Na edição de terça-feira (12), este Diário publicou uma entrevista exclusiva feita em colaboração com a Causa Operária TV (COTV) com Izadora Dias, coordenadora do coletivo de mulheres Rosa Luxemburgo, sobre os acontecimentos do ato do Dia da Mulher Trabalhadora de São Paulo.
Durante a entrevista, Dias contou o que de fato ocorreu durante a manifestação na Avenida Paulista, desmentindo uma série de acusações que foram feitas contra as militantes do Partido da Causa Operária (PCO) e do coletivo Rosa Luxemburgo. >>> Izadora Dias: homens partiram para cima de mulheres do PCO
Agora, publicamos mais uma entrevista da série sobre o 8 de março em São Paulo. Desta vez, a entrevistada é Natália Pimenta, membro da Executiva Nacional do PCO e da coordenação nacional do Coletivo Rosa Luxemburgo.
Além de falar sobre o que ela presenciou durante o ato, Pimenta analisa um pouco sobre o que está por trás da atuação reacionária da esquerda pequeno-burguesa, que não só censurou as militantes do PCO, como também exigiu que a polícia os reprimisse.
Confira, abaixo, a entrevista na íntegra, a qual também será publicada em vídeo no YouTube da Causa Operária TV:
Muita gente não sabe exatamente o que aconteceu no 8 de março. Eu queria que você falasse um pouco sobre o que aconteceu quando você chegou na manifestação e um pouco do conflito que gerou polêmica nas redes sociais. Quando eu cheguei na manifestação, a companheira Izadora, que era a nossa representante do coletivo Rosa Luxemburgo, que ia falar no ato, já tinha tentado falar, já tinham falado para ela que o PCO não ia falar de jeito nenhum. E as mulheres do coletivo estavam protestando contra a censura, “gritando sem censura, sem censura!”, com cartazes.
No momento que eu cheguei, elas estavam protestando. E eu já vi que eles formaram um cordão em torno do carro de som, ali na porta por onde se sobe para falar no carro de som.
Qual era o objetivo desse cordão? Naquele momento não entendi muito bem. Parecia que era porque eles tinham medo que a gente invadisse o carro de som. Não sei, qualquer coisa assim, era para realmente nos impedir de qualquer maneira.
Conversamos com várias pessoas da organização, algumas estavam mais dispostas a mediar – acho que era uma companheira, não sei se do PT -, mas tinham outras da UP, do PSOL, do PCdoB que estavam totalmente inflexíveis. Então, para que também não conversássemos, não convencêssemos ninguém, ou não tentássemos subir no caminhão de som, eles fizeram esse cordão.
O que eles argumentaram, exatamente, sobre o motivo do porquê vocês não poderiam participar, não poderiam falar no ato público? Eles só falaram que não íamos falar e pronto. Não íamos porque não íamos falar. Eles não queriam que falássemos.
Apesar de não termos visto nenhum vídeo sobre isso, há uma acusação de que os homens do PCO teriam agredido mulheres desses movimentos. Você que estava lá, o que aconteceu? Há alguma veracidade nisso? Primeiro eu queria comentar que é engraçado como o pessoal inverte as coisas, não é? Quer dizer, eles proíbem você de falar, quando você protesta, você vira o agressor. Parece uma coisa muito sionista, não é? O Hamas é que começou toda a guerra no 7 de outubro, nada aconteceu antes. Inclusive, houve uma militante deles que acusou uma companheira nossa de estar com o filho no colo, de estar usando ele como escudo para completar o cenário sionista.
E o que aconteceu de fato é que estávamos com os nossos cartazes protestando, querendo participar e eles foram formando um cordão, impedindo, procurando nos afastar cada vez mais do carro de som. Nisso, como não queríamos sair – além de não poder falar, também não poderia protestar, tinha que ficar lá no fundo da manifestação, enfim, ridículo – eles começaram a nos empurrar.
Quer dizer, eles formaram um cordão que era basicamente composto de homens, a maioria, e empurraram a gente, começaram a nos empurrar. E aí os homens do PCO, que estavam principalmente na bateria, entraram quando viram que eram os homens que estavam vindo para cima das mulheres do PCO.
