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Europa

10 anos do Euromaidan: golpe imperialista que destruiu a Ucrânia

O imperialismo consumou a "Revolução" Colorida utilizando-se de milícias armadas nazistas. O golpe levou ao poder um governo servil aos EUA e hostil à Rússia

Por Pedro Lourenço, do Diário Causa Operária

 

Há uma década, o imperialismo consumou um golpe de Estado na Ucrânia, utilizando-se de milícias armadas nazistas. O golpe levou ao poder um governo servil aos Estados Unidos e à União Europeia, e, consequentemente, hostil à Rússia. Às suas forças armadas e ao seu aparato de repressão foram incorporados os grupos armados nazistas que estiveram à frente do golpe. Com a resistência da população no sul e em especial no leste do país, os golpistas desencadearam uma guerra de agressão contra as províncias dessa região, guerra esta que ficou conhecida como Guerra no Donbass, e que, eventualmente, resultaria na atual Guerra da Ucrânia.

Com os 10 anos do golpe, que assumiu a força de uma “Revolução” Colorida e ficou conhecido como Euromaidan, este artigo visa expor como ele ocorreu e que realmente foi orquestrado pelo imperialismo, com finalidade de derrubar um governo que não se conformava aos interesses dos EUA e da UE.

O golpe foi consumado no dia 22 de fevereiro de 2014. Contudo, como ocorre com todo fenômeno social, houve um processo que resultou no golpe, processo este que ocorreu durante o ano de 2013, mas que vinha sendo arquitetado há vários anos em razão da conjuntura da crise geral do imperialismo, que se aprofundou com a Crise de 2008.

Os antecedentes do Euromaidan

À época do Euromaidan, a Ucrânia tinha como presidente Viktor Yanukovych, que havia sido eleito em 2010, derrotando a candidata pró-imperialista Yulia Tymoshenko, uma das líderes da “Revolução Laranja” de 2004. 

Não coincidentemente, a “Revolução Laranja”, assim como o “Euromaidan”, foi um golpe de Estado disfarçado de movimento popular. Na ocasião, o próprio Viktor Yanukovych foi eleito presidente, derrotando o então candidato do imperialismo Viktor Yushchenko. 

Com o golpe da “Revolução Laranja”, Yanukovych foi impedido de assumir a presidência sob falsa acusação de fraude, uma acusação tipicamente feita contra políticos que vão contra os interesses do imperialismo. Novas eleições foram realizadas e o golpe de 2004 foi consumado, alçando Yushchenko à presidência.

No entanto, em 2010, o imperialismo não conseguiu impedir Yanukovych de se tornar presidente da Ucrânia. Deve-se ter em mente que ele era um político com relações mais próximas da Rússia do que os chefes de Estado anteriores. 

A Ucrânia, à época, tinha na Rússia seu principal parceiro comercial. Seu território também era de grande importância, pois através dele a Rússia fornecia gás para a Europa Ocidental. Do ponto de vista militar, a Ucrânia também poderia ser utilizada pelo imperialismo para dar continuidade ao cerco à Rússia, cerco iniciado na década de 1990 com a inclusão de vários países da antiga União Soviética na OTAN, Organização do Tratado Atlântico Norte, exército do imperialismo norte-americano na Europa.

Estes fatores, combinados com o fato de Yanukovych tender mais à Rússia do que ao “ocidente”, posavam um grave problema ao imperialismo. 

A Ucrânia passava por crise econômica em 2013, assim como diversos outros países do mundo. Visando enfraquecer a Rússia economicamente e ter um aliado político às portas de Moscou, o imperialismo aproveitou a crise econômica pela qual passava a Ucrânia para, em 2012, incentivar o governo Yanukovich a entrar no Acordo de Associação da União Europeia. O imperialismo europeu já tentava fazer com que a Ucrânia entrasse em acordos dessa natureza desde 2008. 

Cumpre informar que, quando um país oprimido firma esse tipo de acordo, deve promover mudanças políticas, jurídicas e econômicas. Em troca, a União Europeia permitiria isenções de tributo, acesso a certos mercados europeus e, supostamente, assistência financeira e técnica. Em suma, trata-se de uma forma de o imperialismo europeu subjugar países oprimidos aos seus interesses, promovendo uma dependência econômica e política. 

