A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, 1951) é um filme do lendário diretor Billy Wilder, realizado de maneira primorosa durante o macarthismo nos Estados Unidos.
Nascido na Alemanha, Wilder pertence à geração de cineastas que, como Fritz Lang, imigrou para os Estados Unidos quando o nazismo ascendeu no país.
Seu filme propõe uma discussão bastante atual sobre o jornalismo como forma de espetáculo na figura de seu personagem principal Chuck Tatum (Kirk Douglas).
Movido por uma ambição individualista, Tatum chega a Albuquerque, cidade do estado do Novo México, no sul dos Estados Unidos. Com reputação desgastada em Nova York, ele espera que um acontecimento inesperado restabeleça sua credibilidade e seja o passaporte para uma nova posição.
Ele sabe que notícia é produto valioso se bem manipulada. Sua chance chega por acaso. O dono de um posto de gasolina em uma estrada fica preso dentro da montanha (do título traduzido para o português) após um desabamento.
O jornalista fareja a oportunidade e, a partir do incidente, suas escolhas se voltam para o objetivo de voltar de maneira gloriosa para Nova York. Porém, as circunstâncias acabam escapando do seu controle e o resgate do homem é transformado em um espetáculo sensacionalista.
A forma de Wilder está nos rápidos e inteligentes diálogos, que estabelecem os personagens com precisão e colocam a audiência em conflito com as posições do jornalista e com a exposição do caso.
De certa forma o personagem consegue a notoriedade que procura. O lugar do acidente se transforma em um imenso e gigante parque de diversões, enquanto o sofrimento real da vítima é explorado por todos.
Wilder usa o enredo para expor a superficialidade consumista da sociedade americana e a ausência completa de valores. Na figura de Tantum, explora o pequeno-burguês individualista, que está totalmente cooptado pelo capitalismo.
Com perspicácia, o diretor consegue chegar ao desfecho sem cair em um falso moralismo que poderia ser confundido com alguma moral cristã. Ele consegue expor as contradições pelo que elas são, ou seja, manifestações claras de uma ordem econômica brutal.
Interessante refletir sobre essa representação cinematográfica diante da cobertura midiática do genocídio na Palestina. Ontem, encontrei no twitter o depoimento emocionado de uma jornalista americana dissidente que faz uma crítica muito lúcida à imprensa. “Eles estão matando a verdade”, diz em um dado momento.
No filme de Wilder, a primeira cena mostra um quadro em uma das paredes da pequena redação do jornal de Albuquerque: “Diga a verdade”.
A verdade é que a profissão de jornalista está em profunda crise, da qual pode não escapar. Com mais de 60 jornalistas mortos em Gaza, com jornalistas sendo perseguidos no mundo todo, no Brasil inclusive, e com figuras como Tatum simplesmente usando espaços televisivos e impressos para mentir, em nome de seus patrões, essa profissão está em um ponto de disrupção poucas vezes visto.
Isso acontece porque não é possível, por mais que se tente, esconder as contradições. Talvez, por um tempo, isso até funcione. Mas, em algum momento, como agora, elas afloram, deixando que a verdade venha à tona, mesmo com todo o esforço circense para escondê-la.
* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário