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Marcelo Marcelino

Membro Auditoria Cidadã da Dívida Pública (ACD) nacional, sociólogo, economista e cientista político, pesquisador do Núcleo de Estudos Paranaenses – análise sociológica das famílias históricas da classe dominante do Brasil e membro do Partido da Causa Operária – Curitiba.

Coluna

Imperialismo e dívida pública

No presente texto procuramos analisar e explicar o processo de financeirização no Brasil, principalmente a partir da década de 1990

No presente texto procuramos analisar e explicar o processo de financeirização no Brasil, principalmente a partir da década de 1990, logo após os acordos firmados no “Consenso de Washington” na esteira da expansão das fronteiras da globalização econômica e financeira para a América Latina. A década de destruição neoliberal da denominada “Era dos Fernandos” desde Fernando Collor passando por Fernando Henrique Cardoso (FHC) impulsionou a destruição nacional e abriu espaços para a social-democracia nos governos do PT que, por sua vez, não conseguiram estancar a sangria dos cofres públicos que alimentava e alimenta continuamente o sistema financeiro nacional e internacional além dos rentistas habituais de amplo espectro.

A continuidade da política econômica lastreada pelo Banco Central do Brasil nos governos Lula e Dilma prosseguiu os cortes orçamentários, apesar do aumento de investimentos em algumas áreas. A política econômica perpetuou a absurda remuneração do sistema financeiro em um nível muito superior se comparado aos investimentos nas políticas públicas, mesmo que os denominados gastos orçamentários fossem bastante superiores aos de FHC na sua gestão.

Essa análise não se resume simplesmente a uma abordagem teórica e conceitual dos processos sócio-históricos e dos desdobramentos da concretude da economia política em termos de narrativa, mas sim, conjuntamente com a contribuição dos dados orçamentários na relação existente entre Tesouro Nacional e Banco Central, numa espécie de “dobradinha” que transfere renda e riqueza para os banqueiros e rentistas nacionais e internacionais em detrimento dos investimentos das políticas públicas em saúde, educação e geração de emprego e renda, em consonância com a ordem capitalista internacional.

Com o golpe de Estado no Brasil a partir de 2016 a transferência de bilhões de reais ao setor financeiro, as reformas trabalhista e previdenciária conjuntamente com a independência do Banco Central aceleraram de forma avassaladora o modelo que passou de neoliberal para ultraliberal diante dos ditames do imperialismo capitaneado pelos EUA, atravessando a crise estrutural do processo de acumulação e reprodução do capital em plena ascensão das disputas geopolíticas estratégicas.

A ordem ultraliberal na fase aguda da crise do imperialismo impõe ao Brasil uma agenda ainda maior de subserviência, corrompe instituições e corrói as políticas públicas através do corte de gastos públicos, aumento das privatizações e terceirizações dos serviços essenciais e das empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional soberano. A educação como um dos principais eixos norteadores da construção da cidadania e do próprio desenvolvimento científico e tecnológico se encontra num estágio de degradação profunda e cabe a esse artigo explicar as razões pelas quais esse modelo econômico subserviente a engenharia econômica e financeira do capital conduz o país a um retrocesso histórico e que insere pejorativamente a esmagadora maioria do povo brasileiro que sofre as consequências desses processos decisórios e de gestão dessas instituições, além dos mecanismos que garantem a riqueza dos ricos em detrimento do aumento da pobreza e da miséria dos já muito vilipendiados cidadãos brasileiros.

Crise estrutural do capitalismo na pandemia

A desigualdade econômica e social no Brasil desde a sua gênese se apresentou na forma de um recorte de classe entre os potentados detentores do “capital”, os já escravizados e demais grupos sociais subalternos no contexto das conquistas ibéricas ultramarinas organizadas pela Coroa portuguesa; estendendo-se o conceito de “capital” para as diversas formas de “capitais” segundo Bourdieu, como o capital econômico, político, social e cultural. Mesmo porque o processo de colonização ocorreu não apenas a partir das concessões de terras desde as capitanias hereditárias às sesmarias como também através da posse das honrarias e dos cargos públicos sob o beneplácito da Coroa portuguesa.