Você foi empurrada? Teve esse “empurra empurra”? Eles argumentam que os homens do PCO agrediram mulheres, mas as mulheres do PCO foram agredidas por homens? Foram. Eu fui agredida várias vezes durante essa manifestação. Inclusive, teve uma hora em que eles me deram um empurrão enorme. Acho que até tem um vídeo que mostra isso, aquele vídeo que a Ponte Jornalismo publicou para nos acusar de agredir as mulheres, [ele mostra que] quem está sendo agredida sou eu. Em outros momentos também. Eles vieram para cima, empurrar, ameaçaram, gritaram, colocaram o dedo na cara.
Se você foi empurrada, agredida etc., por que o PCO não chamou a polícia? O PCO não chama a polícia para resolver problemas dentro da esquerda, para movimentos sociais, nem nada do tipo. Movimento de luta não tem que envolver a polícia. Quem chama a polícia é a direita, é bolsonarista.
Um dos argumentos que foi apresentado principalmente pela UP, mas por outros movimentos, como o PCdoB e o PSOL, foi de que o coletivo de mulheres Rosa Luxemburgo não participou das reuniões da organização dos atos. Vivian Mendes, dirigente da UP, diz o seguinte: “quem não está articulado, não sabe da reunião”. Como você vê essa acusação? Esse “quem não está articulado”, podemos traduzir por “quem não é da nossa turma”. O PCO não é da turma da UP, do PSOL, do PCdoB, não somos da turma. Então, a gente não fica sabendo das reuniões porque elas não são públicas.
Por exemplo, as inúmeras campanhas que o PCO fez, [quando] vamos fazer uma plenária da luta contra o golpe, pela liberdade do Lula, agora da Palestina, divulgamos amplamente, divulgamos nas redes, enviamos para todas as organizações. Porque não importa se é amigo nosso ou não, queremos que participem da luta. Quanto mais organizações participando da luta, ótimo. Não precisa ser meu amigo. Se estiver na luta, é o que importa, não é?
Eles não. Eles mandam para os amiguinhos, para quem eles querem que participem. É uma espécie de privatização do movimento: “bom, eu quero que esse, esse, esse participem, fiquem na organização”. Então eles deliberadamente excluem quem eles não querem que participe. E aí sempre acontece essa conversa do “ah, vocês não participaram da organização”, o que é muito bom, porque eu não te chamo e depois não deixo você falar.
Quer dizer, participamos de inúmeros grupos de mulheres, grupos de esquerda, estamos sempre nas redes. Se soubemos que o ato aconteceria, por que não soubemos da reunião? Eles basicamente querem que você vá para fazer o palanque para eles. Mas, participar mesmo, só os amigos.
Sobre esse problema da organização dos atos, você considera que mesmo havendo reuniões públicas, é válido proibir uma organização de esquerda de falar numa manifestação se ela está presente? Essa eu já acho que é outra questão absurda. Digamos, você está organizando um ato, algumas organizações participam efetivamente da parte prática, fazendo o trabalho. Então quer dizer que todas as outras que aparecerem lá não podem falar, não podem fazer nada, não podem participar do ato? Mas quem aparecer, quem estiver realmente lá participando, deveria ter o direito de falar. Não pode ser uma coisa tão restrita, tão fechada.
Pelo menos nos nossos atos, abrimos sempre a fala para todos. Fizemos o ato em defesa da Palestina no encontro do G20, fomos nós que organizamos. O PSTU apareceu lá, deixamos eles falarem. Eles fizeram alguma coisa para o ato? Não. Nós levamos gente até o Rio de Janeiro, fizemos faixa, fizemos tudo. Eles apareceram, estavam defendendo a Palestina, beleza, fala aí! É o democrático, é o normal a ser feito.
Saiu uma nota da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo dizendo que a PM foi chamada pelo caminhão de som para resolver o conflito, e a própria PM argumenta que o PCO estava sendo truculento na hora em que eles foram chamados e que isso teria sido motivo para, inclusive, o confisco do faixão do Partido que estaria sendo utilizado como uma arma. Como você vê esse depoimento da polícia, essa declaração da Secretaria de Segurança Pública? Eu li essa declaração e eu achei ela meio confusa porque eles foram lá porque a organização chamou, então, quer dizer, não era porque estávamos sendo agressivo. Eles não viram necessidade de intervir a não ser pelo fato de terem sido chamados. E depois, não apareceu nenhum ferido, eles mesmo reconhecem que não teve vítima, não teve nada.
