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Caso Cuca

Os identitários defensores da prisão perpétua

A suposta rejeição à contratação do técnico Cuca pelo Corinthians não tem nada a ver com sua aptidão técnica, mas sim por uma moralidade pequeno-burguesa e repressiva

Neste dia 20 de abril, o Corinthians anunciou a contratação do técnico Cuca para substituir Fernando Lázaro. Entretanto, tal anúncio deu início a uma campanha de críticas ao novo treinador da equipe paulistana na imprensa burguesa em razão de uma acusação de abuso sexual, que ele acumula de 35 anos atrás.

Um dos principais expoentes da campanha contra a contratação de Cuca foi o jornalista esportivo Juca Kfouri. Ele é colunista de assuntos esportivos no UOL, grupo da família Frias que controla a Folha de S. Paulo, e repercute as opiniões e campanhas do capital financeiro contra o futebol brasileiro.

Juca Kfouri, comentando o caso, classificou-o como um “estupro à história do Corinthians”. Para ele, a contratação de um técnico acusado de abuso sexual seria uma hipocrisia por parte de um time que fez uma campanha chamada “respeita as minas”. Em suas palavras, o funcionário da família Frias disse:

“Eu não vou entrar na discussão se se trata ou não de um bom treinador de futebol, o que eu quero ressaltar, e confesso já uma certa estafa, porque desde ontem, 4h da tarde, eu não trato de outra coisa, é que é um estupro à história do Corinthians o que essa diretoria faz. Porque é a demonstração de hipocrisia mais descarada dos últimos tempos. Um clube que faz uma campanha ‘Respeita as Minas’ poderia contratar qualquer um, menos alguém que tem uma condenação por ter participado de um estupro de menor e que, para mim, esse é o ponto, que jamais se desculpou”.

É preciso ter claro de que essas declarações não têm o menor sentido. Primeiramente, Juca Kfouri defende a política da extrema-direita para a questão da criminalidade: se o indivíduo for acusado de um crime, ou, mesmo se tiver o cometido, ele precisaria ser proscrito para toda a vida. Os bolsonaristas chegaram a elaborar a palavra de ordem “bandido bom é bandido morto”; a esquerda pequeno-burguesa defende que essa concepção não seja aplicada aos crimes contra a propriedade, mas a aplica aos chamados “crimes contra a mulher”.

Trata-se, finalmente, de uma consequência do caráter pequeno-burguês desses setores – tanto progressistas, quanto conservadores –, que tendem a ter uma visão moralista da sociedade e, portanto, do crime.

Além do mais, o suposto crime aconteceu há mais de 35 anos. Impedir Cuca de trabalhar no esporte por conta disso equivaleria a estabelecer uma condenação perpétua. Teríamos, se aplicado o que deseja Juca Kfouri, o seguinte regime jurídico no país: o cidadão, que é acusado de um crime, do qual nunca houve uma ordem de prisão contra ele, teria de viver à margem da sociedade, impedido para sempre de exercer qualquer cargo de destaque.

Os defensores disso poderiam argumentar: mas é só no caso de o cidadão ser acusado de estupro! Como se o estupro fosse um supracrime, uma categoria acima dos demais, que devesse pôr o estuprador na categoria de desumano. No entanto, se tal raciocínio vale para os estupradores, por que também não vale para os assassinos? E para os assaltantes?

A defesa de tal política coloca as seguintes questões: quais serão os crimes que terão de proscrever para sempre o criminoso da vida pública? E quem definirá que crimes serão esses?

Naturalmente, a tese de que um cidadão, ao ser acusado de um crime – ou mesmo se tiver, de fato, o cometido – deva ser proibido de exercer qualquer atividade dentro da sociedade, mesmo que tenha passado mais de 3 décadas de sua suposta ocorrência, é uma tese totalmente alienígena a um Estado democrático. Se ele não deve nada a justiça de seu país, nada deveria o impedir de voltar ao trabalho, não interessa a gravidade do crime que tenha cometido.