Obter prestígio, status e poderes políticos caminharam na formação da classe dominante brasileira já na sua fase embrionária e ainda diz muito sobre o país em 2022. A desigualdade no Brasil pode ser analisada sob o ponto de partida da construção dessas estruturas de poder e dominação pela via da concentração desses “capitais” herdados e adquiridos historicamente por parte da classe dominante na sua formação histórica.

Essa formação social e política brasileira permitiu construir a organização do capitalismo dependente da atualidade, onde o projeto neoliberal tornou-se estratégico diante da geopolítica imperialista principalmente no atual momento da crise estrutural do capitalismo conjugada e exacerbada com a pandemia da Covid 19. Formas híbridas no capitalismo dependente formaram-se com a superexploração do trabalho com distinção no mérito das honrarias e poder político da tradição semifeudal em posse da classe dominante.

As instituições políticas, jurídicas, militares e outras estão repletas de exemplos onde as distinções sociais e recortes de classe foram ao longo do tempo posicionando a classe dominante não apenas em torno do seu poder econômico como em grande medida pela posse desses outros “capitais”. Nesses termos, ao contrário de muitos filósofos e cientistas sociais, inclusive Bourdieu, não aderimos à tese de que Marx e todo um conjunto de autores marxistas construíram suas abordagens teóricas alicerçados na base econômica da sociedade, negligenciando as formas simbólicas e demais organizações da sociedade nas interações sociais subjetivas.

Apesar de não ser o foco desse capítulo, cabe registrar que Marx e todos aqueles que seguem à risca as suas interpretações compreendiam a análise da sociedade a partir de uma perspectiva da totalidade, integrada a composição social, histórica e concretamente determinada pelas relações sociais de produção, parafraseando o próprio Marx e acrescentada aqui nesse trabalho pelas formas tangíveis e intangíveis na construção social.

Consideramos relevante estabelecermos essas ponderações devido à necessidade explicativa de que partimos de alguns pontos cruciais de análise da crise estrutural do capitalismo no contexto da pandemia e da superexploração do trabalho num país dependente como o Brasil. Existe uma classe dominante histórica e secular no Brasil em conluio com o imperialismo sob a égide da influência geopolítica e estratégica dos EUA que carrega sobre seus ombros uma longa trajetória de “capitais herdados, conquistados, acumulados e reproduzidos ao longo de gerações numa visão integrada da totalidade e não apenas economicista, assim como também não coadunando com a teoria das elites, já que as formações sociais fundantes da classe dominante estão mergulhadas em aspectos sociais mais complexos do que apresentados por essa teoria.

Diante desse preâmbulo vale destacar que no contexto dessa crise estrutural do capitalismo se encontra um país dependente que age em consonância com os interesses do imperialismo utilizando-se das estratégias impostas pelo neoliberalismo da globalização econômica e financeira, onde a pandemia expõe o contexto da crise econômica somada a política em tempos de golpe de Estado no Brasil.

Ao mesmo tempo, esse processo acelerou as políticas de financeirização do capital que drenam os recursos orçamentários em favor do capital financeiro nacional e das corporações transnacionais. O Banco Central do Brasil há muito se transformou na mais importante instituição econômica e financeira brasileira e na atual crise seu papel continua sendo primordial para impulsionar a política econômica em favor dos rentistas e demais capitalistas da classe dominante nacional e estrangeira, abrindo um fosso de desigualdade econômica e social ainda mais profundo com os desvios do orçamento das políticas públicas para o grande capital. Cabe, portanto, examinarmos mais de perto no âmbito mais geral o teor dessa crise e seus desdobramentos.

A década de 1970 marcou a fase de transição da Era Keynesiana da acumulação capitalista na base de produção fordista para o neoliberalismo como uma forma de escapar dos constrangimentos políticos-institucionais do Estado capitalista e também no que tange a sua engenharia social e econômica complexa na esfera da “racionalidade instrumental” e da lógica da reprodução do capital fordista/toyotista e sua inerente tendência a queda da taxa de lucro introduzida no germe da sua composição como elemento na raiz das suas próprias contradições.

O elemento central da tendencial queda da taxa de lucro não reside no padrão fordista de acumulação capitalista e nem no modelo keynesiano da administração estatal capitalista na sua fase de expansão imperialista sob a égide dos EUA. As profundas transformações tecnológicas, o fim do padrão ouro-dólar e as crises do petróleo já eram sintomas da crise econômica e política global.

