Entrevista

A sociedade libanesa e o Hesbolá, parte 2

Aqui, está disponível a continuação da entrevista com Assad Frangieh sobre o que é o Hesbolá e sobre como funciona a organização social libanesa

Neste artigo, vamos dar continuidade à entrevista realizada por este Diário com Assad Frangieh. A primeira parte da entrevista com o importante membro da comunidade libanesa no Brasil está disponível abaixo:

A sociedade libanesa e o Hesbolá

O tema abordado nesta parte da entrevista foi a organização social do Líbano: como funcionam as instituições financeira, como é a direção política do país, qual o papel do Hesbolá nessa estrutura e como ele surgiu. Confira:

O Líbano tem muitos sindicatos, tem sindicatos em quase tudo, e cada sindicato mistura um pouco de sectarismo com a realidade daquela região. Então, quando você fala no grupo Hesbolá, que começou em 1982, na época era um pequeno grupo. Você tinha a invasão de Israel, e ele se organizou com os grupos esquerdistas do Líbano, com o partido progressista, a minha família também fazia parte. Então, você tinha bastante gente que lutava contra os EUA e contra a invasão de Israel.

E, no Líbano, Israel instalou o grande partido que existe hoje, que são as Forças Libanesas e os falangistas, que tinha um ideal cristão, ultrarradical e de ultradireita. Então, o Hesbolá surgiu como um movimento religioso para unir os seus dentro de um movimento grande, não começou sozinho. Esse apoio era feito pela Síria, que, nessa época, tinha começado a ser apoiada pelo Irã – que fez sua revolução em 1980.

O Hesbolá foi crescendo, a guerra de 2000 teve um fim por conta do Acordo de Taife e a saída de Israel foram fatos que fizeram com que o Hesbolá se tornasse uma organização independente. Só que o Hesbolá segue a mesma hierarquia do Irã – a república islâmica, com presidente, primeiro-ministro, ministros, igualzinho a um país comum, igual à democracia europeia. [No Irã] existe o Conselho da Revolução, que é como se fosse o STF deles, que se limita às macrodecisões. Então, o Conselho da Revolução é diferente da República Islâmica, que administra o país de maneira democrática, com eleições a cada 4 anos etc. Agora, para fazer parte do Supremo Tribunal, você tem que entrar nas escolas, provar conhecimento, você não chega lá por ser amigo de um Alexandre de Moraes. Mas isso não tem nada a ver com a República: eles são defensores de uma reforma religiosa que acabou com uma monarquia de 5.000 anos.

E, no Líbano, é a mesma coisa. Você tem a parte religiosa, xiita, e você tem a organização Hesbolá, que é dividida numa ala política e numa ala militar – que lutou contra Israel, conseguiu expulsá-los, e é extremamente pragmática, no modelo iraniano. O que quer dizer o modelo iraniano? [Quer dizer que] nós fabricamos tudo, vamos fazer nossas armas, vamos ter autonomia, e quando precisar de dinheiro, vamos pedir. Então, os xiitas no Líbano tem uma parte que é ligada ao Hesbolá; e o Hesbolá criou organizações sociais, escola para filho de viúvas, para recuperação de deficientes, para estudo de religião, ele tem universidades que ensinam matemática. A maioria das universidades libanesas é de xiitas, então eles estão em todas as universidades do Líbano, e não estão ali para ganhar postos.

A maioria dos xiitas que estão no governo do Líbano são membros de um movimento chamado AMAL, que é do Nabih Berri, que também é presidente do parlamento. Então, os xiitas têm um grupo organizacional, que é o Hesbolá, apoiado por 100% dos xiitas, e um grupo partidário que participa do governo nessa visão sectarista, que é o AMAL.

Mas esses dois grupos, sendo xiitas e sendo minoria, os caras são unha e carne. Então, não dá para separar eles, não dá para entender apenas como uma manifestação política-militar. Eles têm de ser entendidos como uma manifestação social, vou dar um exemplo: na religião muçulmana, é proibido ter banco, de acordo com o conceito islâmico do Alcorão. Então, como funcionam os bancos islâmicos? Quando você quer pegar um crédito ou depositar, você vira um sócio do banco – diferentemente daqui, em que você é um conta-correntista. Então, nos bancos islâmicos, você tem outras regras de aplicação de juros. E o único banco 100% islâmico é o banco do Hesbolá no Líbano, chamado de Crédito Beneficente. Ele não é ligado ao banco, mas você pode deixar seu dinheiro correr lá para os juros serem investidos em alguém da comunidade, funcionando como uma poupança.

