Slavoj Zizek
Artigo de Slavoj Zizek publicada sítio A Terra é Redonda, neste 3 de março, sob título “O terreno escorregadio das ocupações”, revela o grau de cinismo e direitização ao qual chegaram certos elementos identificados como sendo de esquerda.
Logo na introdução, lemos que “Para condenar a colonização russa, é preciso ser consistente e condenar também a opressão israelense aos palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza”. Trata-se de um verdadeiro devaneio, pois a Rússia não está colonizando a Ucrânia, e muito menos se pode fazer um paralelo entre o conflito e o que vem acontecendo na Faixa de Gaza. Para ter um mínimo de honestidade, Zizek deveria comparar aquilo que os nazistas ucranianos vinham fazendo, desde 2014, com as minorias russas e a população da região do Donbass, com aquilo que os sionistas fazem sistematicamente contra os palestinos.
Logo no primeiro parágrafo, Zizek faz uma homenagem aos ucranianos, uma vez que sua intenção é atacar a Rússia: “A única coisa a ser celebrada no primeiro aniversário da guerra russa é a escala e a coragem da resistência ucraniana, que surpreendeu a todos, inclusive os aliados da Ucrânia e talvez até mesmo os próprios ucranianos. Em sua autodefesa, a Ucrânia está conseguindo se autotransformar”. Como falar em autodefesa se o imperialismo está utilizando a Ucrânia em uma guerra por procuração?
No segundo parágrafo, faz um apelo emocional e citando a jornalista ucraniana Kateryna Semchuk, afirmando que “O desejo das pessoas por justiça em seu país não diminuiu”, e “na verdade, ele se fortaleceu – e com razão, posto que a maioria dos cidadãos está arriscando a própria vida para combater a ameaça genocida da Rússia. As pessoas estão tão pessoalmente engajadas no futuro da Ucrânia que se tornaram mais sensíveis do que nunca a qual tipo de país estamos nos tornando e como as coisas deverão ser depois da guerra”.
Como se não bastasse, Zizek faz propaganda do fantoche Zelensky, e diz que, mostrando esse engajamento para a construção do futuro do país, “o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky demitiu recentemente diversos oficiais de alto escalão suspeitos de corrupção e outras ofensas. Mas ainda resta ver se a campanha ucraniana anticorrupção se tornará um questionamento mais radical”. Chega a ser emocionante imaginar um preposto do imperialismo, como Zelensky, lutando para combater a corrupção, nossos ficam marejados, até.
Adiante, Zizek, questiona se a Ucrânia, pós-guerra, se deixará colonizar pelas corporações imperialistas, ou “se unirá à reação populista contra a globalização e os livres mercados, como fez a Polônia? Ou ela fará a aposta maior e tentará ressuscitar a democracia social à moda antiga?”.
Não satisfeito em elogiar o governo ucraniano, Zizek elogia a Polônia, que é um país governado por uma extrema-direita raivosa e que mais tem se empenhado em combater a Rússia em favor da OTAN. Também, não se sabe “democracia social à moda antiga” à qual o ‘filósofo’ se refere. Será aquela que surgiu do Euromaidan?
Israel
Zizek diz que “É verdade, a ocupação israelense da Cisjordânia não é o resultado de uma ofensiva ou de uma invasão militar. Mais propriamente, ela é o legado da guerra árabe-israelense de 1967, da qual os estados árabes saíram derrotados” e deixa de fora o imperialismo, o principal financiador, não tem nada de legado de guerra. Israel é o braço armado dos EUA no Oriente Médio.
Como tudo pode piorar, Slavoj Zizek, nos alerta, pois “deve-se tomar cuidado ao se engajar em discussões acerca da disputa israelense-palestina, pois ela é comumente usada para fomentar o antissemitismo – um problema crescente no Ocidente. Um tremendo cuidado é ainda mais necessário neste momento, agora que a violência dos israelenses e dos palestinos está novamente em alta”. Ou seja, Zizek já limita o debate e deixa uma porta aberta justamente para os sionistas que acusam de antissemitas a todos que reclamam de suas atrocidades.
Como não pode escapar totalmente da realidade, o ‘filósofo’ diz que é “que a maioria dos atuais palestinos na Cisjordânia nasceram sob a ocupação, e, depois de quase seis décadas, não têm nenhum prospecto de conquistar uma soberania estatal real”. Quanto a não conquistarem uma soberania, ainda é cedo para dizer, principalmente se considerarmos o apodrecimento do imperialismo, principal sustentáculo do Estado israelense. Após a derrota da OTAN no Afeganistão, estamos vendo aproximações entre diversos grupos islâmicos que estão passando por cima de divergências antigas, como é o caso do Hamas e do Hezbollah.
Segregação
Finalmente, Zizek terá que enfrentar sua principal contradição no texto, pois, apesar de acusar a “a mídia ocidental [que] não poupa elogios à ‘resistência heroica’ dos ucranianos, mas cala-se diante da situação dos palestinos na Cisjordânia, que resistem a um regime que se torna cada vez mais comparável ao defunto sistema de apartheid da África do Sul”, o autor simplesmente se cala diante do apartheid praticado na Ucrânia, contra as minorias russas e as atrocidades contra a população do Donbass.
Zizek não faz uma única referência à nazificação da Ucrânia, ou dos oito anos de bombardeios, assassinatos e torturas contra civis praticados pelos batalhões Aidar e Azov. Deveria ter entrado nesse tema, pois a limpeza étnica praticada na Ucrânia e na Palestina são análogas. Zizek poderia ter mencionado que os nazistas ucranianos foram armados e treinados pela OTAN. Talvez, não sabemos, o ‘apreço’ por seu cargo de diretor internacional em uma universidade de Londres o tenha feito calar.
Slavoj Zizek poderia ter comparado os métodos sionistas aos dos nazistas, como fizeram, em 1948, Albert Einstein, Hannah Arendt, e outros intelectuais judeus, sem medo de serem confundidos com antissemitas.
Nos parágrafos seguintes, Zizek faz divagações sobre o Estado de Israel, seu governo. A situação dos árabes israelenses, mas nada disso tem realmente importância. Pois, no final, traz para seu socorro “a profunda filiação histórica dos judeus ao esclarecimento e à busca pela justiça”. A confusão entre judaísmo e sionismo é proposital, pois levanta possibilidade de os israelenses superarem as contradições do sionismo e encontrarem um caminho para a paz.
Embora Slavoj Zizek seja considerado de esquerda, pelo menos no mundo acadêmico, e ter livros publicados no Brasil, o que temos nele é mais uma cabeça cooptada, um porta-voz dos interesses do imperialismo que transita pelas universidades fazendo pose de ‘pós-marxista’. E que é, sobretudo, um indivíduo extremamente direitista.