No caso brasileiro a ditadura civil-militar-empresarial no mesmo período retomou o desenvolvimentismo na lógica do financiamento externo ou na base do capital financeiro que a partir desse período começa a explorar o capital movido a ganhos especulativos com uma velocidade intensa e dinâmica, além da superexploração do trabalho nos moldes da mundialização financeira em consonância com a globalização neoliberal em curso.

Do último quarto do século XX até o presente as contradições do capitalismo se revelaram ainda mais profundas a partir das imposições do modelo neoliberal com o consórcio imperialista EUA e Inglaterra nos governos Reagan e Thatcher e não por acaso o processo de degradação social se intensifica com a queda expressiva dos salários reais com aumento da pobreza nos próprios EUA a despeito dos avanços tecnológicos do período. A perda de fôlego das economias centrais durante a década de 1970-80 antecipou por uma necessidade de rearranjo dos sistemas tecnológicos e organizacionais a recusa da continuidade do keynesianismo fordista.]

A crise estrutural do capitalismo após cerca de mais de duas décadas de crescimento e desenvolvimento econômico vigoroso desde o pós-segunda guerra a partir do braço estratégico do Estado como parte componente do capitalismo monopolista na fase imperialista mostra as contradições do sistema, que necessita destruir as formas que criam riquezas para reconfigurá-las em outras com diferentes dinâmicas e estratégicas políticas e de cunho social organizacional. Na década de 1970 para o Brasil, os planos nacionais de desenvolvimento da ditadura civil-militar-empresarial (PND I e II) foram a oportunidade com recursos externos de retomada do ciclo desenvolvimentista iniciado por Vargas com maior vigor no início da década de 1950 e interrompido com a crise política e econômica já no governo Jânio Quadros.

Com o avanço da crise de esgotamento fordista de produção da década de 1970, a reconfiguração tecnológica dos países centrais no primeiro momento não atingiu diretamente os países periféricos dependentes, a não ser pela transferência de grande parte da crise na forma de enormes déficits nas balanças comerciais, dívida externa explosiva com hiperinflação; particularmente o caso brasileiro. Os EUA como o maior país estratégico do imperialismo, apesar de capitanear as transformações profundas no sistema, foram um dos que mais sofreram internamente com a queda substancial da qualidade de vida na base dos empregos e dos salários reais como também das políticas públicas.

A degradação social foi acompanhada também pela queda nos investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento, principalmente em setores onde o capitalismo não detinha tanto interesse, mesmo na indústria farmacêutica e de biotecnologia, reconhecidamente um dos principais setores do capitalismo estadunidense. Ao mesmo tempo que diversos setores do capitalismo envolvidos nas áreas da medicina como essas industrias cresceram e se desenvolveram nas últimas décadas, isso não ocorreu da mesma forma para algumas áreas desse mesmo setor, já que muitas das pesquisas em algumas áreas não foi acompanhada pelo mesmo interesse como pilar estratégico da acumulação em tempos de neoliberalismo.

O interesse do capitalismo por diversas áreas de investimento em pesquisa sempre esteve presente nas escolhas da lógica da acumulação, mas com o agravamento da crise estrutural do capitalismo e a voracidade do sistema pela aceleração do processo de acumulação, esses investimentos passaram a obedecer a critérios de escolha ainda mais seletivos. No imperialismo, na fase da globalização econômica e financeira, a imbricação entre o Estado e o setor privado convergiu em interesses ainda mais amplos com estratégias de coesão ainda mais rígidos, diminuindo muito o poder do Estado em termos de concretização de políticas públicas para a sociedade, ao mesmo tempo, aumentos orçamentários vultuosos para o grande capital combinando formas de salvaguardas institucionais como alicerce do sistema capitalista. Essa é a principal característica do capitalismo monopolista de Estado na fase do imperialismo e que poderá conduzir a humanidade a catástrofes humanitárias como fome, doenças graves e guerras múltiplas como estamos observando no atual estágio nas sociedades capitalistas centrais e dependentes com a eclosão da pandemia da Covid-19.

As disputas geopolíticas estratégicas entre o imperialismo capitaneado pelos EUA e o consórcio sino-russo (parceria China e Rússia) estão conduzindo, nos últimos anos, a uma série de conflitos e de golpes de Estado na América Latina, no Oriente Médio e na Ásia com maior frequência e truculência. Associado a esse fenômeno, um brutal aumento das mortes decorrentes da pandemia durante 2020-21 e o crescimento elevado do índice de pobreza nos EUA (país mais rico do mundo) refletindo sobremaneira na atual situação da crise estrutural do capitalismo.