Então, com a assinatura desse acordo, a Ucrânia praticamente se formalizaria como uma colônia na Europa, o que, por óbvio, traria prejuízos à Rússia. Afinal, o sentido de aproximar a Ucrânia da União Europeia seria eventualmente utilizá-la como ponta de lança do imperialismo contra os russos.

Tendo em vista requisitos abusivos impostos pela União Europeia, as tratativas desse acordo seguiram até o ano de 2013, sem que tivesse sido firmado. Eventualmente, no dia 21 de novembro, o governo ucraniano suspendeu as tratativas para a assinatura do acordo e procurou renegociar os termos do mesmo com a União Europeia, para que eles cobrissem as perdas. 

O golpe do Euromaidan

No período que antecedeu esses acontecimentos, os parlamentares que eram a favor da União Europeia seguiam fazendo propaganda e pressão contra o governo, a fim de que o acordo fosse assinado. Com a suspensão das tratativas, um primeiro protesto foi convocado para o mesmo dia 21, por Mustafa Nayyem (um jornalista ucraniano), em sua página da rede social Facebook, e pelo parlamentar pró-imperialista de direita Arseniy Yatsenyuk, para a praça da independência (Maidan Nezalezhnosti) em Kiev. Em sua publicação no então  Twitter, apareceu, pela primeira vez, o termo Euromaidan, através de uma hashtag.

Foi um protesto pequeno, algumas centenas de pessoas apareceram na primeira noite.

Contudo, um novo protesto foi marcado para o dia seguinte (22). Desta vez, as fundações e ONGs financiadas pelo imperialismo e os políticos pró União Europeia atuaram para colocar mais pessoas nas ruas. Cerca de mil pessoas compareceram à Praça da Independência. Já nesse dia, o protesto contou com a presença de Vitali Klitschko (líder do Udar), Yatsenyuk (líder do Batkivshchyna) e Oleh Tyahnybok (líder do Svoboda).

Algumas palavras a respeito desses partidos. Oficialmente, tanto a Aliança Democrática Ucraniana pela Reforma (Udar) quanto a União Pan-Ucraniana “Pátria” (Batkivshchyna) são tidos oficialmente como partidos de direita. Diz-se oficialmente, pois dada a ideologia abertamente fascista da direita ucraniana (ideologia essa impulsionada pelo imperialismo), os partidos tidos como da direita tradicional já são basicamente partidos de extrema direita.

Tanto é assim que, após o golpe de 2014, o Batkivshchyna formou uma milícia armada para combater o levante operário no Donbass. 

Já a União Pan-Ucraniana “Liberdade” (Svoboda) é um partido de extrema direita, nazista. Fundando por Oleh Tyahnybok, originalmente chamava-se Partido Social-Nacional da Ucrânia (o nome lembra algo?). Desde o seu início, dedicava-se a idolatrar Stepan Bandera e propagar seus princípios. Bandera foi um dos líderes da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN),  milícia fascista que colaborou abertamente com a invasão nazista da Ucrânia Soviética, inclusive sendo a responsável pelo massacre de centenas de milhares de judeus, poloneses e eslavos.

Em outras palavras, já nas primeiras manifestações do “Euromaidan” notava-se a presença do líder do principal partido da extrema direita ucraniana, além de lideranças de partidos pró-imperialistas de uma direita cuja ideologia estava a um passo do nazismo ucraniano. Não demoraria para que a presença da extrema direita nos protestos extrapolasse os partidos e seus parlamentares e fosse capitaneada pelas milícias nazistas do Setor Direita, o que será eventualmente abordado.

Segundo Vitaly Zakharchenko, ministro do Interior do governo Yanukovych, eles já tinham informações de que o imperialismo estava arregimentando e organizando forças internas para uma eventual onda de protestos, que deveria ocorrer em 2015. Contudo, aproveitaram a não assinatura do acordo com a União Europeia para adiantarem o serviço.

