Por iniciativa do atual presidente Lucio Arce – representante mais destacado da ala direita do Movimento Ao Socialismo (MAS)- partido ao qual também pertence o ex-presidente Evo Morales, a Bolívia realizará, em dezembro próximo (provavelmente no dia 1º), um referendo popular onde os bolivianos serão consultados sobre assuntos que dizem respeito a questões político-eleitorais, mas também sobre problemas de natureza econômica.
São quatro perguntas, mas, obviamente, a que verdadeiramente importa se refere à proposta de fim do instituto da reeleição presidencial. Arce já encaminhou o projeto de referendo ao Supremo Tribunal Eleitoral, que analisará a constitucionalidade do referendo. A expectativa é que a instituição eleitoral do ”Estado Plurinacional” boliviano declare as questões constitucionais, abrindo caminho para que o Executivo possa emitir o decreto final convocando o referendo para o dia 1º de dezembro.
Todavia, embora o atual presidente tenha declarado que a consulta popular não “responde a cálculos eleitorais ou ambições pessoais; pelo contrário, prioriza o futuro do país, o bem-estar das próximas gerações e das famílias bolivianas”, é mais do que cristalino que está em curso na Bolívia uma tentativa clara de impedir que o ex-presidente Evo Morales se candidate ao cargo maior do país na próxima eleição presidencial, marcada exatamente para daqui a um ano, em 25 de agosto de 2025.
O ex-presidente Evo Morales – deposto em 2019 por um golpe de Estado liderado por militares e a burguesia empresarial fascista de Santa Cruz de La Sierra e Cochabamba, o que contou, obviamente, com as indisfarçáveis digitais do imperialismo norte-americano, através de sua embaixada em La Paz – é a principal liderança do MAS, o partido mais popular do país andino. Morales conta com amplo apoio do setor popular e operário do partido. Ele conduz nesse momento uma luta contra a ala direitista do MAS, liderada por Arce. O atual presidente, há cerca de dois meses, foi vitimado por uma tentativa de golpe, movimento derrotado pela ação das massas populares bolivianas, que ganharam as ruas do país e debelaram a conspiração golpista liderada, mais uma vez, por setores militares, com as bênçãos do imperialismo.
Contudo, a ala esquerda do MAS – liderada por Morales – suspeita que o movimento golpista foi tramado pelo próprio presidente Luis Arce, que teria infligido um “autogolpe” a si mesmo, hipótese essa mais do factível, considerando a crise de credibilidade social pela qual passa o atual governo do direitista Arce.
O fato é que a proposta de projeto de referendo apresentada ao tribunal eleitoral da Bolívia pelo chefe do executivo do país cumpre muito claramente o papel de alijar do próximo processo eleitoral boliviano o ex-presidente Evo Morales.
O que se vê na Bolívia atualmente, guardadas as diferenças (muito sutis, por sinal) é o mesmo processo ocorrido anos atrás no Equador envolvendo o ex-presidente Rafael Correa e seu vice, Lenin Moreno, indicado à sucessão para dar continuidade às reformas sociais iniciadas pelo governo popular-nacionalista de Correa, do partido Alianza País. Moreno, eleito presidente equatoriano respaldado pelo amplo apoio popular adquirido por Rafael Correa durante seu mandato (2007 a 2017), logo no início rompeu com Corrêa, se jogando nos braços do imperialismo, passando a fazer um governo entreguista, reacionário e direitista, em franca oposição ao programa moderadamente nacionalista do “correísmo”.
Luis Arce é, nesse sentido, uma espécie de “Gabriel Boric boliviano”. O atual presidente chileno – exaltado em prosa e verso pela quase totalidade da esquerda latino-americana – é hoje o “esquerdista” que governa sob medida para o imperialismo, em perfeita sintonia com a Casa Branca, onde busca atacar os regimes populares do continente (Cuba, Nicarágua, Venezuela, etc).
A luta de Arce contra Morales tem exatamente esse propósito; vale dizer, neutralizar qualquer perspectiva de candidatura mais à esquerda do MAS para as eleições do próximo ano, representada por Evo Morales.