Apesar do sociólogo estadunidense Mike Davis ter demonstrado com excepcional clareza a gravidade da inépcia sanitária há cerca de duas décadas atrás ela vale para o presente na entrada de 2022, isto é, depois de 2008, a crise estrutural do capitalismo transformou a sociedade nos países desenvolvidos e dependentes num enorme contingente de bilhões de pessoas excluídas de cidadania ao mesmo tempo que incluídas na maneira mais perversa na lógica da superexploração do trabalho em tempos de miséria social.

Vale destacar que as grandes corporações transnacionais da indústria farmacêutica não se interessam em seguir seus investimentos na pesquisa e no desenvolvimento das vacinas da gripe por compreenderem que os custos dessa escolha não eram viáveis para a lógica da acumulação do capital. O que chama atenção nesse aspecto residem duas questões de escolhas de Estado como a redução de apoio a empresas menores na pesquisa e no desenvolvimento de vacinas e também no que tange a fiscalização e o armazenamento das próprias vacinas produzidas pelo setor dessa indústria. As agências reguladoras institucionalizadas atuam também seguindo um modelo neoliberal de conluio com os interesses do imperialismo e que se observarmos a realidade da pandemia nos EUA e no mundo de maneira geral, a calamidade pública instalada em 2020 demonstra o naufrágio do modelo neoliberal do imperialismo.

Por outro lado, o naufrágio do modelo neoliberal e a própria crise estrutural do capitalismo não significam que os EUA e a classe dominante nacional e transnacional estão à beira do colapso, mesmo porque as formas mais reacionárias de ultraliberalismo investem no acirramento da luta de classes através dos próprios instrumentos político-institucionais em favor da concentração de mercados e capitais do imperialismo.

O avanço das formas neoliberais na globalização econômica e financeira expressam o capitalismo na fase do imperialismo e pela complexidade da correlação de forças no bojo das suas próprias contradições o sistema tende a gerar frequentes crises com acentuada concentração de riquezas e excesso de desigualdades sociais exacerbada pela pandemia da Covid-19. O mercado financeiro internacional exasperou as formas rentísticas de acumulação por intermédio do que Marx denominava de “capital fictício” e capital portador de juros” e criou a ausência quase completa de escrúpulos por parte das elites financeiras e da própria classe dominante, onde a “plutonomia” mencionada por Chomsky tornou-se lugar-comum no “habitus” dessa classe social emergente.

Além de padrões de desvalorização do trabalho em termos de salários e condições contratuais nos países dependentes, as políticas públicas são incipientes e de curto alcance, e ainda, deprimidas pelos baixos orçamentos destinados e também desviados seus recursos para a remuneração do capitalismo financeiro nacional e internacional como forma estratégica intensa de acumulação e reprodução do capital em escala global.

Dívida pública como instrumento de acumulação e reprodução do capital: o caso do Banco Central

Durante o chamado “Milagre Econômico”, na ditadura cívico/militar o capital financeiro rentista fez uma simbiose com os vários capitais, principalmente o capital produtivo, proporcionando a acumulação crescente da riqueza produzida pelos trabalhadores e a sociedade em geral, em nome do grande capital financeiro bancário, as grandes corporações transnacionais e a grande burguesia internacional e nacional.

Após a quebra da paridade ouro/dólar em 15 de agosto de 1971 pelo ex-presidente americano Richard Nixon iniciou-se uma nova fase do grande capital financeiro especulador, denominada “financeirização da economia mundial”. Com ela, potencializou-se a concentração de renda e riqueza nas mãos do 1% da população.

Entre 1969 e 1974, em pleno chamado “Milagre Econômico”, o Brasil vivenciou um dos maiores crescimentos econômicos da história. A média do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) chegou à casa de dois dígitos, 10,8% ao ano, sendo o maior delas em 1973 – cerca de 14%, mas com grande endividamento externo, financiando obras faraônicas do governo militar, com a participação das maiores empreiteiras do país. De maneira geral isso não significou melhoria na qualidade de vida da população brasileira. Estávamos no contexto da conhecida fala do então ministro da Fazenda do governo militar Delfim Neto, que disse que o bolo precisava crescer para depois dividir. O bolo cresceu, chegamos a ser a 6ª economia do planeta, mas a nossa fatia nunca chegou as nossas mãos.

