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Direitos democráticos

Crime hediondo: medida para acabar com o devido processo legal

Desde que a lei dos crimes hediondos foi criada, mais e mais crimes foram tornados hediondos. O crime, contudo, não diminui, apenas mais trabalhadores foram jogados na cadeia

Hediondo é um adjetivo que significa repulsivo, algo que causa horror, que causa indignação. Quando o Estado cria uma lei para caracterizar crimes como sendo hediondos, está dizendo que existem crimes mais graves que outros. E que, por estes crimes serem mais graves, mais “repulsivos”, está justificada a retirada de direitos do cidadão que cometeu o crime.

É para isto que serve caracterizar um crime como “hediondo”.

Recentemente, o presidente Lula sancionou a Lei nº 14.811/2024, que torna crime o bullying e o cyberbullying. Na mesma lei, foram tornados hediondos os três seguintes crimes:

  • Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real (art. 122, caput e § 4º);
  • Sequestro e cárcere privado cometido contra menor de 18 (dezoito) anos (art. 148, § 1º, inciso IV);
  • Tráfico de pessoas cometido contra criança ou adolescente (art. 149-A, caput, incisos I a V, e § 1º, inciso II).

Em que pese sejam condutas extremamente graves, caracterizar esses crimes como hediondos (ou quaisquer outros crimes) não é algo que deva ser comemorado. Afinal, é um endurecimento do sistema penal brasileiro.

Esse sistema penal, como se sabe, é composto pelo sistema penitenciário (cadeias e carcereiros), pelas polícias (militares, civis e federal), pelo Ministério Público e pelo poder Judiciário (juízes). Isto é, o aparato repressivo do Estado burguês.

A origem do “crime hediondo” no Brasil remonta à própria Constituição Federal de 1988. O termo já estava previsto no art. 5º, inciso XLIII.

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Curiosamente, o artigo 5º da Constituição lista os direitos fundamentais da população. Então, a possibilidade de ser processado por crime hediondo, isto é, perdendo direito a fiança e a graça ou anistia, seria um direito fundamental. Uma demonstração que a CF/88 não é democrática.

Prosseguindo, como pode ser visto, o inciso XLIII apenas mencionava que a “lei” iria definir “crimes hediondos”.

Esta lei foi criada no ano de 1990, no governo de ninguém menos que Fernando Collor de Mello, o mesmo que roubou a poupança dos trabalhadores brasileiros. Foi a lei nº 8.072/1990.

Logo de início, a lei já previu que todos aqueles que cometessem crimes hediondos seriam privados de inúmeros direitos. Por exemplo, quem comete crime hediondo não pode:

  • Ser liberado através de fiança;
  • Receber anistia (significa que um crime que foi praticado não pode ser punido e que a condenação por esse crime não pode ser aplicada – por exemplo, o “crime” de luta armada contra uma ditadura);
  • Receber graça (isto é, quando um condenado tem sua pena perdoada);
  • Beneficiado com indulto (é também um perdão da pena, geralmente ocorrendo de forma coletiva).

Além disto, essa lei determinava já que a pena seria cumprida integralmente em regime fechado, salvo a exceção do livramento condicional. Contudo, os requisitos estabelecidos para a condicional foram mais rígidos do que os que existiam no Código Penal à época. O condenado tinha que cumprir dois terços da pena. E só teria direito ao benefício se não fosse reincidente.

Resumidamente, conforme já afirmado, caracterizar um crime como hediondo serve apenas para retirar direitos da pessoa que foi condenada.

Como se sabe, no Brasil (e no mundo, em geral), a burguesia, os ricos, os políticos burgueses e a alta burocracia estatal raramente são condenados por crimes hediondos. E, quando o são, não são privados de seus direitos democráticos, como determina a lei, raramente são presos. Quando o são, não demora muito para se livrarem do cárcere. Afinal, têm dinheiro para pagarem os melhores advogados e comprarem juízes e promotores.

Já o pobre, o povo trabalhador, se este for acusado de um crime, é bem provável que seja condenado. E, se for condenado, é quase certo que será preso e passará muitos anos trancafiado nas sucursais do inferno que são as prisões brasileiras. Transformar os crimes em hediondos, então, só serve para garantir que mais trabalhadores sejam presos. E não apenas isto: serve para que apodreçam na cadeia.

Neste sentido, desde que a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990) foi criada, a repressão da burguesia contra o povo brasileiro só se aprofundou. Vários crimes que já existiam foram transformados em hediondos. Crimes que sequer existiam foram criados já como hediondos.

Para exemplificar, de início, a Lei nº 8.072/1990 dispunha que os seguintes crimes seriam hediondos:

Art. 1º São considerados hediondos os crimes de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine), extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º), extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º), estupro (art. 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único), atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único), epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º), envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte (art. 270, combinado com o art. 285), todos do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e de genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956), tentados ou consumados.

Sim, uma enorme quantidade. Destaque para o “todos do Código Penal”. Não era uma coincidência, afinal, o presidente do país era Fernando Collor de Mello, uma figura política de certa forma semelhante a Jair Bolsonaro, mas que tinha a tarefa de lidar com um movimento operário que estava mais fortalecido que atualmente.

Contudo, ao longo dos anos, novos crimes foram sendo adicionados à Lei nº 8.072/1990. A primeira alteração na lei veio em 1994, com a Lei nº 8.930/1994.

