Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

As invasões de Abril

"O ataque à embaixada mexicana no Equador para deter Jorge Glas é um exemplo claro dessas novas formas de controle e repressão que estão surgindo"

A violenta invasão da polícia equatoriana à embaixada mexicana em Quito, na noite de 6 de abril, para sequestrar o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas mostra, ao mesmo tempo, uma mudança no imperialismo em termos gerais e em particular para a America Latina. A invasão se une diretamente ao bombardeio da Embaixada do Irã na Síria pelo governo fascista de Israel. Estes atos mostram que os objetivos do imperialismo ultrapassam qualquer barreira legal, até mesmo a preservação das embaixadas como território intocável. Na verdade, isto já era sabido, pois as ações do imperialismo são quase sempre voltadas para derrubar os governos considerados inimigos e, portanto, não respeitam as regras formais da democracia burguesa ou das democracias populares. Mas desta vez trata-se de um princípio básico da convivência entre os países que até agora era respeitado, pelo menos oficialmente, pelo imperialismo. 

Por outro lado, as duas ações tem um alvo, seja prender um político supostamente corrupto, ou atacar a representação diplomática do inimigo em outro país. Mas ambas as ações procuram passar uma mensagem política de alta relevância para os objetivos estratégicos de cada um deles. 

No caso de Israel, trata-se de mostrar de forma clara a vinculação dos guardas revolucionários islâmicos do Irã com a Síria e que eles estariam ali planejando e articulando ações contra Israel disfarçados de resistência síria. Já no caso do Equador, o governo esgrime um discurso anticorrupção típico do desenvolvido pelo Departamento de Justiça norte-americano na época da Lava Jato, ou o divulgado recentemente pela Anistia Internacional sobre o governo Lula e o STF. Trata-se da utilização do judiciário e do aparato legal do estado contra os inimigos políticos , com o pretexto de combater a corrupção. É interessante notar que o discurso adotado pelo governo equatoriano tem um caráter de afirmação de uma ordem legal anticorrupção e a caracterização do ex-vice-presidente Jorge Glas como criminoso comum, que não deveria ter a proteção do asilo político. A mensagem subjacente é que não pode haver qualquer limite ao pretenso combate à corrupção. Sabe-se que Jorge Glas foi preso pelo Governo Lenin Moreno antes de ter qualquer acusação firmada contra ele e que as acusações posteriormente estabelecidas são todas sem provas e sem um processo jurídico normal. Não é à toa que Jorge Glas foi imediatamente levado para uma prisão de segurança máxima e lá se encontra incomunicável e sem direito à defesa. 

Esse total desprezo às leis e instituições burguesas pela política do imperialismo também já se revelou no apoio irrestrito dado ao golpe de Estado no Peru, que fez acusações semelhantes a Pedro Castillo, e o mantém preso por penas de 20 anos, sem um julgamento publico e com direito a defesa. Isso sem falar na violenta repressão da ditadura de Dina Boluarte que já matou um número incalculável de opositores ao regime. E a violência como modus operandi caracteriza o governo fascista de Milei, que demonstra um total desprezo às instituições e legislação burguesa para implantar seu programa de governo, que declara guerra aos trabalhadores e ao povo argentino em geral. 

A reação às invasões

Diante da ação ilegal de Israel, nenhuma reação aconteceu à altura do evento. Seria o caso de se estabelecer as famosas sanções, rompimento de relações diplomáticas em massa em ternos mundiais e exigência de que Israel pedisse desculpas pelo que fez e reconstruísse a embaixada. Nada disso aconteceu. Além disso, Estados Unidos, Reino Unido e França se opuseram a um projeto de declaração da Rússia no Conselho de Segurança da ONU que teria condenado um ataque contra o complexo da embaixada do Irã na Síria, pelo qual o governo iraniano culpou Israel, aliado dos EUA. 

No caso do ataque à embaixada do México pelo Governo do Equador, a Venezuela se destacou por sua contundência ao emitir um comunicado por meio de seu Ministério das Relações Exteriores, no qual o governo de Nicolás Maduro denunciou a captura “ilegal” de Jorge Glas, que havia recebido asilo devido à perseguição política. Por sua vez, a Nicarágua seguiu o exemplo do México ao romper relações diplomáticas com o Equador, chamando a ação de Quito de “incomum e reprovável” e anunciando sua decisão soberana de encerrar todas as relações diplomáticas com o governo equatoriano.

Da mesma forma, outros nove países, incluindo Brasil, Colômbia, Cuba, Bolívia e Honduras, expressaram firme rejeição aos acontecimentos. A presidente de Honduras, Xiomara Castro, que também é presidente pro-tempore da Celac, convocou uma reunião urgente do bloco regional após o incidente e solicitou a intervenção dos chanceleres. O presidente colombiano, Gustavo Petro, anunciou a promoção de ações para que a CIDH da OEA emita medidas cautelares em favor de Jorge Glas.

Até mesmo o governo de Javier Milei, na Argentina, condenou o ataque à embaixada mexicana em Quito, enfatizando a importância da plena observância das disposições da Convenção sobre Asilo Diplomático de 1954 e da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Os países da Comunidade do Caribe expressaram sua preocupação em um comunicado oficial sobre as violações cometidas pelo Equador. Note-se que todos os países da região reagiram a este evento, exceto o governo de Nayib Bukele de El Salvador.

