Nesta semana, a Folha de S. Paulo publicou um artigo em que trata sobre o envolvimento de forças militares em ações de âmbito civil. Segundo o texto, existiria uma tendência a resistir a esse avanço dos militares sobre assuntos civis por parte de Lula e do PT. Do outro lado, estariam o Ministério da Defesa e o Exército. Podemos incluir ainda, ao lado dos militares, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, que teve na gestão de Flávio Dino um direcionamento voltado para a intensificação da repressão estatal.
Lula chegou a afirmar que, em seu governo não ocorreriam as GLOs, operações de Garantia da Lei e da Ordem. A rigor, esse tipo de operação só pode acontecer por ordem expressão do presidente. No entanto, Lula lançou mão de uma GLO ainda em novembro do ano passado. Com a justificativa de combater o crime organizado, os militares foram acionados para atuar em aeroportos internacionais e portos nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Nesse mês, o assunto da “segurança pública” tem ganhado grande destaque na imprensa.
Na ocasião, Flávio Dino afirmou que as GLOs seriam a melhor alternativa para estancar o financiamento das “organizações criminosas”. Uma estratégia falida há décadas, pois já é de amplo conhecimento mundo afora que a “guerra às drogas” é uma farsa. Seu emprego, só serviu de fato para ampliar o controle sobre a sociedade civil e, no caso de países atrasados, para ampliar o controle estrangeiro sobre eles.
A matéria da Folha de S. Paulo aponta José Múcio e Tomás Ribeiro Paiva como principais interlocutores na defesa das GLOs junto a Lula e ao PT. Comandando respectivamente o Ministério da Defesa e o Exército, estariam usando a GLO iniciada em novembro como exemplo de que seria seguro confiar nos militares para esse tipo de ação. Ironicamente, a mesma matéria lembra que o uso recorrente das GLOs nos governos Dilma e Temer serviram para fortalecer politicamente os militares. O desenvolvimento político disso, vivenciamos nos anos seguintes. O fato de estarem pressionando tão abertamente o governo Lula aponta que estão se sentindo confiantes para isso, o que aparece como mais um sinal de fragilidade do governo.
Devemos aqui apontar um fato bastante óbvio, mas para o qual setores da esquerda parecem fechar os olhos. A repressão, o “combate ao crime” e todo esse arsenal de propaganda autoritária são bandeiras da direita, enquanto a esquerda sempre teve como bandeira histórica a ampliação dos direitos democráticos, no sentido de impedir o esmagamento da população pela burocracia estatal. Ao tentar se apresentar como os inimigos da criminalidade, os agentes da repressão aos “bandidos” e coisa do tipo, a esquerda fortalece a direita. Por um lado, legitimam esse tipo de política falida e cínica, que, no fundo, nem os próprios políticos de direita acreditam que vai acabar com o crime organizado. Por outro, se colocam numa disputa onde não têm qualquer chance de superar a direita.
Afinal, se a solução é mais polícia, mais violência estatal, mais militares nas ruas, seriam os esquerdistas os melhores para levar isso adiante? É razoável que pessoas associadas aos “direitos humanos” podem ser mais repressoras do que figuras como Sargento Fahur, Coronel Telhada ou qualquer outro militar que se lance na política, como o próprio Bolsonaro? Por que votar num petista para soltar a polícia pra cima dos “bandidos”? Não faz mais sentido escolher alguém que defenda a suspensão total dos direitos democráticos de que qualquer “suspeito”? Um ponto de divergência entre PT e militares, por exemplo, se deu em torno da responsabilidade no caso de “danos colaterais”, ou seja, quando civis inocentes são mortos nessas operações. Do lado dos militares, a política padrão é mandar para seus próprios tribunais, onde não acontece nada. Assim, os militares envolvidos nas ações já entram sabendo que têm “carta branca” para matar.
Se avançar por esse caminho, Lula e o PT vão apenas esquentar o banco para os militares no governo. A atuação política das Forças Armadas e sua intervenção na vida civil serve para acostumar a população com isso. O crime vai seguir firme e forte, isso se não se fortalecer mais ainda. A derrota no caso fica com o governo e com a população, que vai perdendo seus direitos democráticos progressivamente.