Então, não sei ao que eles se referem quando falam de truculência. Pode ser nossa atitude em relação à polícia, [que] normalmente é de hostilidade, pode ser a isso que eles estão se referindo.
Agora, eu não vejo como um faixão poderia estar sendo usado como arma. Porque é um pano de dez metros, [com] vários cabos. Não é nem prático bater em alguém com aquilo. Não tem como, não é? Mas o fato também é que muitas pessoas estavam torcendo para que acontecesse alguma coisa com o faixão. E inclusive aplaudiram quando a polícia retirou o faixão da manifestação.
O coletivo alega que uma de suas militantes foi parar no hospital por conta da agressão da Polícia Militar. O que aconteceu? Nesse primeiro momento na Paulista, eles [a PM] foram chamados, ainda estava tendo algumas discussões, e eles fizeram um cordão para nos impedir de avançar.
Para separar o PCO do resto da manifestação? Sim, a manifestação foi andando e não podíamos andar. “Não podemos ir à manifestação?”. “Não, vocês não podem, vocês vão ficar aqui”. Agora, não sei em que momento que a companheira foi empurrada. Antes de eles conseguirem formar essa barreira, um cordão mesmo, acho que estava tendo essa discussão com o pessoal da esquerda e eles entraram no meio para separar. Aliás, eles foram bater num companheiro nosso que estava do meu lado, inclusive me defendendo porque vieram me agredir, a polícia foi bater nele e acertou em mim de raspão. Acho que foi nesse momento que empurraram a companheira.
Um militante do PCO, o Tiago Pires, foi detido num primeiro momento pela polícia, depois foi solto. Você sabe por que isso aconteceu? É uma tática que o pessoal sempre usa. No meio da confusão, elas começaram a gritar que ele tinha agredido alguma mulher da esquerda, da UP, não sei, e chamaram a polícia falando que ele tinha agredido. Então, ele foi detido.
Mas a própria polícia falou que não apareceu nenhuma vítima para reivindicar. E aí, como não tinha vítima, era só uma acusação, então eles soltaram ele. E acho interessante que, no meio de tanto identitarismo, o pessoal fala tanto de mulher, negro e tudo mais, o companheiro [detido] justamente é negro, eles escolheram justamente o companheiro negro para acusar de agressão. É impressionante.
A pedido da esquerda pequeno-burguesa, PM rouba faixão e detém militante do PCO
Indo um pouco mais para frente, houve, em algum momento, um confronto físico mais decidido nessa manifestação? Porque tem cenas de “empurra empurra”, mas houve algo mais concreto? Tivemos vários momentos de “empurra empurra”, até porque estávamos querendo participar da manifestação e eles querendo nos expulsar dali, pelo menos ali do centro da manifestação.
Teve um momento ali na Augusta que – não sei exatamente por que motivo – o negócio ficou mais quente e acho que aí teve um enfrentamento mesmo. Foi basicamente entre os homens deles e do PCO. Não tinha mulher no meio que apanhou, pelo menos, eu não vi as mulheres.
Eles também não apresentaram nenhuma foto, nada, nem nenhuma declaração, para falar bem a verdade. Exatamente.
Uma das coisas que mais foi alvo de polêmica, é a negação da UP de que eles tenham roubado um tambor, um surdo da Bateria Zumbi dos Palmares. Eles argumentam, ao mesmo tempo, que o PCO teria chamado a polícia por conta dessa desse acontecimento. O que aconteceu? Isso é uma tentativa de esconder que eles chamaram a polícia. Eles chamaram a polícia – está até gravado – no carro de som, a própria polícia disse. Em nenhum momento, a polícia falou que foi chamada por nós.