Referida norma tornou hediondos os crimes de homicídio qualificado e latrocínio. À época, havia sido assassinada a atriz Daniella Perez, filha da novelista Glória Perez. Como é de praxe, a burguesia utilizou-se de acontecimento bárbaro que gerou grande comoção para fomentar uma campanha de histeria em meio à sociedade, propagandeando a necessidade de mais leis repressivas. Com isso, o terreno foi criado para o Congresso Nacional criar novos crimes hediondos. Ao fim, tornar homicídio qualificado e latrocínio crime hediondo só serviu para esmagar o povo pobre e trabalhador.

Em 1998, novo crime hediondo: falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Não coincidentemente, era o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Em 29 de maio de 2000, a Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (BioAmazônia) – braço operacional do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Probem) do Ministério da Ciência e Tecnologia – assinou um acordo com a Novartis Pharma AG para que este, o monopólio farmacêutico do imperialismo suíço, tivesse exclusividade, até o ano de 2010, na prospecção e comercialização de drogas e produtos farmacêuticos oriundos de microrganismos e plantas da Amazônia Legal, segundo publicado à época da Revista Pesquisa. Eventualmente, o acordo foi anulado, mas é um exemplo de que a tipificação de um crime hediondo serve também aos interesses do imperialismo.

Veio, então, o ano de 2003 e a lei antidemocrática do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003). O estatuto foi criado em seu primeiro governo, e serviu para desarmar mais ainda os trabalhadores perante o Estado burguês brasileiro (que já é uma máquina de guerra contra o povo, tamanha a capacidade bélica das polícias militares, civis e federal – que dirá o Exército).

Pois bem, esta política do desarmamento inevitavelmente se voltaria contra os trabalhadores. Veio então o ano de 2019, quando, durante o mandato de Jair Bolsonaro (que se diz defensor do armamento da população), foi aprovada a Lei nº 13.964/2019. Essa lei transformou em hediondo vários dos crimes previstos no Estatuto do Desarmamento, inclusive a mera posse ou porte de arma de fogo:

II – o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

É importante relembrar que o direito ao armamento é um direito democrático fundamental do povo, conquistando na era das revoluções burguesas, após séculos de luta contra o feudalismo e as monarquias absolutas.

Vale ressaltar que a mesma Lei nº 13.964/2019, também previu o seguinte crime como sendo hediondo:

V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.

Bom, atualmente, com os crimes contra o “Estado Democrático de Direito”, previstos no Título XII do Código Penal, não irá demorar para que partidos políticos e organizações de esquerda sejam consideradas organizações criminosas. Da mesma forma, não será difícil para promotores emplacarem uma acusação de crime hediondo contra manifestantes e organizações. Basta que, em uma manifestação, algum manifestante exaltado cometa alguma lesão corporal grave contra algum policial e pronto, haverá o crime hediondo. Afinal, veja o seguinte dispositivo da Lei de Crime Hediondos:

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;                 (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015)

Daí para um juiz condenar toda uma organização ou mesmo um partido e suas lideranças, é apenas um passo.

Por fim, mas não menos importante, é fundamental informar que existem aqueles crimes que não são exatamente hediondos, mas são equiparados aos hediondos. Ou seja, são hediondos. Estamos falando do tráfico de drogas, da tortura e do terrorismo.

Sobre a tortura: nenhum policial que tortura um morador da favela será preso por crime hediondo. Isto vale para qualquer agente do aparato repressivo ou militar que torturar o trabalhador ou alguém do povo.

Quanto ao tráfico de drogas, trata-se de um crime moral. Equipará-lo a hediondo é retirar mais direitos daqueles que, por algum motivo, comercializam substâncias ilegais. Qual a finalidade disto senão reprimir ainda mais a população pobre, trancafiando-a na prisão? Deve ser sempre reiterado que a proibição das drogas não só não serve para diminuir seu uso, como é responsável por criar o tráfico e torná-lo um negócio capitalista ao qual é necessário um nível extremo de violência para sua manutenção. Vale lembrar que o álcool era proibido nos Estados Unidos na década de 20, e foi a proibição que deu origem ao “crime organizado” daquela época, cujo principal expoente foi Al Capone.

Por fim, algumas palavras sobre equiparar o crime de terrorismo a hediondo. Primeiramente, terrorismo sequer deveria ser crime, pois terrorismo, como regra, é uma forma de luta dos oprimidos contra os opressores.

A fim de exemplificar, basta ver como o Hamas é considerado terrorista pelo imperialismo, enquanto que “Israel”, que já matou cerca de 25 mil pessoas em Gaza nos últimos três meses, é considerado a única democracia do Oriente Médio. Dilma Rousseff, por lutar contra a ditadura militar fascista, também foi considerada terrorista. A resistência francesa, por lutar contra os nazistas, também foi considerada terrorista por Adolf Hitler.

Por meio destes exemplos, é possível chegar à conclusão de que terrorismo jamais deveria ser considerado crime. A esquerda defender isso, consequentemente, é um suicídio político.

Em segundo lugar, tipificar terrorismo como crime hediondo é ainda pior, pois sendo hediondo, todos os terroristas terão menos direitos, quando deveria ser o contrário, já que crimes de natureza política deveriam ter suas penas atenuadas, e não agravadas.

Com isto, é possível ver que transformar um crime em hediondo serve apenas para tornar o regime político mais ditatorial, aumentando o esmagamento do aparato de repressão, em especial do sistema prisional, contra os trabalhadores.

Assim, na medida em que o governo Lula mantém-se firme adotando a política de “segurança pública” da burguesia, inclusive a intensificando através da criação de novos crimes hediondos, mais a burguesia vai conseguindo fechar o regime político, transformando o Brasil, progressivamente, em uma ditadura aberta.

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