Lançado no ano 2000, Dançando no Escuro (Dancing in the Dark) é uma obra-prima cinematográfica dirigida e roteirizada pelo cineasta dinamarquês Lars von Trier. Foi premiada com a Palma de Ouro no Festival de Cannes e recebeu outras dezenas de indicações e prêmios.
O cenário do enredo é uma pequena cidade norte-americana, onde as imigrantes europeias Selma (a cantora Björk) e Kathy (Catherine Deneuve) trabalham como operárias em uma fábrica. Selma é mãe solteira e vive com seu filho de 10 anos em uma casa alugada em uma propriedade rural.
Ela está perdendo a visão por causa de uma doença incurável e sua única preocupação é juntar dinheiro para uma cirurgia que pode salvar seu filho do mesmo destino. Ingênua, Selma conta ao seu locatário Bill seus planos e o homem tenta roubá-la. Apesar de quase cega, em uma luta corporal, ela consegue assassiná-lo. Ela é presa, julgada, difamada e acaba condenada à morte.
A escolha de Lars von Trier pelo imigrante operário é o grande trunfo do filme. Seu objetivo é fazer uma obra sobre os Estados Unidos do ponto de vista da classe trabalhadora. Os atores norte-americanos são todos personagens secundários.
O foco é Selma e como ela vive o que poderia ser chamado de sonho americano. Sua vida de mãe solteira é dura e, quando o pior acontece, vemos o sistema policial, jurídico e midiático do país massacrá-la. A condenação sumária é retratada como hipócrita. É o lado da classe dominante.
Como em seus outros filmes, Lars von Trier destaca-se pela forma. Dançando no Escuro, obviamente, escolhe um caminho completamente diferente da chamada narrativa hollywoodiana clássica.
Para entendermos Selma, ele inclui vários números musicais, daí a escolha Björk. São momentos oníricos, que revelam os sonhos de beleza e de felicidade da personagem.
Esses números musicais servem também para que Lars von Trier subverta esse gênero cinematográfico, tipicamente estadunidense. Eles estão associados à imaginação de Selma e ocorrem para ilustrar sua forma de enfrentar uma realidade extremamente acachapante. Sua voz está no seu canto.
Ao mesmo tempo, o uso da cegueira é uma metáfora de um cinema escapista, desvinculado da materialidade histórica. O final trágico da protagonista é uma das cenas mais tocantes que já vi no cinema. Vai muito além da mera condenação à pena de morte.
Trata-se principalmente de mostrar o conflito inevitável entre um cinema de entretenimento com final feliz e enredo ameno feito para alienar a classe trabalhadora e a representação dessa mesma classe social em uma chave em que a tragédia é o único final possível.
Nesse sentido, visa principalmente uma discussão sobre a arte e a forma da representação do ponto de vista do explorado e não do explorador.
Ao usar os clichês do gênero, o diretor obtém um resultado que é político em essência. O final de Selma é o que uma sociedade reacionária sob o capitalismo pode oferecer para os mais frágeis dentro desse sistema.