O Conformista (Il Conformista, 1970) é um dos filmes mais famosos do diretor italiano Bernardo Bertolucci. É um filme político que tem como objetivo representar, através de seu personagem principal, a mentalidade capitalista em um regime fascista.
O ator francês Jean-Louis Trintignant interpreta Marcello Clerici, um aristocrata decadente e empobrecido, em meio à ascensão de Benito Mussolini. Ele adere à política e passa a perseguir dissidentes.
Ele é o conformista do título. O adjetivo, em português, gera uma certa ambiguidade. Aqui, não falamos de um conformista como uma pessoa resignada que se conforma com uma dada situação. Na verdade, trata-se de alguém que age de acordo, que se adapta, se camufla como um camaleão, que se adequa às circunstâncias, age conforme.
A ação se passa entre 1918 e 1945 a partir de fatos que acontecem com Marcello e que tentam explicar sua formação e adesão. Não há uma cronologia, mas lapsos de tempo. A II Guerra Mundal, por exemplo, é um desses lapsos. Bertolucci está interessado no período anterior à guerra e nas mudanças políticas que vão levar ao conflito.
O cineasta trabalha com personagens-tipo. Um dos melhores amigos de Marcello é |talo (José Quaglio), um cego. O nome e a condição física são metáforas do italiano que aderiu por convicção ao regime fascista.
Marcello não é assim. Ele tem boa formação, é um intelectual, foi à universidade. Sua adesão se dá também pelo cálculo, pela vantagem, pelo ganho. Daí a ideia de uma mentalidade capitalista. Talvez, o título em português poderia ser o oportunista.
Obviamente, ao se tornar funcionário de um estado totalitário, ele se submete também para não sofrer as consequências. Ele é um individualista acima de tudo. Casa-se por interesse com a burguesinha Giulia (Stefania Sandrelli) e esconde, de maneira ambígua, sua homossexualidade enrustida.
Interessante notar como o cineasta representa quem manda. Ao ser designado a uma missão, Marcello precisa ir ao governo. O poder da burguesia fascista é representado pelo cenário, pela arquitetura de espaços gigantes que parecem engolir os indivíduos.
Uma das cenas mais interessantes de O Conformista mostra o assassinato do professor Quadri (Enzo Tarascio). Sua morte é uma representação da incapacidade de análise de conjuntura de um tipo de intelectual que acredita nos fundamentos civilizatórios europeus e não consegue perceber a perigosa correlação de forças em jogo e a barbárie que o cerca.
O filme foi feito em um momento em que vários cineastas produziram filmes para discutir o fenômeno do nazi-fascismo. Pasolini, por exemplo, fez Pocilga (1968) e o brilhante Saló (1975). Luchino Visconte fez Os Deus Malditos em 1969. Ingmar Bergman fez O Ovo da Serpente em 1977. Podemos adicionar a esta lista também, um pouco mais distante, Mephisto (1981), de István Szabó, sobre um ator que acha que pode ser mais esperto que os nazistas.
São filmes que refletem sobre a mentalidade nazi-fascista, denunciando-a. O período histórico de sua produção, pós-1968 e as promessas findas de revolução, são como documentos também do que acontecia politicamente nessa época na Europa.
Nasce o Zelenski brasileiro
Para terminar, gostaria de deixar um comentário sobre o Zelenski brasileiro, que nasceu esta semana. Trata-se deste tipo de figura midiática de sucesso, um ator meio humorista, que o imperialismo adora recrutar. É uma receita que tem dado muito certo e lembra a do ator humorista que agora trabalha no papel de presidente da Ucrânia. Infelizmente, as 400.000 mortes de ucranianos na guerra são o lado concreto e nefasto de quem, como Marcello no filme de Bertolucci, adora calcular ganhos futuros e brincar de faz-de-conta.