Ainda segundo o ministro, os protestos nos primeiros dias eram pacíficos. Dentre os manifestantes, havia idosos, mulheres e crianças. Os policiais não carregavam armas de fogo. Contudo, já se notava a presença de alguns elementos de extrema direita, sondando o terreno, o que se constatava pela bandeira preta e vermelha tradicionalmente utilizada pelo OUN, mas que, na atual circunstância, era utilizada principalmente pelo Setor Direita.

Após o dia 22, os protestos continuaram, crescendo em número.

No dia 24, estima-se que compareceram cerca de 25 mil pessoas. Foi nesse dia que as manifestações começaram a se tornar violentas. Elementos da extrema direita tomaram a iniciativa atacando o prédio dos ministérios da Ucrânia e os policiais que faziam a segurança.  

Eventualmente, tomar-se-ia o conhecimento de que os fascistas pertenciam ao chamado Setor Direita (Pravyi Sektor), uma coalizão de inúmeras organizações da extrema direita ucraniana, tais como o S14 (ou C14), o UNA-UNSO, o Tryzub, o Martelo Branco e o Batalhão Sich. Detalhe: o S14 é uma milícia de jovens do Svoboda, sendo o batalhão Sich a ala paramilitar do partido, aquele mesmo partido cujo líder já havia marcado presença no segundo dia de manifestações.

Novos protestos ocorreram no dia 25, com violência especificamente direcionada à polícia.

A essa altura, já começava a ficar claro o financiamento da burguesia aos atos. Para além da presença de deputados pró-imperialistas e do começo de uma violência coordenada e sistematizada por parte da extrema direita, a Praça da Independência já contava com tendas de aquecimento, onde eram servidas refeições gratuitas, fornecidas, oficialmente, pela prefeitura de Kiev. Eventualmente, atividades lúdicas passariam a ser realizadas a fim de entreter os manifestantes e evitar o refluxo do protesto. Mesas de ping pong foram instaladas, e shows musicais realizados. Petro Poroshenko, bilionário ucraniano que viria a ser o presidente do país após o golpe, admitiu publicamente em entrevista ter sido um dos financiadores dos protestos.

Os protestos se seguiram até que, em 30 de novembro de 2013, houve o primeiro ponto de virada no “Euromaidan”. Algo estranho ocorreu. 

No dia, Vitaly Zakharchenko (ministro do Interior) recebeu uma ligação do chefe da administração estatal de Kiev (Oleksandr Popov), dizendo que queria instalar as decorações de Natal na Praça da Independência. O ministro disse que isto não seria possível enquanto houvesse pessoas na praça. Por volta de uma da manhã, pessoas começaram a deixar a praça. Em conversa com o chefe do serviço secreto ucraniano, o ministro perguntou sua avaliação sobre a situação. O chefe do SBU teria informado que os protestos estavam terminando.

Porém, sem mais nem menos, durante a madrugada, por volta das quatro, a tropa de choque da polícia promoveu uma brutal repressão contra os manifestantes que ainda permaneciam na praça. 

Ocorre que, segundo depoimento do ministro do Interior, a posição do governo era para que a polícia não atacasse a manifestação pacífica e nem dissolvesse os protestos por meio da violência. Alguém, então, por detrás dos bastidores, teria dado a ordem para que parte da polícia fizesse isto. O ministro entende que o chefe da administração local, Popov, não tinha poder o suficiente para fazer essa manobra. Contudo, Popov era subordinado ao Chefe da Administração Presidencial da Ucrânia, Serhiy Lyovochkin, um parlamentar com estreitas relações com políticos dos EUA.

Segundo investigações do SBU, Lyovochkin teve conversas, naquela noite, com Yatsenyuk (líder do Batkivshchyna) sobre retirar as pessoas da praça sob o pretexto de instalarem os enfeites de Natal.

Curiosamente, os manifestantes que ainda permaneciam na praça pareciam estar esperando pela polícia, conforme filmagens. Havia também inúmeros fotógrafos e jornalistas, como se algo estivesse para acontecer. Ainda mais estranho é que fascistas do Setor Direita chegaram à praça quase no mesmo momento da chegada da polícia. Infiltraram-se em meio aos manifestantes e começaram a atacar a tropa de choque, que atacou de volta. 

