No artigo Quem tem medo das fake news?, publicado pelo jornal O Globo, o jurista Paulo Emílio Borges de Macedo, que atua como professor de Direito Internacional, se propõe a discutir a legitimidade de uma lei que combata as “fake news”. Corretamente, Macedo chega à conclusão de que não deveria existir tal lei, uma vez que o que é ou não mentira é algo completamente subjetivo. Diz ele:
“Mentir é um terrível defeito moral. Porém ter a pretensão de saber a verdade e querer tutelá-la é ainda pior.”
Apesar disso, Macedo erra quando considera que a lei, não fosse esse aspecto, seria constitucional. Paulo Macedo não é, portanto, contra a censura, mas apenas quando ela se baseia em critérios subjetivos. O que, obviamente, abre o caminho para que outras leis de censura sejam aprovadas.
Essa ideia do autor fica clara quando ele argumenta que:
“Até recentemente, o Direito brasileiro era contrário a toda forma de censura. E ainda parece ser, pois a Constituição proclama a liberdade de manifestação do pensamento, vedando apenas o anonimato. Em verdade, o anonimato não é a única limitação; proíbem-se também a injúria, a calúnia e a difamação, além de propaganda política nazista e do racismo.”
Em primeiro lugar, é preciso separar as coisas, pois Macedo não deixa claro como o Direito brasileiro funciona. A liberdade de expressão é um direito que está garantido pela Constituição, que é o código responsável por limitar os papéis do Estado – e, portanto, por proteger o cidadão perante a ele. A única vedação presente na Constituição é ao anonimato, algo que, apesar de que devesse ser retirado da lei, não consiste propriamente em uma limitação, uma vez que o objetivo da liberdade da expressão enquanto direito é impedir que alguém seja perseguido por suas ideias.
A injúria, a difamação e a calúnia, por sua vez, são termos que foram introduzidos pelo Código Penal, cujo objetivo é tipificar as infrações sociais. Não cabe ao Código Penal, portanto, limitar qualquer direito constitucional. E se houver alguma contradição entre a Constituição e o Código Penal, quem deve prevalecer, obviamente, é o primeiro.
A questão da “propaganda política nazista e do racismo” é ainda mais ridícula. Ambos foram introduzidos no Direito brasileiro após o Código Penal e após a Constituição. As leis que as tipificam, por estarem em contradição com a Constituição, sequer poderiam ter sido aprovadas.
Feitas essas ressalvas técnicas, passemos agora para a discussão mais de princípios. O autor afirma que:
“Essa legislação pressupõe uma distinção nítida entre as esferas pública e privada. Em casa e entre seus amigos, a pessoa poderia expressar qualquer tipo de ideia ou preferência que quisesse, mas, em público, não deveria fomentar discurso de ódio racista ou nazista, nem ofender as pessoas com palavras de baixo calão ou histórias inverídicas.”
Aqui há, novamente, uma distorção total do Direito brasileiro. Os crimes de difamação, injúria e calúnia não proíbem qualquer pessoa de falar palavras de baixo calão ou histórias inverídicas.
O problema, no entanto, vai além. Ao fazer uso de falsificações e amálgamas de diferentes códigos e leis, o autor estabelece que a liberdade de expressão tem, sim, limite – o que é absurdo. Nenhuma liberdade pode ter limite – do contrário, não é uma liberdade.
Se a liberdade de falar o que pensa fosse restrita a sua própria casa, então não se trata de uma liberdade de expressão, uma vez que a expressão é parte da vida social. Não existe expressão do banheiro de casa, a expressão é, por sua natureza, algo público. Assim como também não haveria porque estabelecer o direito à expressão se ele estiver restrito à própria casa – quem seria perseguido dentro de casa pelo que pensa?
A ideia de que haja qualquer limite à liberdade de expressão é o mesmo que comungar com a forma como a ditadura concebia a “liberdade de expressão”: tudo era permitido, desde que não contrariasse os interesses do regime.