Outro aspecto importante da argumentação do jornalista esportivo, que revela o quão a defesa dos direitos democráticos da população foi deixada de lado por este papagaio do UOL, diz respeito a seguinte tese, apresentada no final de sua exposição: “e que, para mim, esse é o ponto, que jamais se desculpou”.

Ora, ele nega as acusações. Por ter sido acusado, ele se torna, automaticamente, culpado? Ademais, de onde vem a exigência de se desculpar? Não há nenhuma exigência legal que o obrigue a pedir desculpas por nada, mesmo que tenha cometido um crime. Trata-se de uma tentativa de controlar a consciência das pessoas e de obrigar todo mundo a concordar com suas ideias, uma postura típica dos identitários.

Durante os Processos de Moscou, também os acusados eram obrigados a “confessar” seus crimes – no caso, usava-se o método das torturas. Na Idade Média, operava-se da mesma maneira. No entanto, em um regime democrático, o Estado não pode estabelecer nenhum controle sobre a consciência: portanto, a exigência de que uma pessoa se “desculpe” por um suposto crime para que possa voltar a viver em sociedade é absurda.

Vejamos, ainda, outros argumentos que Juca Kfouri apresentou para defender que Cuca não pudesse ser contratado como técnico do Corinthians:

“Não se trata de dizer: ‘Mas você é a favor de uma pena perpétua?’, porque não sou. ‘Mas por que durante tanto tempo não se falou disso’, porque eram outros tempos, porque não havia a consciência que há hoje em relação à necessidade da proteção da mulher, da covardia que é o estupro. Nós não tínhamos, 40/35 anos atrás, tanta informação como se tem hoje”

Ainda que procure negar, fato é que Juca Kfouri defende uma pena perpétua caso o cidadão seja acusado de cometer estupro – e é preciso ter claro: o jornalista esportivo defende tal política para Cuca, que foi somente acusado e cuja suposta vítima não o reconheceu. Ou seja, os direitos democráticos das pessoas que cometem crimes – ou que são acusadas – deveriam ser jogados na lata de lixo em nome da condenação moral. Trata-se de uma concepção de Estado típica do Absolutismo.

A respeito da segunda tese, chega a ser absurda a sua própria formulação. Há 35 anos não se tinha noção de que o estupro é algo covarde? Ou, então, seria normal estuprar as pessoas na década de 1980? É óbvio que não. O que Juca Kfouri procura fazer é apelar para o aspector moral da questão, demonstrando uma monstruosidade e uma covardia inerentes ao delito; com isso, tenta estigmatizar o criminoso para que se justifique passar por cima dos direitos do acusado e estabelecer uma pena ad eternum.

Por fim, vejamos também outro comentário de Juca Kfouri, que denota o seu papel de propagandista das ideias da imprensa burguesa nessa campanha identitária contra Cuca:

“Confesso que estou até agora abalado com essa contratação do Corinthians e com muita dificuldade em tratar da questão técnica, porque eu acho que a questão moral se sobrepõe de tal maneira que a questão técnica rigorosamente deixa de me interessar”, disse o jornalista esportivo.

Sobre isso, é preciso ter claro: Juca Kfouri é um comentarista esportivo, de tipo técnico, não um padre. Sua opinião moral, tipicamente pequeno-burguesa, não deveria interessar a ninguém. Em uma imprensa normal, a função de um analista é apresentar análises sobre as capacidades técnicas do treinador, dos jogadores, das equipes e até dos dirigentes; suas opiniões morais não poderiam servir de baliza para que se faça uma campanha contra um treinador.

No entanto, como, por algum motivo, a imprensa burguesa de conjunto iniciou uma campanha para tirar Cuca da vida pública, parece bastante conveniente que a “questão moral” para Kfouri se sobreponha a questão técnica.

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