A imprensa, contudo, não mencionou a atuação da extrema direita, dando início às provocações. As notícias todas focavam tão somente na brutalidade da polícia. Inclusive, noticiou falsamente que a polícia havia tomado a iniciativa de atacar os manifestantes, inclusive aqueles que estavam dormindo em suas cabanas.

Com a provocação da extrema direita e a reação da polícia, o entrevero acabou atingindo os que protestavam pacificamente, que foram também reprimidos pela polícia.

Foi o gatilho para o exponencial crescimento e radicalização do Euromaidan. Os que estão por trás das chamadas “revoluções coloridas” sabem que esses gatilhos são necessários, pois é difícil evitar que os protestos arrefeçam. As pessoas tendem a se cansar, precisam de estímulos para continuar progredindo.

Assim, diante da repressão policial, da história criada e divulgada pela imprensa imperialista, grande parte da população foi às ruas no dia 1º de dezembro, e a manifestação cresceu em tamanho.

A partir de então, houve uma mudança qualitativa nos protestos. A atuação e a violência da extrema direita passou a dar o tom das manifestações.

Isto não poderia ter ocorrido sem dinheiro: desde ao menos 1989, dois anos antes da queda da União Soviética, o imperialismo, em especial o norte-americano, passou a injetar vultuosas quantias na Ucrânia.

Grande parte desses investimentos se deram através das ONGs, que eram “onipresentes” na Ucrânia, dando bolsas e subsídios a jornalistas, intelectuais, políticos, estudantes ou mesmo financiamento direto, por exemplo, à imprensa. 

As embaixadas também era constantes fontes de fundos financeiros, a fim de se estimular um sentimento antirrusso em meio à população ucraniana, o que era feito, principalmente, através da promoção das ideologias do imperialismo europeu e norte-americano e, é claro, do fomento do nazismo, sob a fachada de um nacionalismo chauvinista ucraniano.

Como exemplo desse financiamento, três canais de TV foram criados logo nos primeiros dias dos protestos: Spilno TV (21/11), Hromdaske TV (22/11) e Espresso TV (24/11).

O Hromdaske TV, canal fundado pelo já citado Mustafa Nayyem, recebeu doações da embaixada dos EUA, da Holanda e de uma ONG de George Soros, chamada International Reinassance Fund. Isto pode ser visto em relatório financeiro do ano de 2013, disponibilizado em seu sítio.

Mas não é só. O National Endowment for Democracy (NED), um ramo da CIA fundado no começo dos anos 1980 para “promover a democracia” ao redor do mundo, injetou mais de US$22 milhões na Ucrânia desde 2014, na forma de bolsas e subsídios a jornalistas, estudantes, associações, imprensa, ONGs etc. Verificando as prestações de conta do NED à Receita Federal Americana para o ano de 2013, constata-se que a organização “investiu” milhões de dólares no leste da Europa.

Essa clara interferência do imperialismo na Ucrânia, injetando dinheiro para realizar o golpe do “Euromaidan”, ia se confirmando à medida que os protestos iam avançando. A todo o momento, os parlamentares pró-União Europeia, que apareciam como liderança dos protestos, mantinham contato e reuniões com a embaixada dos EUA.

Ainda em 2013, o país recebeu visita de importantes políticos norte-americanos, em especial John McCain (senador Republicano) e Victoria Nuland (secretária de Estado Assistente para os assuntos Europeus e Euroasiáticos). Ambos estiveram presentes nos protestos, discursando e manifestando aberto apoio às manifestações. Em discurso feito na ONG US-Ukraine Foundation, Nuland afirmou que os EUA haviam gastado aproximadamente US$5 bilhões em programas para “promover a democracia” na Ucrânia.

Contudo, a confirmação definitiva de que se tratava de um golpe de Estado arquitetado e financiado pelo imperialismo, em especial pelos EUA, veio em 4 de fevereiro de 2014, quando foi publicada no YouTube uma conversa entre Nuland e Geoffrey Pyatt, embaixador norte-americano na Ucrânia.