No início da ditadura, em 1964, o saldo da dívida pública externa era pouco mais de 3,2 bilhões de dólares, não havia quase dívida pública interna no Brasil. Em 1985, já no início da redemocratização o estoque da dívida externa chegou a 105 bilhões de dólares. Um crescimento de mais de 32 vezes. Pari passu, a população brasileira continuou na pobreza/miséria, com grandes concentrações de renda e riqueza nas mãos de poucos, principal

mente dos bancos e das grandes corporações. O Brasil permaneceu como uma economia capitalista periférica, totalmente dependente do imperialismo estadunidense, com a pecha de nação subdesenvolvida. O aumento da desigualdade durante o regime militar não ocorreu de forma natural, mas como fruto de políticas para conter a inflação entre 1964 e 1984, em média 64,53% ao ano. No Brasil a média inflacionária nos anos 70 foi de cerca 32% ao ano ou 160% maior que os demais países capitalistas centrais.

Na Década de 1980, a denominada “década perdida” (não para o grande capital), foi sentido o efeito dos juros flutuantes, de 4% a 5% a.a. na década anterior passaram a mais de 20% a.a., constituindo-se em uma ilegalidade internacional, de acordo com a convenção de Viena, que proíbe esse nível de flutuação da taxa de juros. Essa ilegalidade ocasionou o crescimento exponencial das dívidas públicas em diversos países pobres, levando à crise da dívida pública da década de 80.

O primeiro país a quebrar na América foi o México. O Brasil pede moratória em 1987 no governo Sarney; não por medida corajosa de enfrentamento ao grande capital financeiro, mas por falta de recursos para pagar o serviço da dívida pública federal.

No início da década de 90, no governo Collor de Melo, iniciou-se o projeto de privatização do parque estatal brasileiro. O discurso dos dois governos, Collor e FHC, eram idênticos – “precisamos privatizar para pagar a dívida pública”. Grande parte do parque estatal brasileiro foi privatizado, mas o estoque da Dívida Pública Federal e dos Estados não diminuiu, e nem houve melhoria na qualidade da vida da população brasileira. Portanto, uma dívida pública sem contrapartida.

Apesar de inúmeras privatizações das empresas estatais no governo Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (FHC) não entrou dinheiro novo no cofre do governo federal. Nesse período uma grande engenharia foi aplicada, em mais de 20 países do planeta, o chamado “PLANO BRADY”, que consistia em turbinar papéis nulos ou desvalorizados da dívida externa brasileira detida por bancos privados e outros investidores, valorizando-os pela face dos títulos. Títulos esses transformados em títulos globais, usados nas compras das nossas empresas estatais subvalorizadas.

Com a financeirização da economia, no início da década de 70 o mercado financeiro rentista e as grandes corporações fizeram uma simbiose, com objetivo de garantir lucros crescentes e vitalícios. Essa associação entre o capital financeiro e produtivo vem garantindo as flexibilizações dos direitos trabalhistas, redução de postos de trabalhos com avanço da automação, da robótica e da inteligência artificial, precarizando as relações trabalhistas traduzindo-se na redução salarial. As aprovações das contrarreformas previdenciária, trabalhista, emenda constitucional nº 95/2016, o chamado teto de gasto, a pseudorreforma administrativa – PEC 32 são políticas ultraliberais de ataque voraz e reacionário contra a sociedade. Enquanto isso, os prejuízos são incorporados ao estoque da dívida pública federal e dos Estados, com aumento exponencial, apesar dos pagamentos executados, sem atraso em favor do serviço da Dívida Pública (Juros, Amortização e Refinanciamento) a cada ano.

Hoje o governo Bolsonaro, na figura do seu ministro da economia, Paulo Guedes, utiliza-se o mesmo discurso; precisamos privatizar para pagar a “DÍVIDA PÚBLICA”. O estoque da Dívida Pública Federal não para de crescer. O estoque em maio de 2022 chegou a 7,098 trilhões de reais ou 78,2% do PIB. No mesmo período, o estoque da Dívida Pública dos governos estaduais com a União no âmbito da Lei 9.496/97 chegou a 554 bilhões de reais, ou 6,1% do PIB. Apesar de um vultoso pagamento de quase 400 bilhões de reais realizados pelos Estados à União, referente ao saldo da lei 9496/1997, a dívida não para de crescer.

