. 

Entender esse processo de polarização internacional, provocado pelos países imperialistas, Estados Unidos à frente, é fundamental para a compreensão dos principais acontecimentos políticos e econômicos internacionais. Em face da gravidade da crise econômica desses países, ainda que seja muito difícil fazer previsões mais precisas do que irá acontecer nos próximos meses e anos, seria otimismo exagerado esperar um desfecho sem um grande confronto bélico mundial.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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