O que aconteceu é que, nessa briga maior que teve, eu estava um pouco a frente e vi um cara saindo com um surdo. Ele não viu que eu estava vendo ele, então peguei o surdo e aí ficou uma briga, ele puxando [o surdo] de um lado, eu do outro. Eu cheguei até a cair no chão uma hora, que foi quando ele aproveitou para arrancar da minha mão e sair correndo. Até vieram umas meninas falando “nossa, tá tudo bem? O que aconteceu?”.
Eu olhei porque o surdo estava com todos os nós adesivos, [o do] fora Bolsonaro, da Palestina. Inclusive, tinha outras pessoas, não sei se eram da UP, que estavam falando “não, é dele, é dele!”, mas era nosso e ele saiu correndo.
Depois disso, a polícia formou um novo cordão para se intrometer no meio da briga, fez um novo cordão para separar. E os nossos companheiros queriam ir lá pegar o surdo, mas a polícia não queria deixar ele andar. Eles estavam falando “eu vou lá pegar o surdo. Você vai lá? Não vai, então eu vou lá pegar o surdo”. Era uma discussão para passar do cordão da polícia que estava nos impedindo de avançar. Quer dizer, não é que a gente chamou eles para recuperar o surdo, era como [se falássemos] “deixa a gente passar que nós precisamos recuperar um item roubado do nosso bloco”.
A polícia foi lá falar com eles? Eles pegaram esse trecho do vídeo, que é um companheiro nosso discutindo com a polícia, mas em algum momento a polícia foi lá falar com eles, falar do surdo, levar alguém preso, intimou? Não, não tem nada disso.
A briga toda começou porque não queriam deixar vocês falarem por três minutos. O que os leva a fazer isso? Roubar um tambor de bateria, empurrar mulheres etc.? Que vantagem eles ganham com isso? Olha, eu também não sei que vantagem eles levam, não estou vendo muita vantagem da parte deles. Fora o fato de que eles já tem uma pinimba com a gente há bastante tempo, principalmente depois dos atos da Palestina, não querem que participemos do negócio.
Nós levamos os maiores blocos, somos os que mais estão participando, os que efetivamente estão fazendo a campanha da Palestina. Desde então, começou essa briga, de “o PCO não pode falar, o PCO não pode participar, o PCO não pode participar da organização, PCO não pode falar no carro de som”. Isso já vem desde da questão da Palestina, que, para mim, é uma disputa besta de território.
Ao invés de se preocuparem em fazer o movimento crescer e em fazer efetivamente uma luta em defesa da Palestina, em defesa das mulheres, eles querem controlar o negócio, não querem que saia do controle deles, não quer que cresça. Eles querem um movimento para um uso particular. Estão ficando desesperados porque não estão conseguindo esse resultado.
Você considera que a reunião que o PCO fez com a direção do Hamas e com Ismael Hanié tem alguma influência no desenrolar dos acontecimentos? Com certeza porque o que já estava ruim na questão da Palestina antes da reunião, ficou muito pior depois.
Eu acho que o pessoal enlouqueceu de vez, porque é algo que não tem nenhuma justificativa. Inclusive, sabemos [por meio] de simpatizantes do Partido que ouviram os organizadores falarem “não vamos colocar o PCO para eles já saberem que a gente não quer que eles participem”, algo do tipo. Já é algo meio quinta série, de ficar mandando indireta, de “vamos excluir eles, vamos deixar eles se sentindo de fora”. E eu acho que esse encontro com o Hamas é algo meio incontornável, não é? Porque na campanha da Palestina, eles podem inventar qualquer coisa, que eles levaram mais gente, que eles fizeram mais campanha etc. É mentira, mas a reunião não tem como você disfarçar.
Você considera que esses movimentos que estão atacando o PCO são hostis à resistência palestina, principalmente aos grupos islâmicos? Pelo que vimos, eles são totalmente hostis. Eles, em nenhum momento, defenderam a resistência. Não é que não defenderam o Hamas, eles nem mesmo falaram da resistência em geral.
Parece que eles consideram mesmo esses grupos como o imperialismo pinta eles: grupos terroristas, fanáticos, islâmicos, que não tem nada a ver com a esquerda, com o movimento dos trabalhadores.
Esquerda pequeno-burguesa tenta censurar PCO à força durante ato