A conversa mostrou ambos discutindo quem deveria ser o próximo primeiro-ministro ucraniano, sendo que Nuland disse que deveria ser Arseniy Ytasenyuk, líder do partido de extrema direita Batkivshchyna. O aúdio ficou famoso pela frase de Nuland “foda-se a União Europeia”, pois ela entendia que os europeus não tinham que ser envolvidos nessa decisão, mas apenas as Nações Unidas.

No meio tempo, os protestos seguiram acontecendo. À medida em que ficava clara a interferência do imperialismo por trás da ação da direita e da extrema direita, mais os protestos se intensificaram.

Dia 7, em Kiev, Nuland declarou que os EUA estavam preparados para fornecer suporte à Ucrânia caso o governo seguisse “rapidamente em direção à proteção dos direitos humanos, da dignidade, da desescalada do conflito e da reforma política”. Caso contrário, seria sabotado economicamente pelo imperialismo.

Dia 9, os líderes oficiais do “Maidan” anunciaram abertamente a formação de unidades de autodefesa (nesse caso, eufemismo para milícias fascistas) por todo o país. Vitali Klitschko disse que as pessoas poderiam se voluntariar para as milícias através de seu partido, o UDAR.

Então, entre os dias 18 e 20 de fevereiro, a violência dos nazistas atingiu o auge: atiradores de elite atiraram contra manifestantes, matando vários. Um dos ocorridos se deu enquanto manifestantes seguiam na Avenida Instituto em direção à sede do governo. 

Tudo indica que não se tratava do aparato de repressão governamental, mas sim da extrema direita. 

Enquanto que os partidos da direita e da extrema direita diziam que os atiradores estavam posicionados no telhado do prédio dos Ministérios e do Banco Central, evidências mostram que os tiros partiram do Hotel Ucrânia, onde os manifestantes haviam estabelecido seu quartel-general, estando sob seu completo controle. 

Em vídeos da época, mostram-se claramente os manifestantes sendo atingidos por trás. Em transmissão de rádio interceptada, os atiradores do governo, a postos em cima dos prédios governamentais, questionam entre eles quem seriam os atiradores que estavam no Hotel Ucrânia disparando contra os manifestantes; ao questionarem a identidade daquelas pessoas, é dito expressamente que a polícia não tinha ordem para disparar contra manifestantes desarmados. No áudio, é claro que havia policiais que não sabiam o que estava acontecendo, indicando que os atiradores que alvejaram e mataram manifestantes não eram da polícia.

Nas mesmas circunstâncias, tiros também foram disparados do prédio da Academia Nacional Ucraniana de Música Tchaikovsky, localizada na Praça da Independência, a qual estava igualmente sob o controle dos manifestantes de Maidan

Houve ocorrências semelhantes em outros locais. No decorrer do dia, vários manifestantes foram mortos, mas não apenas manifestantes, policiais também, assim como agentes da polícia especial Berkut. Estima-se um total de 20 policiais mortos e 150 feridos, o que contribui para desmontar a história criada pela imprensa imperialista de que os atiradores de elite estariam a serviço do governo Yanukovych. 

Em vários vídeos e fotos da época, vê-se manifestantes portando rifles de longo alcance. Eram pessoas que constituíam a tropa de choque das manifestações, todas pertencentes a alguma organização membro do Setor Direita ou que possuía alguma ligação com o mesmo.  

Um dos poucos médicos que tratou dos feridos de ambos os lados informou que os ferimentos decorriam de um mesmo tipo munição, tanto no que diz respeito a manifestantes quanto a policiais baleados. Segundo ele, as balas eram idênticas. 

Assim, várias evidências apontam no sentido de que os fascistas do Setor Direita deliberadamente assassinaram manifestantes (também de direita e extrema direita) para que fosse criado um pretexto contra o governo Yanukovych. Nesse sentido, outros vídeos da época mostram elementos das milícias fascistas conduzindo policiais capturados e feridos. Vários deles jamais foram vistos novamente. 

