Em 1922, o Clube de Regatas Vasco da Gama, com a alcunha de Os Camisas Negras, devido à cor de seu uniforme, conquistou o seu primeiro título: a Série B da Primeira Divisão, que garantiu o acesso à Primeira Divisão da Liga Metropolitana de Desportos. Formado por um elenco composto por atletas negros e mestiços como Nelson da Conceição, que saiu do Engenho de Dentro, Ceci do Vila Isabel, e Nicolino, do Andaraí. Além de outros jogadores com a cor de pele branca pertencentes as classes socioeconômicas mais baixas, alguns não sabiam sequer assinar o nome. Mal tinham conhecimento, mas em breve, esses jogadores estavam a fazer um feito revolucionário na história do futebol mundial. Este elenco viria a se tornar o primeiro time do Brasil multiétnico de composição majoritariamente negra a vencer o Campeonato Carioca de 1923, mudando completamente a cultura futebolística brasileira que privilegiava equipes esportivas compostas pela aristocracia branca e inglesa presente no Brasil.
O time do Vasco da Gama seguia a tradição lusitana da miscigenação racial algo que não era comum naquele tempo. Apesar de o Vasco não ter sido o primeiro time a integrar jogadores com a cor de pele negra no seu time, pois, os clubes do Rio já punham mulatos e negros em campo desde 1905, sendo o pioneiro o Bangu, o cruzmaltino foi o primeiro a ter tido a ousadia de conquistar o Carioca de 1923, derrubando, com a sua postura antirracista, a cultura elitista e preconceituosa que vigorava nas entidades esportivas que dirigiam o país.
Como descrito no livro “ O Negro no Futebol Brasileiro” de Mario Filho, na época a sociedade não deu importância a subida do Vasco a primeira divisão, não acreditavam que um time com um campinho pequeno na Rua Morais e Silva que não servia sequer para jogos de primeira divisão fosse bater de frente com gigantes do futebol Carioca como Flamengo, Fluminense e Botafogo que já tinham os seus respectivos estádios em locais muito melhores e com uma condição econômica muito superior.
Porém, o time do Vasco da Gama diferente de todos os outros, os jogadores treinavam em campo brincando com a bola, jogando como se jogavam nas peladas que praticavam em suas respectivas periferias desenvolvendo o futebol arte muito superior ao futebol enrijecido trazido pelos europeus e praticados pelos brasileiros de origem aristocrática que jogavam nos times tradicionais da época como Flamengo, Fluminense, América etc.
A superioridade do Vasco era claramente visível para os cariocas, no primeiro tempo dos jogos do Carioca, os jogadores do time adversário suavam e estavam visivelmente acabados, enquanto no segundo tempo os craques cruzmaltinos pareciam que nem tinham começado a jogar!
Quanto mais o Vasco vencia, mais os campos enchiam. Até o estádio do Fluminense ficou pequeno. Gente que nunca tinha assistido a uma partida de futebol deu para comprar a sua arquibancada.
Os Camisas Negras arrastavam multidões para os estádios, os pobres das peladas e de um clube pequeno composto por brancos, mulatos e negros ganhando de lavada dos grandes clubes compostos só de brancos e da aristocracia carioca, atraía as camadas mais abastadas da sociedade que se identificavam com o Vascão, transformando o futebol em um esporte efetivamente popular!
Muitos dos jogadores do Vasco não sabiam ler nem escrever, sem emprego, sem nada, porém, jogavam futebol como ninguém, tinham um talento extraordinário para o futebol mesmo sem ter tido qualquer instrução futebolística pelos técnicos europeus, eles demonstravam um talento muito acima de média, jamais visto antes na história deste país.
Nessa época, apostar contra o Vasco era perder dinheiro na certa, o português tinha ganho dinheiro à custa do time do Vasco apostando com o torcedor do Flamengo, do Fluminense, do América, do Botafogo. Havia bastante tempo que ninguém apostava contra o Vasco.
O Vasco da Gama foi campeão do campeonato carioca de futebol de 1923, com 12 vitórias, 1 empate e somente uma derrota para o Flamengo. Foi uma vitória contra o racimo e uma vitória do futebol brasileiro negro e miscigenado contra o futebol aristocrático de origem europeia que predominava na época.