A Bolívia está novamente imersa em uma onda de mobilizações populares que colocam em xeque o governo do presidente Luis Arce. O movimento, liderado por camponeses do departamento (estado) de La Paz, exige a renúncia imediata do presidente e de seu vice, David Choquehuanca, e promete manter bloqueios de estradas até que suas demandas sejam atendidas. Esses setores sociais, organizados pela Federación Departamental Única de Trabajadores Campesinos de La Paz “Túpac Katari”, já começaram a bloquear vias importantes, como a estrada que leva a Copacabana, em uma ação que pode se espalhar por todo o país.
Essas mobilizações estão longe de ser apenas uma manifestação econômica, como apontam seus líderes. Por trás delas, há uma luta política profunda contra o que vem sendo caracterizado como um golpe de Estado dentro do próprio governo. Arce, embora eleito com apoio de Evo Morales, traiu seu antigo mentor e agora empreende esforços para afastar Morales de qualquer chance de voltar à presidência, valendo-se da burocracia judicial para isso.
A tensão interna no Movimento ao Socialismo (MAS) é notável, e as primárias marcadas para dezembro, devem indicar a capacidade do nacionalismo boliviano para resisitr às investidas golpistas. Em um país com a história recente marcada por golpes patrocinados pelo imperialismo, como o que depôs Morales em 2019, fica difícil ignorar os sinais de que há um novo golpe em curso.
Desta vez, o golpe não vem pelas mãos dos militares diretamente, mas sim pela mão de um burocrata com controle sobre uma parte do aparelho partidário do Movimento ao Socialismo (MAS) e que se esforça para desestabilizar a principal liderança popular do país. Para isso, conta com o apoio do imperialismo norte-americano, que, mergulhado em uma crise mortal, colocou em marcha um plano de desestabilizações de governos populares em todo o mundo, com especial atenção à América Latina, de modo a assegurar sua influência sobre as economias e políticas locais.
Luis Arce, apesar de ter sido um ministro importante no governo Morales, não possui o lastro social do homem que o levou ao Palácio Quemado (sede do governo boliviano).
Enquanto Morales é um líder sindical com raízes profundas no campesinato, na classe trabalhadora e nas classes populares em geral, o atual mandatário representa o típico burocrata perfeitamente capaz de se corromper sem causar maiores crises em seus círculos. A proposta de referendo para acabar com a reeleição presidencial, claramente direcionada para impedir uma nova candidatura de Morales, é apenas a ponta do iceberg de uma operação mais ampla de desmantelamento do MAS e da neutralização de qualquer resistência popular.
A ruptura entre Morales e Arce não é inédita na história recente da América Latina, que teve o caso notório de Lenín Moreno, no Equador. Após ser eleito com o apoio do correísmo, Moreno traiu seus mentores e dedicou-se a servir os interesses imperialistas com muita fidelidade e nenhum escrúpulo.
Luis Arce segue a mesma cartilha, e sua tentativa de impedir a volta de Morales ao poder é mais uma peça do quebra-cabeça da ofensiva imperialista na região. A propaganda do atual mandatário boliviano, de que neutralizou uma tentativa de golpe em junho deste ano, é, na verdade, um disfarce para o verdadeiro autogolpe em andamento.
Ao acusar setores próximos de Morales de conspirarem contra seu governo, Arce cria um clima de instabilidade que justifica suas ações autoritárias, a perseguição política por meio do judiciário e o afastamento de opositores.
Morales, por sua vez, denunciou a manobra como um autogolpe, apontando que Arce está usando a máquina estatal para consolidar seu poder e eliminar qualquer concorrência dentro do MAS. A acusação contra Choquehuanca, o vice-presidente e ex-chanceler de Morales, de liderar uma campanha contra o ex-presidente desde 2022, apenas reforça a tese de que há um complô em curso para desestabilizar o líder popular.
É fundamental analisar o caso boliviano em um panorama maior. A América Latina, historicamente tratada como o quintal do imperialismo norte-americano, está sendo alvo de uma nova onda golpista. Em toda a região, o imperialismo busca neutralizar qualquer governo ou movimento que se oponha à sua dominação.
As crises políticas e econômicas nas nações latino-americanas são exacerbadas pela pressão externa, que utiliza as fraquezas internas para desestabilizar governos e instalar líderes submissos a seus interesses. O caso boliviano é mais um exemplo dessa estratégia. A ascensão de um tecnocrata como Arce, que se mostrou disposto a trair seu mentor e alinhar-se com o imperialismo, é parte desse plano.
Essa ofensiva contra Morales e outros líderes populares reflete a profundidade da crise mundial. A incapacidade dos regimes imperialistas de resolver as crises no Leste Europeu com a Rússia, no sudeste asiático com a China e em especial no Oriente Médio, onde a campanha de libertação da Palestina ameaça causar mais um duro golpe político, porém dessa vez também econômico, o que leva o imperialismo a intensificar o controle sobre suas zonas de influência, especialmente na América Latina, uma região extremamente rica em recursos naturais e estratégica para o mercado mundial.
A Bolívia, com suas enormes reservas de lítio, se torna um alvo privilegiado nessa disputa, e o imperialismo não medirá esforços para manter o controle sobre o país, mesmo que isso signifique apoiar golpes disfarçados de transições democráticas. Ao final, é inevitável relacionar essa situação com o Brasil, a nação mais desenvolvida entre as atrasadas e o principal país na zona de influência direta dos EUA.
A crise boliviana serve de alerta para o Brasil, que também está na mira dos golpistas na Casa Branca (sede do governo norte-americano). Os recentes movimentos dentro do governo norte-americano, especialmente sob o Partido Democrata, demonstram que a política de golpes e intervenções não será abrandada, pelo contrário.
Assim como na Bolívia, o golpe contra Morales está sendo orquestrado nos bastidores por forças externas, que desejam evitar o retorno de lideranças populares ao poder. A luta dos camponeses e trabalhadores bolivianos contra Arce e Choquehuanca é, portanto, uma luta contra o imperialismo e suas marionetes.
Essa batalha é crucial não apenas para o futuro da Bolívia, mas para toda a América Latina, que segue sob a ameaça constante de intervenções e golpes tramados pelo imperialismo. A resistência popular será o único caminho para enfrentar essa ofensiva e garantir a soberania dos povos latino-americanos.