Recentemente, no mês de outubro de 2023, foi concluído julgamento sobre o caso. Um tribunal distrital de Kiev concluiu que havia franco-atiradores no Hotel Ucrânia, que era controlado pelos nazistas do Maidan. Igualmente, concluiu que oito manifestantes foram mortos e vinte feridos por “pessoas desconhecidas”, isto é, que não faziam parte da Berkut.

O pesquisador ucraniano-canadense Ivan Katachnovski apontou que a decisão absolveu dois policiais do Berkut por matar e ferir manifestantes, afirmando também que todos os membros do Berkut acusados foram injustamente culpados por matar 13 e ferir 29 manifestantes do Maidan. Vale ressaltar que foi uma decisão proferida em um país que ainda vive sob o regime golpista que surgiu do Euromaidan e que está em guerra com a Rússia.

Demonstrando que a ação da extrema direita era coordenada com o imperialismo, toda a imprensa imperialista e pró-imperialista narra que o aparato de repressão do governo, especificamente a unidade especial Berkut, tinha matado os manifestantes. Isto serviu de pretexto para uma intervenção mais aberta por parte do imperialismo em sua ofensiva para derrubar o governo Yanukovich. 

A situação forçou que, em 21 de fevereiro, uma trégua fosse negociada entre o governo e os líderes do golpe do Euromaidan Vitali Klitschko, Arseniy Yatsenyuk e Oleh Tyahnybok. A negociação foi mediada pelo imperialismo e teve a participação da Rússia.

Pelos termos do acordo, foi requerida a restauração da Constituição de 2004, promulgada como resultado do golpe da “Revolução Laranja”, igualmente perpetrado pelo imperialismo (referida constituição havia sido revogada em 2010, sob o governo Yanukovych). 

Ademais disto, outras exigências contidas no acordo foram: a redução dos poderes presidenciais, através da instituição de um sistema de governo parlamentar-presidencial; o adiantamento, para o fim de 2014, das eleições presidenciais; a remoção das tropas de segurança do centro de Kiev; a cessação da violência estatal; que a oposição entregasse suas armas; e, por fim, a formação de um “governo de confiança nacional”, isto é, um governo formado pelos líderes do golpe.

A trégua foi formalmente firmada entre o governo Yanukovytch e os golpistas, sob testemunho dos ministros das Relações Exteriores da Alemanha e da Polônia (Frank-Walter Steinmeier e Roadoslaw Sikorski), e Eric Fournier, o chefe do Departamento para a Europa Continental do Ministério das Relações Exteriores da França. Vladimir Lukin, o representante da Rússia, recusou-se a assinar o acordo, dado seu caráter pró-imperialista. 

Em mais um ocorrido que demonstra o caráter golpista da trégua, logo após ela ter sido firmada, Roadoslaw Sikorski foi flagrado em vídeo afirmando “caso vocês não apoiem isto, haverá lei marcial, o exército, e vocês todos estarão mortos”. Em outras palavras, uma clara ameaça de golpe por parte do imperialismo.

Contudo, apesar da formalização da trégua entre o governo e os políticos golpistas que se colocaram à frente do Maidan, Dmytro Yarosh, líder do Setor Direita, organização que agrupava as milícias fascistas, declarou que não reconhecia o acordo firmado. Tratava-se de algo combinado entre os líderes formais do Euromaidan, supostamente de direita, e a extrema direita. A direita se finge de pacífica para fins da propaganda imperialista, de que o governo é o agressor. Paralelamente, a extrema direita aparece fazendo o trabalho sujo necessário para o golpe. 

Em suma, mesmo com a trégua firmada, a extrema direita seguiu avançando nas ruas, a fim de que o golpe de Estado fosse concretizado.

Percebendo que o acordo de paz era uma farsa e que corria perigo de vida, na noite do mesmo dia 21, Yanukovych saiu de Kiev para Kharkiv.

Localizada no nordeste da Ucrânia, a cidade era um importante centro industrial, o que resultava em uma presença maior da classe operária. No plano cultural, a população não era tão influenciada pelo imperialismo da forma que ocorria no oeste Ucraniano, afinal, a cidade era mais próxima da Rússia e cerca de 25% dela era composta por russos étnicos, enquanto que Kiev, cidade mais próxima da Europa Ocidental, tinha cerca de 18% de russos étnicos, conforme censo de 2001. Em razão da combinação desses fatores, a atuação das forças golpistas não era tão forte, e a resistência popular era mais intensa do que no oeste do país.