Apesar de não estar geograficamente dentro da região, é relevante destacar a declaração emitida pela República Islâmica do Irã, particularmente no contexto de um recente ataque de Israel ao seu consulado na Síria, que resultou na morte de sete pessoas, incluindo altos comandantes militares do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC). O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, Naser Kanani, expressou a preocupação de seu país e ressaltou a importância de respeitar e garantir a segurança do pessoal e da sede das missões diplomáticas e consulares.

A Convenção de Viena

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas é um tratado internacional que estabelece as normas e regras que regem as relações diplomáticas entre os Estados. Foi adotado em 1961 e é considerado a principal fonte de direito internacional nesta área. O ataque a uma embaixada é considerado uma grave violação da Convenção de Viena, uma vez que as embaixadas são consideradas território extraterritorial do Estado que representam e gozam de imunidade diplomática. Os Estados receptores têm, portanto, a obrigação de não invocar regras de direito interno para justificar buscas, invasões e outras violações de obrigações internacionais. Portanto, a argumentação do governo do Equador em favor das acusações de corrupção ao ex-vice-presidente equatoriano como razão para efetuar a invasão é totalmente inválida.

Nos últimos anos, houve outras violações desses princípios. Em abril de 2019, o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, foi preso na embaixada do Equador em Londres, encerrando quase sete anos de asilo diplomático no país. O então presidente equatoriano Lenín Moreno anulou o asilo concedido anteriormente Assange, que então foi preso pela polícia britânica. 

Da mesma forma, naquele mesmo ano, a embaixada da Venezuela em Washington, D.C., foi sitiada por semanas por um grupo de opositores simpáticos ao autoproclamado “presidente interino” Juan Guaidó. Esses indivíduos assumiram ilegalmente o controle da embaixada depois de invadir a embaixada com o apoio das autoridades americanas.

Porque o Imperialismo desrespeita as regulações internacionais

Há atualmente na América Latina uma série de governos de extrema direita, como os de Equador, El Salvador e Milei. A doutrina do “inimigo interno”, historicamente usada para justificar a perseguição a povos inteiros, é agora atualizada sob uma nova roupagem. Influenciados pelos Estados Unidos e por Israel, esses governos de direita contam com operações policiais e militares repressivas que lembram os tempos das ditaduras latino-americanas das décadas de 70 e 80. 

No Equador, na esteira combate à criminalidade e ao narcotráfico, o presidente Daniel Noboa declarou um “conflito armado interno” que levou a uma crescente militarização da sociedade e a um papel dominante das Forças Armadas sobre a Polícia Nacional. Desde o início da crise, quando bandos armados realizaram operações que assustaram a população, os Estados Unidos se ofereceram a ajudar no combate à criminalidade e foram muito bem recebidos pelo Governo equatoriano. Essa situação, a repressão militar e o populismo penal acabam criminalizando grupos empobrecidos e racializados, o que pode se tornar uma estratégia para reprimir protestos populares e resistências territoriais.

O ataque à embaixada mexicana no Equador para deter Jorge Glas é um exemplo claro dessas novas formas de controle e repressão que estão surgindo em alguns países latino-americanos, com o agravante das violações do direito internacional. Ao mesmo tempo, vemos Israel cometer crimes ainda mais graves em sua tentativa de consolidar a ocupação ilegal da Palestina, com o apoio do Ocidente. Portanto, os governos da América Latina e do Caribe não devem esperar que essas violações aumentem para tomar medidas decisivas para impedir a Israelização da região.

As opções da América Latina

O mais trágico para a região é que, apesar de ter instituições e mecanismos de integração para enfrentar uma crise tão delicada como a que se avizinha, como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), está de mãos atadas e com uma espécie de paralisia que dificulta sua atuação. Certamente, nada vai acontecer.

Parte desse imobilismo se deve à falta de agilidade da Celac, que depende da estrutura diplomática de cada país e principalmente da presidência rotativa hoje dirigida por Xiomara Castro, de Honduras, para tomar as decisões. O problema maior, no entanto, é a inexistência de uma consciência geopolítica comum para enfrentar a enorme pressão política, econômica e militar desenvolvida pelos EUA que busca o alinhamento completo e automático da região à sua politica externa. 

A ofensiva desencadeada pelos Estados Unidos a partir do fracasso de obter unidade da região a favor da política do país em relação à guerra da Ucrânia resultou até agora nos compromissos militares firmados pelo Comando sul na Guiana, Equador e Argentina. Mas essa ofensiva não vai se limitar a esses países e visa impedir que a integração da América Latina avance e principalmente que seja desafiada qualquer iniciativa no sentido de fortalecer a soberania nacional de cada país. 

O Brasil, como um dos mais importantes países da região, tem um importante papel a desempenhar na integração da América Latina e na ampliação da participação de países da região nos Brics. Trata-se de buscar uma independência em relação aos Estados Unidos, cuja política visa um novo massacre da população pelo ultraliberalismo como o que Milei está tentando implantar na Argentina.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.