O jornalista Eduardo Guimarães publicou no Brasil247 no último dia 8, uma coluna intitulada “Minifestação” arrebenta Bolsonaro e Marçal, tratando, naturalmente, dos atos bolsonaristas ocorridos no Dia da Independência. O problema com o artigo de Guimarães é que na ânsia por atacar o bolsonarismo, o jornalista criminaliza opiniões políticas, como no trecho abaixo destacado:
“A fala do ex-presidente deve lhe render consequências funestas cedo ou tarde, porque foi muito pior do que a que fez na avenida Paulista no domingo (7/9). Reprisou o discurso negacionista da pandemia, atacou as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral, acusou o STF de ter um plano para matá-lo, ameaçou Alexandre de Moraes e flertou com o crime de traição ao dizer que Donald Trump vencerá a eleição nos EUA e impedirá a Justiça brasileira de colocá-lo para ver o sol nascer quadrado.”
Algumas considerações devem ser feitas sobre as colocações nesse parágrafo. A primeira delas é com a ideia de que “fala”, seja de Bolsonaro, seja de quem for, “deve render consequências funestas cedo ou tarde”.
O maior problema com a criminalização de opiniões políticas, como a que o jornalista Eduardo Guimarães sugere, é que ela serve para alimentar a engrenagem autoritária do regime. Em um regime democrático genuíno, a única consequência para alguém que expressa uma opinião deveria ser o confronto com uma argumentação contrária, e mais nada.
Quando começamos a punir ideias e palavras, abrimos espaço para a repressão política seletiva, legitimando ataques a todo tipo de expressão que o regime queira calar. A imposição de “consequências funestas” por um discurso abre precedentes perigosos para a criminalização da dissidência e a destruição do debate político, o que é especialmente danoso para a esquerda e os setores oprimidos da sociedade, que dependem da liberdade de expressão para poder criticar e enfrentar os poderosos.
Guimarães, no entanto, continua seu artigo defendendo a prisão preventiva de Bolsonaro. Diz o jornalista:
“São várias as violações que fez das medidas cautelares que lhe foram impostas no dia 8 de fevereiro último, no âmbito da Operação Tempus Veritatis. A consequência natural deveria ser a da decretação de sua prisão preventiva, pois sua fala é do mesmo jeito das que insuflaram milhares de cabeças do seu gado a quebrarem Brasília com vistas a um golpe de Estado.”
Defender a prisão preventiva de quem fala algo é, em si, uma barbárie, mas a coisa fica ainda pior quando se trata de um líder popular, como é o caso de Bolsonaro, porque além de ser um recurso bárbaro e com uma forte tendência a colocar a repressão às ideias contra a esquerda com um rigor muito maior, tem grandes chances também de ser um tiro que sai pela culatra já no curto período. É o que demonstra a experiência de Donald Trump nos EUA, por exemplo, que de tão perseguido, terminou sendo percebido pela população como alguém injustiçado por um regime podre e corrupto.
A força desse fenômeno, do mártir contra o sistema, é tamanha que levou até mesmo a população negra norte-americana a depositar grande apoio ao ex-presidente e principal líder da extrema direita do país. Guimarães diz, a certa altura de seu artigo que o Judiciário brasileiro reconhece o perigo, quando diz que “PF, STF e PGR acham que qualquer medida contra Bolsonaro agora pode lhe dar meios de se vitimizar e obter uma forte vitória eleitoral até outubro”.
No entanto, Guimarães e outros setores da esquerda pequeno-burguesa ignoram um dado fundamental da realidade: a perseguição judicial a inimigos políticos e os ataques à liberdade de expressão são extremamente impopulares. Essa estratégia, de criminalizar falas e suprimir o debate político, não tem obtido o efeito desejado.
Pelo contrário, essa tática de capitulação à repressão burguesa tem levado a esquerda a uma série de derrotas. Em vez de fortalecer sua base, essa postura tem aberto caminho para o fortalecimento da extrema direita, tanto no Brasil quanto em outros países. A ascensão de figuras como Bolsonaro, Trump, e seus equivalentes ao redor do mundo é, em grande parte, resultado dessa política desastrosa de abandonar a luta política direta em favor de perseguições judiciais, que alienam grandes parcelas da população.
A esquerda deve romper com esse erro histórico. É preciso abandonar os métodos tradicionais da burguesia, que utiliza o aparato repressivo do Estado para eliminar seus adversários e que só tem levado o campo às derrotas sofridas, e retomar o caminho da luta política.
Em vez de apoiar a repressão judicial contra seus inimigos, a esquerda precisa debater, mobilizar as massas, ganhar a consciência da população com um programa que defenda seus interesses de forma honesta e clara. Somente assim será possível derrotar a extrema direita de maneira definitiva, não por meio de perseguições ou censuras, mas conquistando a mente e o coração do povo, por meio da mobilização popular e da luta política real.