No dia seguinte (22), a Rada (parlamento ucraniano), tomada pelas forças golpistas, propôs o impeachment de Yanukovych. Curiosamente, não alcançaram os votos necessários. Não obstante, ainda assim decretaram a destituição do ex-presidente. Enquanto isto acontecia, milícias fascistas armadas invadiram sua casa e os prédios governamentais.

Os Estados Unidos e os países imperialistas da Europa Ocidental imediatamente reconheceram o novo governo como sendo legítimo.

O golpe estava consumado.

No dia 24, Yanukovich pediu asilo político à Rússia, o qual foi concedido. Caso ele tivesse permanecido na Ucrânia, acabaria enfrentando um julgamento político, na melhor das hipóteses.

A resistência popular que se seguiu ao golpe

Conforme a propaganda imperialista, o Euromaidan não teria sido um golpe de Estado contra os interesses da população ucraniana, mas uma verdadeira revolução. Tanto é assim que recebeu o nome de “Revolução da Dignidade”, aos moldes de diversas outras “revoluções coloridas” que precederam esta, tais como a “Revolução Síria da Dignidade” em 2011, na qual se tentou um golpe contra Bashar al-Asssad; a “Revolução Líbia da Dignidade” em 2011, através da qual a OTAN derrubou o governo de Muammar Gaddafi; e a “Revolução Tunísia da Dignidade”, que também resultou em um golpe de estado pró-imperialista, e que marcou o início da Primavera Árabe.

Para sustentar a farsa de que seria uma verdadeira revolução, a imprensa imperialista ignorava deliberadamente a presença da extrema direita nas manifestações. Todos eram manifestantes em defesa da democracia. No mesmo sentido, enquanto se desenrolava o golpe, não realizava a devida cobertura ao setor da população que resistia ao mesmo. Quando faziam, a resistência popular era taxada pejorativamente de pró-governo ou pró-Rússia, deixando implícita a acusação de que a Rússia estaria por trás da resistência popular.

Contudo, houve sim resistência. Em especial no leste e no sul do país.

O primeiro grande foco de resistência foi a Criméia. 

Já à época, a população local era composta majoritariamente por russos étnicos – 60,4%, conforme censo de 2001. Tendo em vista o caráter anti-russo dos nazistas que perpetraram o golpe  do “Euromaidan”, recém consumado, o povo da Criméia temia as consequências caso as forças golpistas chegassem  à região.

Tendo isso em vista, por iniciativa da própria população e contando com o apoio da administração local, foi realizado um referendo, a fim de saber se a Criméia continuaria sendo parte da Ucrânia, ou se iria preferir a incorporação à Federação Russa.  

A resistência já havia começado antes mesmo da consumação do golpe. Em 22 de janeiro de 2014, o Conselho Supremo da República Autônoma da Criméia soltou a seguinte declaração: “com base na vontade do povo que nos elegeu, declaramos que não iremos entregar a Criméia para extreminas e neo-nazistas, que buscam tomar o poder na Ucrânia, a custo do sangue do país”.

No dia 27 de fevereiro, o povo assumiu o controle dos prédios governamentais locais. Apesar de o governo local não ter apoiado o golpe, ele foi dissolvido, e um novo, mais popular, foi colocado no lugar. 

O referendo ocorreu no dia 16 de março. Compareceram 83,1% da população. Destas, 96,77% votaram favorável à incorporação da Criméia à Rússia. Para além da votação, como prova de que a incorporação tivera o apoio esmagador das massas, nenhuma pessoa foi assassinada. Nenhum tiro disparado. Um claro exemplo de decisão democrática, ao contrário do que se viu com o golpe em Kiev.

Impulsionados pelo exemplo da população da Criméia, a resistência ao golpe se intensificou em outras regiões do país.