O ministro da economia, Paulo Guedes, afirmou na grande mídia que aumentar a “taxa básica de juros (SELIC)” controla a “inflação”. Os dados do Banco Central do Brasil desmontam essa afirmativa. Como podemos constatar, o aumento de “1 ponto percentual na taxa SELIC” significa um impacto na despesa anual de juros de 34,5 bilhões de reais. Entre janeiro de 2021 (SELIC 2%) e agosto de 2022 (SELIC 13,75%) a taxa SELIC aumentou 11,75 ou 587,5%. Com uma simples operação matemática podemos verificar um prejuízo gigantesco aos cofres públicos de aproximadamente 405 bilhões de reais, nesse período. Segundo os dados do Banco Central.

Na mesma tabela podemos constatar que aumentar de “1 ponto percentual na inflação (IPCA/IBGE)” representa um prejuízo aos cofres públicos de 16,6 bilhões de reais por ano (devido aos custos dos títulos da dívida indexados a índices de preços). Podemos ratificar nos dados do Banco Central.

Entre janeiro de 2021 (IPCA acumulado em 12 meses – 4,56%) e junho de 2022 (IPCA acumulado em 12 meses – 11,89%) a inflação brasileira aumentou 7,33 pontos percentuais. Com a aplicação de uma REGRA DE TRÊS SIMPLES chegaremos ao seguinte prejuízo aproximado de 122 bilhões de reais. Somados aos 405 bilhões de reais de prejuízos da taxa SELIC, chegaremos à cifra bilionária de aproximadamente 527 bilhões de reais. Uma verdadeira política econômica suicida do Banco Central, onde o aumento da taxa de juros não impediu o forte aumento da inflação. Como alguém pode afirmar que o Brasil está quebrado, diante de uma sangria gigantesca dos cofres públicos?

Pagar os títulos púbicos com altas taxas de juros continuou exigindo um severo “ajuste fiscal” (diminuição dos gastos públicos essências com aumento de impostos e contribuições sociais de forma concomitante) como forma de atingir o tão esperado superávit primário (poupança gerada através do ajuste fiscal para pagar os juros para o mercado financeiro), sem considerar o gasto com a dívida pública nesse cálculo, os quais o mercado financeiro tanto aguarda que se realizem e esse sistema se renove e perdure no processo de acumulação e reprodução do capital em detrimento das políticas sociais e de infraestrutura que terão seus orçamentos enxugados para atingir os objetivos do sistema da dívida pública em favor do mercado financeiro nacional e internacional do modelo neoliberal imperialista.

Vale ainda destacar a “Lei do Teto de Gastos Públicos” aprovada pela emenda constitucional n0 95, no final de 2016, logo após o golpe de Estado no Brasil, que tornou a contenção dos gastos públicos primários (gastos com a administração da máquina pública e as principais políticas sociais) ainda mais severos e sem considerar a despesa com a dívida pública. Esse processo que continua a se intensificar através de leis e decretos coaduna-se com o projeto neoliberal da crise estrutural do capitalismo ainda mais exacerbado pelos desdobramentos da crise econômica e financeira internacional de 2008 com epicentro nos EUA e ainda revelada e agravada pela pandemia da Covid-19 a partir do início de 2020 na maior parte do mundo e no Brasil em particular.

A mundialização financeira neoliberal após quase duas décadas de um processo intenso de desregulamentações e liberalizações do mercado financeiro a partir dos EUA e demais nações imperialistas chegou aos países dependentes como o Brasil de forma mais contundente após a Constituição de 1988 e a entrada de presidentes que comandaram a agenda neoliberal como Fernando Collor de Mello e principalmente Fernando Henrique Cardoso que seguiu a cartilha do FMI de agenda neoliberal como nenhum outro até então, mesmo se compararmos os governos do golpe de Estado entre 2016 e 2022.

