Primeiramente, vê-se claramente como a administração de Lula tem dificuldade de se impor nas questões principais. Isso decorre diretamente das reformas que foram aprovadas durante o golpe de Estado: na questão da política monetária e da taxa de juros, tal fenômeno pode ser observado com toda claridade. Afinal, uma reforma feita pelo governo Bolsonaro, a saber, a “independência” do Banco Central, que era uma reivindicação antiga dos neoliberais, está imobilizando o petista e impedindo que este decida como o Estado deve induzir a economia.
Além da questão do Banco Central, as reformas neoliberais do Temer paralisam profundamente o governo também em outras áreas. Por exemplo, a privatização da Eletrobrás fez com que o governo, que possui 40% das ações, tenha apenas 10% dos votos no conselho da empresa, atuando como um acionista minoritário incapaz de decidir sobre os rumos da empresa estratégica.
Para o governo comprar de volta as ações da Eletrobrás, teria de pagar o dobro do seu valor real no mercado. Obviamente, trata-se de toda uma legislação criminosa contra o Estado nacional e contra o povo brasileiro. Não à toa, o próprio presidente Lula denunciou tal situação em sua entrevista ao Brasil 247, classificando-a como um crime de lesa-pátria.
Com isso, ele deixou sub-entendido que o governo não consegue tomar nenhuma decisão sobre os assuntos mais prementes, pois está de mãos atadas – em grande medida, em razão das reformas neoliberais e das privatizações levadas adiante por Michel Temer. A questão do Banco Central demonstra tal fato, bem como a privatização da Eletrobrás também deixa claro; a reforma trabalhista e o seu grande impacto nos sindicatos também é outro exemplo disso; além da PEC do Teto de Gastos, que torna muito estreito os limites para onde pode se mover o governo. Há, ainda, a própria Petrobrás, que é cada vez mais controlada por seus acionistas, enquanto o Brasil privatizava suas refinarias e se via, novamente, na condição de importador de petróleo.
Finalmente, o governo está com suas possibilidades de ação extremamente limitadas por conta da ação no período anterior dos golpistas. Lula comentou, durante a entrevista ao Brasil 247, que iria levar as condições da privatização da Eletrobrás à Justiça por considerar um atentado contra o Estado brasileiro. Embora ele esteja correto na conclusão, não faz sentido crer que o Judiciário contribuiria com a reestatização da empresa – precisamente porque o próprio STF chancelou a privatização e, inclusive, o golpe contra a Dilma. Finalmente, trata-se de um poder a serviço dos banqueiros, que sequer é eleito.
Portanto, há um conjunto de leis que determinam, praticamente, que tudo que for produzido no país deve ser entregue ao capital privado – em especial, ao capital estrangeiro.
Com a situação política do País, em que o governo sequer consegue governar – pois não tem nem 15% dos parlamentares no Congresso, graças à deformação criada pelo sistema eleitoral brasileiro, não consegue tomar nenhuma decisão nas estatais e está totalmente engessado na questão dos gastos públicos –, o problema que se coloca é o seguinte: como se livrar de todas essas amarras?
Primeiramente, o próprio Lula deveria vir à cadeia de rádio e de televisão denunciar, em um pronunciamento oficial, a situação de encurralamento em que o governo se encontra. Lula deveria pôr a público o quanto os banqueiros subtraem do orçamento nacional, através da dívida pública, pois é um direito dos trabalhadores saberem o tipo de vampiro econômico que o governo está tendo de enfrentar.
Além da denúncia da situação, é preciso começar uma campanha em defesa de um plebiscito revogatório, ou seja, de uma medida de conjunto para atacar esta situação, uma medida democrática. Nele, o povo deve ser chamado a votar em todas as reformas feitas durante os governos Temer e Bolsonaro: isto é, votar na revogação da reforma trabalhista, da reforma da previdência, da PEC do Teto de Gastos, do Banco Central independente, na privatização da Eletrobrás, na lei das estatais e na questão da dívida pública, por exemplo.
É preciso a convocação desse plebiscito, com cerca de 15 medidas, em que todo o povo vote a favor ou contra cada um dos itens, sob a base de um amplo debate nacional. Só assim o governo Lula pode derrubar as medidas que hoje o encurralam e colocar os capitalistas na defensiva. Além do mais, a mobilização em defesa do plebiscito revogatório e o debate gerado por isso cumprem um papel extremamente progressista para a consciência da classe operária.
Finalmente, caso vitoriosa, a derrubada das medidas que asfixiam o governo cumpriria um grande papel na luta contra o regime golpista, na medida em que lhe imporia uma dura derrota institucional e atacariam suas principais bases, sob a qual consegue impedir Lula de governar.