No leste, a população do Donbass se insurgiu contra o golpe de Estado e enfrentou os fascistas do Euromaidan, colocando-os para correr. No dia 6 de abril, os centros de poder local foram tomados pelos trabalhadores, que declararam a independência das províncias de Donetsk e Lugansk, transformando-as em repúblicas populares. Não iria demorar muito para o governo nazista dar início a uma guerra civil contra o povo da região.

Houve também resistência no sul do país, no Município de Odessa, cidade de grande importância econômica, por ser estrategicamente locallizada às margens do Mar Negro, sendo o maior porto marítimo da Ucrânia.

O início da resistência se deu antes mesmo da consumação do golpe, com o povo saindo às ruas para protestar contra o governo golpista. Impulsionado pelos exemplos da Criméia e do Donbass, as manifestações iam crescendo, mais e mais pessoas saiam às ruas.

Em face da crescente radicalização popular anti-imperialista, Kiev teve de voltar suas atenções para a cidade, afinal, o regime golpista não conseguiria lutar contra um leste e um sul insurrecto. 

Para evitar que o povo eventualmente tomasse os centros de poder local e fosse imposta a necessidade de mobilizar o exército, como estava ocorrendo no Donbass, o imperialismo, através do regime golpista, optou por repetir a fórmula que havia sido aplicada em Kiev para a tomada do poder, ou seja, forjou uma falsa manifestação popular.

Em 2 de maio, ocorreu a final do campeonato ucraniano de futebol. Milhares de torcedores foram a Odessa. Aproveitando a oportunidade, o imperialismo, através do governo golpista, infiltrou em meio a esses torcedores membros do Setor Direita e de outras organizações nazistas. Dentre os infiltrados estavam os mesmos destacamentos de combate que atuaram em Kiev e foram fundamentais para o sucesso do golpe de Estado.

As hordas fascistas então marcharam em direção ao local onde os manifestantes anti-Maidan estavam acampados, em frente ao prédio da Casa dos Sindicatos. Chegando lá, atacaram o acampamento, obrigando os manifestantes a se refugiarem dentro do prédio. 

A extrema direita, então, começou a atacar o local com coquetéis molotov, incendiando a Casa dos Sindicatos. Não deixavam os manifestantes saírem. Os que tentaram, foram assassinados. 

Encurralados dentro do prédio, que ardia em chamas, vários morreram queimados ou asfixiados. O número de mortes chegou a cerca de 100, todos manifestantes contra o golpe.

Com isto, o último foco de resistência foi debelado, e o golpe consumou-se por completo em todo o território ucraniano, com exceção do Donbass.

A ditadura do imperialismo sob o povo ucraniano consolidou-se, estando vigente até os dias atuais. 

Por sua vez, a guerra que Kiev desatou contra o Donbass em 2014 se estendeu até o ano de 2022, quando os Estados Unidos tentaram inserir a Ucrânia na OTAN em um tentativa de aumentar o cerco contra a Federação Russa para, eventualmente, desatar um ataque imperialista contra o gigante do Leste.

A esta agressão, a Rússia respondeu com a Operação Militar Especial, a qual completa, hoje, dois anos, e que já resultou na desnazificação de grande parte da Ucrânia, consequentemente, na libertação das províncias de Donetsk, Kherson, Lugansk, Zaporijia e várias outras localidades, causando grandes derrotas ao imperialismo e ao golpe do Euromaidan.

Mostrando a natureza “profética” da palavras de Victoria Nuland (“foda-se a União Europeia”), a guerra de 2022 que resultou do Euromaidan gerou uma grave crise energética nos países da Europa, em razão das sanções contra o petróleo e o gás russo, sanções estas que fracassaram em subjugar o gigante do leste. Consequentemente, o imperialismo europeu se afundou em sua maior crise econômica e política desde a Segunda Guerra Mundial.

Contudo, não foi previsto por Nuland, pelo governo Obama e pelo imperialismo norte-americano que eles seriam derrotados militarmente pela Rússia e que a crise decorrente da guerra também se estenderia aos Estados Unidos. De forma que, se essa derrota for consumada, será uma das piores derrotas da historia do imperialismo, estimulando a insurgência de diversos países oprimidos do mundo, como a própria Operação Especial Militar Russa já o fez.

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