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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

História em quadrinhos

O poder judiciário nas aventuras de Dylan Dog

Para Dylan Dog, entre os piores pesadelos estão a censura e as arbitrariedades do poder judiciário.

Dylan Dog

Quem aprecia história em quadrinhos, certamente conhece Dylan Dog, o detetive do pesadelo, criado por Tiziano Sclavi e lançado em 1986; ao lado de Tex, Zagor, Martin Mystère e Nathan Never, Dylan Dog está entre as famosas personagens dos quadrinhos italianos da editora de Sérgio Bonelli. Lançadas no Brasil diversas vezes, as aventuras do detetive do pesadelo, atualmente, seguem aos cuidados da editora Mythos; no número 28, de abril de 2022, Dylan se vê às voltas com censores de histórias em quadrinhos capitaneados por um juiz fascista e oportunista.

O tema principal dos quadrinhos produzidos por Sergio Bonelli são aventuras centradas em heróis carismáticos, cada um deles com sua especialidade; Dylan Dog, certamente o mais célebre deles ao lado do cowboy Tex, reside em Londres na virada do século XX para o século XXI, investigando casos envolvendo sobrenatural, paranormalidade e ficção científica. Embora a comparação com o não menos famoso seriado de televisão “Arquivo X” seja quase imediata, devemos nos lembrar de que o seriado foi ao ar somente em 1993, sendo inspirado em duas séries anteriores, isto é, “Os invasores”, de 1967, e “Kolchak e os demônios da noite”, de 1974; além disso, Dylan Dog não é agente do governo, mas detetive particular e, semelhantemente a Carl Kolchak, o jornalista do seriado de 1974, quase sempre é descreditado pelas autoridades legais.

O número 22 traz a história “Caça às bruxas”, aventura publicada originalmente na Itália em maio de 1992, cujo roteiro é do próprio Sclavi, com desenhos de Piero Dall’Agnol. Fazendo alusão à caça às bruxas do Santo Ofício, a HQ tem início em masmorras nas quais três moças são interrogadas sob torturas medonhas por juízes macabros; tais juízes, procedendo com tanta violência e arbitrariedade, terminam invocando e sendo vítimas dos demônios, que tanto perseguem. Anos depois, Daryl Zed, o detetive do oculto, ao penetrar naquelas catacumbas, liberta indevidamente os fantasmas dos inquisidores; nesse momento, nos damos conta de estar lendo, na HQ de Dylan Dog, as aventuras de Daryl Zed, uma criação do quadrinista Justin Moss, outra personagem da história “Caça às bruxas”. Na trama, um menino, apreciador dos quadrinhos de Daryl Zed às escondidas da família, é descoberto pelo pai; a partir disso, esse pai apresenta denúncias contra Justin Moss, as quais, em princípio inofensivas, acarretam novos processos, queimas de HQs em praça pública por militantes nazistas e, infelizmente, o cancelamento da revista.

Ora, ao retratar as desventuras de Moss, o autor se identifica com ele, afinal, Sclavi também escreve quadrinhos sobre um detetive do sobrenatural, expondo-se a ser considerado, igualmente à suas personagens, imoral e depravado, merecedor, portanto, do mesmo tratamento inquisitorial. Protestos semelhantes aos de Tiziano Sclavi e Piero Dall’Agnol não são exagero; na história das HQs, convém não se esquecer do livro “A sedução dos inocentes”, do psiquiatra Fredric Wertham, publicado em 1954, no qual se defende a tese das revistas em quadrinhos serem uma forma de literatura ordinária capaz de levar jovens à delinquência. Escrito por um reacionário, cuja discutível formação em psiquiatria o impediu de denunciar as verdadeiras causas da delinquência, isto é, as injustiças sociais levadas adiante pelo capitalismo, o livro serviu de base para fascistas, tais quais o senador estadunidense Joseph McCarthy, nos anos de 1950, proibirem numerosas HQs de circular em seus países, além de perseguir cineastas, dramaturgos, atores e demais artistas.

O gênero terror, em regra, costuma ser rotulado de imoral, agressivo, machista etc.; sempre aparecem moralistas acusando quadrinistas, diretores de cinema, músicos ou atores de semearem discórdias, adorarem demônios, corromperem a moral. Não raramente, crimes são atribuídos a influências de artistas do horror, por exemplo: (1) O filme “Vampiros da meia-noite”, 1927, com atuação do genial Lon Chaney; (2) as HQs “Cripta do terror” e demais publicações da Entertaining Comics, de William Gaines, na década de 1950; (3) bandas de heavy metal e videogames, atualmente; (4) nem mesmo os animes “Pokemon” e “Yu-Gi-Oh” escapam de acusações assim. Essas imputações são demenciais, nenhuma procede dos fatos; infortunadamente, elas são dispersivas, desviando a atenção dos verdadeiros motivos da violência juvenil, culpando artistas em vez da burguesia, essa sim, composta por monstros psicopatas bem piores do que zumbis, vampiros ou lobisomens, pois existem na realidade. Dessa maneira, não causa surpresa a militância dos verdadeiros artistas pela liberdade de expressão.

Em “Caça às bruxas”, Dylan Dog termina se envolvendo com juízes, milicianos e capitalistas criminosos em busca do amigo Justin Moss, quem desaparece no meio da trama; no final, o próprio Dylan se confunde com a personagem Daryl Zed, tornando-se personagem da HQ de Moss, dentro da HQ de Sclavi e Dall’Agnol. Vale a pena buscar por essa história de Dylan Dog e por suas aventuras no site da editora Mythos, sempre desenhadas e roteirizadas com excelência, afinal, os artistas italianos são exímios contadores de histórias e sempre primaram nas artes plásticas.

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*As opiniões dos colunistas não expressam, necessariamente, as deste Diário.

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