Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Roberto França

Militante do Partido da Causa Operária. Professor de Geografia da Unila. Redator e colunista do Diário Causa Operária e membro do Blog Internacionalismo.

Novo protetorado dos EUA

Ucrânia, território de uma nova guerra eterna

Revelado: Estados Unidos de fato empreendem uma nova guerra eterna, ao modo de Israel, na Eurásia. O objetivo é o pleno domínio em um futuro próximo, livre dos próprios ucranianos

Hoje (5) faz três meses da fracassada contraofensiva ucraniana. Nesta data, o Ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, informou que Kiev perdeu mais de 66.000 soldados e 7.600 unidades de armas. De acordo com Shoigu, apesar das “perdas colossais” sofridas pelas tropas ucranianas, elas continuarão com a operação, enquanto Kiev tenta “demonstrar aos seus apoiadores ocidentais pelo menos algum sucesso” no campo de batalha. 

Antes mesmo da Operação Especial russa, seguia-se uma guerra praticamente nos mesmos moldes, de Kiev contra o Donbass, que proclamou independência não somente da Ucrânia, como de seu combo de miséria e nazismo. Nesse sentido, o que acontece desde fevereiro de 2022 é mais uma etapa de uma guerra que promete ser eterna, a depender dos think tanks de guerra e conforme aponta o londrino Financial Times, um dos principais veículos da burguesia internacional, que norteia ideologicamente as finanças e a política externa dos países imperialistas.

O jornal diário publicou o artigo de Felicia Schwartz, correspondente de relações exteriores e defesa dos Estados Unidos. Pelo currículo e especialidade [1], não elaborou uma simples opinião, mas uma política, uma diretriz. O artigo aponta na direção de uma guerra eterna e que apesar das autoridades dos EUA estarem cada vez mais críticas à estratégia de contraofensiva da Ucrânia, a situação tende ao avanço. Sabe-se que as perspectivas de sucesso, em termos de retomada territorial, são pequenas e que as tensões entre Kiev e Washington chegaram no ponto mais crítico, mas a Ucrânia é estratégica para os Estados Unidos.

Possivelmente os Estados Unidos, embora não fale abertamente, queira que o território esteja esvaziado de ucranianos para repovoá-lo somente na região que Kiev, já que existe a tendência de perda de outros territórios para a Rússia, e quiçá, Polônia, pois a crise é gigantesca.

Voltando ao artigo do FT, a menção emblemática das palavras de Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional dos EUA, que afirmou que “Estamos fazendo tudo o que podemos para apoiar a Ucrânia em sua contraofensiva. Não vamos prejudicar o resultado. Não vamos prever o que vai acontecer porque esta guerra tem sido inerentemente imprevisível”. Por fim, o artigo demonstra que apesar do impasse do apoio bipartidário à Ucrânia, a tendência é que continue, porém, evitando uma escalada russa e isso é plenamente possível, pois os Estados Unidos não produzem mísseis balísticos capazes de se impor à Moscou.

Uma questão para os think tanks de guerra, as vozes do imperialismo

O artigo de Schwartz corrobora com a análise de Brian Michael Jenkins, conselheiro sênior e presidente do mais influente think tank militar norte-americano, o Rand Corporation, apresentado como balanço do primeiro mês de contraofensiva. Nele, Jenkins aplica uma doutrina realista da condução da guerra, considerando que a Ucrânia pode ajudar os Estados Unidos a vencerem, sem necessariamente expulsar os russos. Ele cita o exemplo do movimento de resistência afegão, que não expulsou as forças soviéticas do país. Enfrentando perdas crescentes sem subjugar o país, Moscou concordou em se retirar do Afeganistão. 

Segundo o analista, o mesmo raciocínio vale para o Talibã, que “não expulsou as forças americanas do Afeganistão, nem houve pesadas baixas americanas nos anos finais da guerra. Os Estados Unidos decidiram se retirar porque perceberam que o preço de permanecer não valia a pena” [2].