Mas foi justamente um presidente que assumiu a vaga do cassado Fernando Collor em 1992 que implementou o plano econômico mais audacioso da história contemporânea brasileira. O presidente Itamar Franco era o vice de Collor quando assume o mais alto cargo do executivo devido à crise política que levou Collor a renunciar e depois ser cassado entre meados e o final de 1992. A partir de então ele monta uma equipe de economistas ligados em grande medida a PUC-RJ na ponte com a Escola Econômica de Chicago para elaborar o Plano Real que irá ser inaugurado em 1 de julho de 1994, tendo como ministro da Fazenda e candidato as eleições presidenciais do mesmo ano o professor e sociólogo Fernando Henrique Cardoso filiado ao PSDB. Essa passagem é importante porque representa o modelo de política econômica que será adotado no país desde então sob o guarda-chuva da economia política do imperialismo com sua estratégia neoliberal na ordem da globalização econômica e financeira.

O Plano Real encontrou as contingências ideais para disseminar a ideologia e as condutas do “livre mercado” através de uma roupagem de uma pseudo social-democracia somada a necessidade de controlar a hiperinflação que já havia iniciada uma trajetória de desgaste econômico e social desde o último governo militar em 1979 e também de aderir ao projeto de acesso a bens importados com a implementação da sobrevalorização cambial de total interesse ao imperialismo.

O Plano Real foi concebido para servir de alicerce para as políticas neoliberais de abertura comercial, privatização das empresas e demais instituições públicas, terceirização dos serviços públicos e principalmente a redução dos gastos públicos com objetivo de gerar uma espécie de “poupança” para pagar os encargos financeiros da dívida pública. Essas políticas econômicas combinadas como sobrevalorização cambial, controle monetário ortodoxo e redução da política fiscal pela via da redução de gastos públicos foram elaboradas e postas em prática a partir da estratégia do sistema da dívida pública concebida disfarçadamente pelos ditames do imperialismo produzido no seio do Plano Real com a anuência do banco BIS (Banco de Compensações Internacionais criado em 1930 como instituição chave da intermediação financeira internacional – considerado o banco central dos bancos centrais) e o FMI.

O processo de financeirização adquire um pilar institucional no Banco Central do Brasil, já que a administração das políticas econômicas brasileiras segundo as diretrizes do Plano Real estava a cargo dessa instituição e com poderes cada vez maiores até atingir um grau de independência aprovado pelo Congresso nacional e ratificado sob a presidência de Jair Bolsonaro na entrada de 2021.

Desde então, a política de taxas de juros exorbitantes praticadas pelo Banco Central através do seu Comitê de Política Monetária (COPOM) com o propósito de controlar a hiperinflação continua durante décadas impulsionando uma escalada estratosférica da dívida pública resultado dessa política monetária. Essa mesma política que exacerba a dívida pública que passa a ser explosiva ao longo do tempo é também responsável pelo enriquecimento dos banqueiros e rentistas, os maiores privilegiados ao receberem uma elevada remuneração pelos títulos públicos adquiridos ao longo do tempo. Com juros entre os maiores do mundo, a dívida cresce exponencialmente e os aplicadores do mercado financeiro nacional e estrangeiro estão entre os maiores beneficiados por essa política monetária do Banco Central lastreada pelo Plano Real.

Em compensação, essa mesma política que atende o interesse do mercado financeiro nacional e internacional, além de aumentar a dívida pública e torná-la explosiva a curto e médio prazo, carrega um componente perverso de redução dos recursos orçamentários que deveriam ser destinados às políticas públicas, sociais e de infraestrutura, já que esses recursos terminam por serem drenados pelo sistema financeiro no momento que o pagamento da dívida pública torna-se uma prioridade em relação a qualquer objetivo do Estado.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) aprovada e posta em prática no ano de 2000 durante a gestão do segundo mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) em plena crise aguda da economia brasileira sob a égide do receituário neoliberal do FMI em acordo com os encaminhamentos das políticas econômicas do Plano Real administradas pelo Banco Central do Brasil foi criada para servir de base legal para seguir os ordenamentos do mercado financeiro internacional. Os ditames do imperialismo na fase atual da economia brasileira estão muito presentes ainda no governo Lula 2024 através do setor financeiro global impondo a marcha do controle orçamentário a qualquer custo e essas amarras tendem a continuar interna e externamente como a forma mais brutal e reacionário do imperialismo.

Texto extraído do capítulo do livro A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITALISMO EM TEMPOS DE PANDEMIA: A FINANCEIRIZAÇÃO E A DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL de Marcelo Marcelino, Paulo Lindesay e Geraldo Horn do livro Mercantilização da educação pública no Paraná.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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