Nessa quinta-feira (18), o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ) foi alvo da 24ª fase da chamada Operação Lesa Pátria, da Polícia Federal (PF), que investiga pessoas supostamente ligadas às manifestações de 8 de janeiro de 2023. De acordo com a PF, foram cumpridos mandados de busca e apreensão na casa do parlamentar em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, e em seu gabinete na Câmara dos Deputados.
A Polícia Federal ainda afirmou que, nessa fase da operação, foram cumpridos 10 mandados de busca e apreensão, oito no Rio de Janeiro e dois no Distrito Federal. Todos eles foram expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a corporação, por meio de nota oficial, “os fatos investigados constituem, em tese, os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, associação criminosa e incitação ao crime”.
Jordy, em suas redes sociais, se revoltou contra a medida, denunciando que “esse mandado de busca e apreensão determinado pelo ministro Alexandre de Moraes é uma constatação de que estamos vivendo em uma ditadura”.
“É inacreditável o que nós estamos vivendo […] Eu, em momento algum do 8 de janeiro, incitei, falei para as pessoas que aquilo era correto. Em momento algum estive nos quartéis-generais e nunca apoiei nenhum tipo de ato anterior ou depois do 8 de janeiro”, afirmou o deputado.
Trata-se, de fato, de mais um caso de completo arbítrio por parte do Judiciário brasileiro: a principal justificativa para o STF permitir que a PF invadisse a casa do deputado são meras mensagens no WhatsApp que indicariam que ele teria orientado os manifestantes na ocasião do 8 de janeiro por meio de Carlos Victor de Carvalho, preso pela PF em 28 de janeiro por suposto envolvimento nas manifestações bolsonaristas.
“Bom dia meu líder. Qual direcionamento você pode me dar? Tem poder de parar tudo – disse Carvalho, no dia 1º de novembro de 2022, ao que Jordy respondeu – Fala irmão, beleza? Está podendo falar aí?”. Então, segundo a PF, foi feita uma ligação telefônica que impediu a corporação de obter o desfecho desse diálogo específico, o principal citado pela imprensa burguesa para justificar a operação contra o deputado.
Em geral, todas as “provas” citadas por Alexandre de Moraes em sua decisão são arbitrárias. O ministro, por exemplo, fala que:
“Outro fato que contribui com a sustentação da linha investigação de participação do parlamentar, é que no dia 17/01/2023, quando CVC encontrava-se foragido, CARLOS JORDY faz contato telefônico com aquele. Sendo que, como parlamentar, representante da população brasileira, ao tomar conhecimento do destino do foragido seu dever como agente público seria comunicar imediatamente a autoridade policial.”
Ora, mas se a investigação não possui acesso ao conteúdo da ligação telefônica, como é que Moraes pode saber que Jordy sabia do paradeiro de Carvalho? Se Jordy tivesse ligado por engano para o manifestante bolsonarista, isso seria o suficiente para o STF incriminá-lo?
O resto do documento de Moraes, que teve seu sigilo derrubado após a deflagração da operação contra Jordy, é tão grotesco, do ponto de vista jurídico, quanto o restante. Sua argumentação poderia ser quase que caracterizada como uma atualização da “teoria do domínio do fato”: Moraes estabelece que, já que Jordy tinha relações com pessoas que foram investigadas e presas por supostamente organizar os atos de 8 de janeiro, e já que ele foi chamado de uma das lideranças do movimento, então ele também seria um “criminoso”.
Foi com base em toda essa falcatrua que Moraes autorizou não só a busca e apreensão contra Jordy, mas também o acesso e análise ao conteúdo de dados, arquivos e mensagens disponíveis nos equipamentos apreendidos.
A Procuradoria-Geral da República, seguindo a caracterização jurídica arbitrária do STF, ainda julgou como sendo mais grave o fato de que o vínculo entre Jordy e Carvalho não foi apenas para “fins políticos partidários”:
“[Carvalho enviou mensagens a Jordy] com conteúdo que sugere que o vínculo entre ambos extrapola eventuais fins políticos partidários, demonstrando intenção de ordenar a prática de crimes contra o Estado de Direito”, diz o órgão.
A PF, em nota, segue a mesma orientação:
“Os fatos investigados constituem, em tese, os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, associação criminosa e incitação ao crime.”
Ora, toda relação entre um deputado e outra pessoa precisa ser “para fins políticos partidários”? O contrário, é crime? E mais importante do que isso: uma suposta “intenção” de praticar um crime não é condição para enquadrar alguém como um criminoso – principalmente quando levamos em conta que o crime pelo qual Jordy foi acusado, o de atentar contra “o Estado de Direito”, nem mesmo consta na Constituição Federal.
Finalmente, mandar mensagens e se comunicar com uma pessoa não pode ser caracterizado como uma “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” [grifo nosso], muito menos como um “golpe de Estado”. Golpes de Estado são feitos com armas nas mãos, com as Forças Armadas, e não com mensagens no WhatsApp.
A perseguição a Jordy aumenta ainda mais a popularidade da extrema direita. A população não apoia medidas autoritárias por parte dos poderosos, pois sofre diariamente com arbítrios similares. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, por exemplo, disse:
“As atitudes e ações do parlamentar do PL são protegidas pelo instituto da imunidade parlamentar, garantido pela Constituição que todos nós juramos defender e respeitar. Mas não é isso que estamos assistindo nos últimos meses.”
Flávio Bolsonaro (PL-RJ) caracterizou a ação da PF como de “autoritarismo e arrogância”. Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), também prestou solidariedade a Jordy, afirmando que “mais uma vez ignora-se solenemente a Constituição e deflagra-se mais um capítulo do rumo assombroso para onde caminha o Brasil”. Pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Ramagem (PL-RJ), também deputado federal, disse que a operação “representa a continuidade da armadilha preparada contra o povo brasileiro” e disse que reforma do judiciário precisa ser pautada no Congresso Nacional “contra esse sistema ditatorial”.
É chato dizer, mas todos eles estão corretos. A diferença é que, no caso deles, as críticas ao regime ditatorial que se instaura no Brasil é completamente oportunista – se pudessem, seriam eles os ditadores que estão prendendo a população. Mas isso não muda o fato de que, com essa perseguição, sua popularidade aumenta.
Mais importante do que isso, temos aqui mais um caso que reforça o poder do Estado em agir de maneira autoritária e arbitrária, rasgando a Constituição Federal por meio de decisões judiciais esdrúxulas. E essa perseguição, ainda que se volte neste momento contra a extrema direita, inevitavelmente se voltará contra a esquerda. Como Leon Trótski, líder do Exército Vermelho durante a Revolução Russa, disse:
“Nas condições do regime burguês, toda supressão dos direitos políticos e da liberdade, não importa a quem sejam dirigidos no início, no final inevitavelmente pesa sobre a classe trabalhadora, particularmente seus elementos mais avançados.”