Com o poder inerente ao seu dinheiro, apesar do enfraquecimento moral das suas tropas nas últimas décadas, possui ampla gama de analistas capazes de produzir grandes estratégias militares. A “Ucrânia é o atoleiro da Rússia – sua guerra eterna. Uma guerra que muitos entre a elite russa supostamente não acreditam mais que Putin possa vencer. Governos totalitários podem ignorar atitudes públicas, mas não para sempre”, escreve Jenkins (grifo meu). Ideologicamente, Jenkins orienta a guerra nos seguintes termos: 

“A alavancagem final dos ucranianos deriva da ameaça crível de que eles resistirão para sempre, mesmo que a Rússia fosse capaz de invadir todo o país. Se os ucranianos têm alguma vantagem agora, é que a guerra fornece lembretes visuais contínuos de sua defesa heroica e do comportamento bárbaro da Rússia, o que gera simpatia pública no Ocidente. Trocar essa clareza moral pela dinâmica mais complicada das negociações, em que Kiev perderá agência e autonomia, privará a Ucrânia de sua narrativa convincente, que pode ser sua arma mais poderosa.”

Em outras palavras, o protocolo de propaganda do suposto heroísmo militar ucraniano, está sendo seguido dentro dos conformes, dos parâmetros de uma guerra eterna. Por isso, Jenkins despudoradamente proclama que “os líderes ocidentais devem ter em mente que a Ucrânia faz um favor à OTAN ao enfraquecer a Rússia. Em vez de temer que esta possa ser uma guerra para sempre (na qual nenhum soldado da OTAN morreu), deveria ser missão da OTAN garantir que seja uma guerra para sempre – para a Rússia. Esse é o caminho da Ucrânia para a vitória, e a Rússia sabe disso” (grifos meus).

A guerra visa, portanto, somente o desgaste da região eurasiática, promovendo um território à condição de grande bucha de canhão, de fantoche, onde não há a menor condição de “expulsão” dos russos, tampouco uma vitória enquanto nação, mas como trunfo do imperialismo.

Ucrânia como novo território de guerra eterna

Guerras eternas são um mote dos Estados Unidos em momentos de crise. Porém, algumas questões geoestratégicas são fundamentais de serem consideradas. A primeira é a rivalidade econômica com a China. Os Estados Unidos estão em crise de legitimidade política e econômica. Milhões de pessoas moram nas ruas e vivem na absoluta miséria. O narcotráfico e a desindustrialização são fenômenos que avançam e assombram o país. Por isso, a preparação da nova fase da guerra psicológica e econômica contra a China são palavras de ordem no Pentágono e Wall Street.

A segunda questão é o Oriente Médio. Irã se fortalece militarmente e Arábia Saudita eleva sua economia a maiores níveis de crescimento, se livrando da tutela dos Estados Unidos. No meio dessas duas potências, Israel enfrenta grande crise política. Netanyahu decide desacoplar da tutela dos Estados Unidos e decide avançar uma Nakba 3.0, com grande intensidade, enfrentando os liberais com grande apoio dos chamados “nacionalistas ortodoxos”. O problema é que o imperialismo não consegue impor sua agenda a nenhuma das três situações. No caso de Israel, o imperialismo não sabe para onde manejar suas forças.

Por outro lado, o caos em Israel cumpre o protocolo da guerra eterna na região, por isso que a Ucrânia, fácil de tutelar neste momento, é a bola da vez do imperialismo, que por ora deixa Israel cumprir de forma efetiva, um dos desejos dos sionistas, que é eliminar os palestinos.

Por enquanto não está no radar da Rand Corporation, da Atlantic Council e dos grandes capitalistas, uma possível virada de chave dos nazistas, que podem ganhar vida própria, assim como no caso do avanço ortodoxo sobre Gaza, Cisjordânia, Líbano e Síria. Um avanço nazi real seria igualmente catastrófico, capaz de mobilizar amplas forças militares para o território euroasiático. 