É uma organização muito conservadora vivendo em um mundo capitalista. Se você tiver um socialismo bem aplicado, ele está no Islã do Hesbolá. E o que isso traz? Confiança cega. Então as pessoas ou gostam, ou odeiam, não tem meio-termo, porque eles fazem um trabalho sério, têm organizações, têm escolas. Eles nunca fizeram um ato terrorista contra os EUA, nunca atacaram a população civil israelense, sempre atacaram alvos militares americanos, franceses etc. Então, os EUA não têm uma acusação de terrorismo contra eles, apesar de que sempre tentam colocar [essa pecha] neles. Não é a forma de eles trabalharem. O Irã não é árabe, eles são pragmáticos. Então, se os EUA fossem gostar de um inimigo seu, teriam que gostar do Irã, porque os dois são pragmáticos. E o Hesbolá trouxe essa linha para o Líbano. E foi assim que o Hamas, que não é xiita, que é sunita, aderiu a essa posição [por conta do pragmatismo], acabando com aquela rixa xiita contra sunita.

Na prática, essas organizações são um ‘mini-Estado’. O Hesbolá é forte, porque ninguém da política se mete na organização, eles são muito organizados. Dentro do Líbano, quem luta [politicamente] contra os cristãos é o AMAL. O Hesbolá não faz isso, porque é uma organização voltada para combater Israel.

Agora, estão entrando os 40 anos do Hesbolá, desde 1982. Para eles, o histórico pesa muito, porque você pega a partilha do Líbano e ela vai mudando – antes era a favor de Israel, agora é contra, antes era a favor da Síria, depois contra. São pouquíssimos partidários do Líbano que mantêm a mesma linha há anos e anos. O Hesbolá é um fenômeno social, matar um líder ou dois não vai acabar com a organização. Igual ao Hamas e a Jiade, que copiaram do Irã – que formou o Hesbolá –, por isso que você entende muito rápido como o Hamas conseguiu por si só fazer tudo isso. Porque eles se planejaram durante anos para chegar a essa organização; ontem morreu o vice-líder do Hamas, o que mudou? Nada. Você consegue matar um líder, mas não muda nada, depois do funeral vão indicar outro líder. “Ah, mas o líder não vai ser igual ao outro?” Mas pode ser pior [para Israel], como aconteceu antes do Nasseralá. O próprio Nasseralá cornetou: “quando eu morrer, vai vir outro, muito melhor que eu, porque vai ter sido formado por tudo que eu já fiz”.

Enquanto você estava tendo a decadência da instituição chamada Estado de Israel, com todas as crises, você estava tendo uma ascensão dos recursos humanos palestinos. Hoje, ninguém fala que não pode existir povo palestino, mas um dia antes da operação, eles seguiam tentando expulsar os palestinos sem eles perceberem. E você pode falar em algo que ninguém ousava falar: em fim da existência do Estado de Israel, do movimento sionista, do apartheid.

Então, ninguém está dizendo que vai jogar Israel no mar – um ou outro líder podem cair fora, mas porque são sionistas. Quando derrotaram o nazismo, não acabaram com a Alemanha. A diferença é que os nazistas eram filhos da Alemanha, diferentemente de Israel, que são imigrantes, não são filhos daquela terra, tanto que 50% da população tem duplo passaporte, não são daquela terra. E se chegar um israelense, dizendo que quer ir para os EUA, eles têm coragem de dizer não? Então 100% da população de Israel tem passaporte estrangeiro.

O sionismo é mais antigo que o nazismo, nasceu na Hungria e é o pai do apartheid étnico e do apartheid de poderes. É nada mais que o colonialista, que a divisão entre raça negra e branca. Quem foi combater o sionismo foi o comunismo, com uma ideologia para confrontar o sionismo, que já estava nascido.

E como vai acabar a guerra em Gaza? Ou o sionismo acaba, ou o povo palestino acaba. E o povo palestino não vai acabar, você tem dois milhões de palestinos, como você vai fazer a limpeza étnica? Na hora H, os países árabes que estavam normalizando as relações com Israel sucumbiram à pressão.

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