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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Cinema brasileiro

Três anos sem José Mojica Marins, o Zé do Caixão

Mojica criou Zé do Caixão, a personagem mais original do terror

Faz três anos, no dia 19 de janeiro de 2020, veio a falecer José Mojica Marins, o Zé do Caixão, certamente um dos maiores artistas brasileiros. Nosso país é fértil em artistas singulares: na música, por exemplo, Hermeto Pascoal é uma pessoa sem par, não há no mundo todo músico igual a ele; nas artes dramáticas, impossível não lembrar de Helena Ignez e Sônia Braga; na literatura, não há poeta feito Glauco Mattoso; no cinema, contamos com Glauber Rocha, Rogério Sganzerla e, indubitavelmente, José Mojica Marins, o cineasta mais original do Brasil.

Sou fã de Zé do Caixão desde a infância, passada nos anos de 1960 e 70. Sempre gostei de filmes de terror; quando criança, lembro-me da frustração de não poder assistir a vários filmes, então proibidos para menores de 14, 16 ou 18 anos, entre eles, os do Zé do Caixão, dando-me duas opções: (1) contentar-me com os cartazes das vitrines dos cinemas; (2) esperar pelo menos 10 anos para atingir a maioridade. A bem da verdade, esperei mais tempo para conhecer os trabalhos de José Mojica Marins, pois quando cresci, seus filmes não eram acessíveis feito hoje, os tempos da internet, quando sua obra está disponível para ser devidamente valorizada.

O primeiro filme dele assistido por mim foi “Exorcismo negro”, 1974, ainda na mocidade, na época da televisão aberta; infelizmente, peguei o filme nas cenas finais, quando Zé Mojica enfrenta Zé do Caixão em um espetacular encontro entre criador e criatura. Anos mais tarde, assisti a “O estranho mundo de Zé do Caixão”, 1968, no Centro Cultural Jabaquara, e “À meia-noite levarei sua alma”, 1964, e “Esta noite encarnarei no teu cadáver”, 1967, no Centro Cultural Vergueiro, ambos na cidade de São Paulo.

Não cabe nos limites de nossa coluna analisar a obra completa de José Mojica Marins, que não se restringe ao terror e a Zé do Caixão, nem ao cinema, pois Mojica também fez teatro, quadrinhos e televisão, preferindo me deter, portanto, em algumas qualidades suas, especialmente seu cavalheirismo e a admiração daqueles que tiveram o prazer de conhecê-lo pessoalmente.

Embora respeitado por Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Décio Pignatari, Zé Ramalho, Rogério Skylab e demais artistas brasileiros de valor indiscutível, várias vezes testemunhei, infelizmente, tentativas feitas por pessoas ridículas de ridicularizar José Mojica. Posso dar pelo menos dois exemplos: (1) durante a apresentação da peça “Ritual do sexo”, presenciei um burguês insatisfeito, em vez de se retirar do teatro, tentando intimidar os atores com gracejos idiotas; (2) no programa de auditório da década de 1980, “Boa noite Brasil”, dirigido pelo reacionário Flávio Cavalcanti – admirador de Paulo Maluf e do general João Figueiredo, esses sim, verdadeiros monstros do terror –, meia dúzia de socialites desocupadas tentou fazer as mesmas grosserias entrevistando Mojica.

 Ele raramente se exaltava, colocando-se além daqueles detratores; em seu programa de entrevistas, também nos 1980, a saudosa atriz Dina Sfat, tão talentosa quanto Zé Mojica, soube valorizar seus filmes, a originalidade da personagem Zé do Caixão, sua capacidade de atuar e dirigir sem nunca haver estudado arte dramática, improvisando com ele e uma caveira, no final do programa, breves cenas de terror.  

Outra qualidade de José Mojica Marins é o erotismo expresso em seus trabalhos, seja teatro, quadrinhos ou cinema. Certa vez, trocando ideias com Glauco Mattoso sobre as expressões da sexualidade sadomasoquista no Brasil, lembrávamos dos romances “Diva” e “Senhora”, de José de Alencar, da “Causa secreta”, de Machado de Assis, e dos contos de Wilma Azevedo, quando nos veio à mente várias cenas dos filmes de Mojica, especialmente em “Esta noite encarnarei no teu cadáver”, “O estranho mundo de Zé do Caixão”, “O ritual dos sádicos”, 1970, e “Exorcismo negro”, fora os cartazes dos filmes, um deles, “Finis Hominis”, 1971, ilustrado por Jayme Cortez, nome importante da história em quadrinhos.

Não se trata de desviar nosso tema para questões sexuais, todavia, quando o próprio Mojica não se eximiu delas, não há por que nos eximirmos. Contrariamente às ideias de muito brasileiros, nosso país é pródigo em liberdades sexuais; para constatar isso, basta comparar, por exemplo, o erotismo português, o Carnaval de Veneza ou paradas gays pelo mundo afora com os do Brasil. Nessas comparações, cabe incluir os filmes de José Mojica Marins e seu desdém com os moralistas.

No que diz respeito ao sexo, vale a pena recorrer a outro cineasta, D. W. Griffith e seu filme “Intolerância”, 1916. A arte sempre foi fenômeno complexo e contraditório, Griffith fez “O nascimento de uma nação”, 1915, um dos filmes mais racistas da história da arte, atacando os negros estadunidenses, todavia, defendeu o proletariado contra a burguesia em um dos quatro episódios de “Intolerância”. Em “Melodrama contemporâneo”, o proletariado, após o trabalho, reúne-se em bares para beber e namorar, enquanto os burgueses, vigiando tudo das janelas das fábricas, lamentam aquele desperdício de força de trabalho, conspirando com a polícia para reprimir o sexo e o lazer. Ora, após um século, tais circunstâncias ainda são as mesmas; diante da burguesia hipócrita e moralista, celebrações do erotismo feitas por artistas tais quais Glauco Mattoso e José Mojica Marins tornam-se obras de contestação social.

Nessas objeções, entre as mais explícitas, José Mojica Marins sempre revelou desprezo pelas autoridades clericais e policiais em seus filmes. Já em “À meia-noite levarei sua alma”, o primeiro filme do coveiro Zé do Caixão, depois de preparar um enterro, Zé, feito pagão, come carne vermelha em plena sexta-feira da Paixão, desafiando os padres locais; em “Encarnação do demônio”, 2008, Zé do Caixão, devido a seus crimes, tornou-se um presidiário assustador, quem amedronta carcereiros e delegados; no mesmo filme, Zé e seus auxiliares demoníacos espancam policias, castigando-os devidamente por seus desmandos, expressando, a seu modo, suas respostas ao sistema repressor da burguesia.

 José Mojica Marins, por fim, representa o que há de melhor no Brasil. Trabalhador infatigável, produziu e dirigiu dezenas de filmes com parcos recursos, valendo-se da inteligência e da criatividade para superar as questões financeiras, sempre prementes tratando-se de cinema; dono de imaginação incrível, criou, confundindo-se com ele, Zé do Caixão, a personagem mais original do cinema mundial do terror. Quando tive o prazer de trocar breves ideias com Mojica no relançamento de “Ritual de sádicos”, fiquei encantado com sua gentileza, exaltada pelos amigos mais próximos, tais quais o quadrinista Laudo Ferreira, quem, na época, lamentou profundamente seu falecimento.

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