Os russos estão atentos a isso, assim como todo o continente asiático e africano estão atentos aos novos arranjos geopolíticos. Somente a América Latina, dormindo em berço esplêndido, contando com o fomento imperialista para orientar sua própria política. Com alguns lampejos em torno de algumas políticas fundamentais dos BRICS, a construção de cenários perante a crise que a Ucrânia pode produzir, não está em cogitação por parte dos Estados latino-americanos, talvez exceto a Venezuela, que trabalha sob a perspectiva de recusa da imposição das políticas liberais dos Estados Unidos, que visam seduzir todo continente para sua própria causa.  

Diante do cenário de preparação para a guerra eterna na Ucrânia, qual deve ser a posição brasileira? Sem dúvida que o cenário é complexo, demanda análise de muitas variáveis, porém o entendimento deve ser a de que o imperialismo não quer paz e que o futuro deve ser de ampla preparação para conflitos ainda mais robustos e impiedosos, inclusive com a possibilidade de mobilização de uma guerra na região do indo-pacífico, conforme noticiam todos os think tanks militares dos Estados Unidos e contido no discurso de Biden à Cúpula de líderes, na Casa Branca, em 24 de setembro de 2021: “O futuro de cada uma de nossas nações – e, de verdade, do mundo – depende de um indo-pacífico livre e aberto, durável e florescente nas próximas décadas” [3].

A política externa brasileira deve se orientar contrária aos interesses dos Estados Unidos sobre determinadas regiões, tendo o máximo de distância de segurança possível, orientando políticas públicas para diminuição da influência do profundo poder de dominação econômica e cultural a que estamos submetidos. Dominados, partidos de esquerda parlamentar, não atuam no nível cultural a ponto de produzir gradualmente uma ruptura com o paradigma de dominação imperialista.

A atenção diária do Brasil perante a geopolítica dos Estados Unidos serve para organizar uma ruptura necessária com o atual modelo de dominação. Sem o levantamento de estratégias de ruptura mais claras, jamais sairemos da profunda dominação, que aqui se manifesta nas finanças, no domínio sobre o petróleo, sobre as infraestruturas, sobre a tentativa de controle da Amazônia, na cultura brasileira e nas políticas identitárias, tão nefastas e fragmentadoras do povo e do território nacional.

Foi a fragmentação e a subserviência cultural que levou a Ucrânia a atual situação. O coroamento de tamanha fragilidade foi a eleição de um humorista, a la Gregorio Duvivier, para levar adiante a guerra por procuração dos Estados Unidos contra a Rússia. O projeto de domínio sobre a Ucrânia começou com o fim da União Soviética, e agora chega ao ápice, com a confissão de tutela por parte dos Estados Unidos. Para fugir de ser um protetorado, todas as ações de um Estado devem desviar dos interesses norte-americanos e a Ucrânia aceitou docilmente a atual situação.

Notas

[1] Felicia Schwartz é correspondente de relações exteriores e defesa do FT nos EUA e está baseada em Washington DC. Antes de ingressar no FT em 2022, ela passou oito anos no The Wall Street Journal em seus escritórios em DC e Oriente Médio como correspondente do Departamento de Estado e como correspondente de Israel/Territórios Palestinos. Ela também já trabalhou na CNN em Nova York. Natural de Harrison, NY, ela é formada em história e geografia pelo Dartmouth College. 

[2] “Os exemplos do Afeganistão não são únicos na guerra. Após anos de pesadas perdas, a Alemanha concordou com um armistício e finalmente se rendeu depois que sua ofensiva de 1918 fracassou. As forças americanas não foram derrotadas no Vietnã. O público americano se voltou contra o que eles percebiam como um atoleiro. O exército soviético não foi expulso do Afeganistão, nem as tropas americanas. Eles foram retirados de um concurso que custou muito caro e durou muito tempo”. Em: Jenkins, Brian Michael. The War in Ukraine—Whose Quagmire? The RAND Blog. July 11, 2023

[3] THE WHITE HOUSE. Indo- Pacific Strategy of the United States. February 2022. https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2022/02/U.S.-Indo-Pacific-Strategy.pdf

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.