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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Economia

Novo marco fiscal e projeto de desenvolvimento nacional

"Apesar do governo Lula estar cercado por tubarões, há a oportunidade agora de reversão dessas políticas e da construção de um projeto nacional"

Sabidamente o fim do teto de gastos (EC nº95) é condição indispensável para qualquer projeto de retomada do crescimento e de melhoria de vida da população brasileira. O congelamento de gastos primários (sociais) por 20 anos em termos reais, além de inusitado no mundo, anula as possibilidades de retomada de crescimento econômico e social.  

nova regra fiscal, apresentada no dia 30 de março prevê que os gastos do governo não podem ter crescimento acima de 70% do crescimento da receita. O que significa que, qualquer aumento de despesas irá depender diretamente do aumento da arrecadação. A proposta estabelece também metas de superávit primário. A ideia é que o governo tenha déficit primário zero em 2024, superávit de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026. A variação tolerável para essas metas seria de 0,25 ponto percentual, para mais ou para menos. 

Caso a meta de superávit primário não seja atingida em determinado ano, e o resultado fique fora da faixa de tolerância, o governo terá que reduzir o crescimento de despesas para 50% do crescimento da receita no ano seguinte. Essa é uma regra que, mesmo dentro dos marcos fiscalistas, não faz muito sentido porque se a meta de superávit não for atingida, possivelmente será por uma arrecadação insuficiente. Nesse caso a ação de governo teria que ser de expansão dos gastos, contribuindo assim para estimular a retomada do crescimento. Cortar ainda mais os gastos em caso de não superávit abaixo da meta, significa uma ação pro-cíclica do governo, que tenderá a piorar ainda mais o desempenho da economia.  

Pelo que foi divulgado até o momento, a proposta centra no corte de despesas e na preservação do superávit primário, não rompendo assim com os paradigmas estabelecidos no Brasil para as políticas fiscais, desde muito tempo. Nesse sentido a proposta procurou obter o apoio dos grandes bancos e do sistema financeiro.  As margens de movimentação econômica do governo são muito limitadas. De certa forma, na questão econômica o governo tem patinado. Assim, a proposta visa fornecer algum oxigênio fiscal ao governo, porém mantendo intocados os ganhos financeiros dos rentistas, que os são os mais elevados do mundo. 

O problema é que todo o programa do atual governo, de retomada do crescimento econômico e da necessária ampliação dos gastos sociais, pressupõe a elevação significativa das despesas públicas, com vistas a gerar um ciclo de retomada da produção e consumo. Uma política fiscal de restrições de gastos sociais, neste momento, entraria em choque com tal política de recuperação do crescimento. 

A meta de zerar o déficit primário já em 2024, e gerar superávits nos anos seguintes, entra em rota de colisão com as necessidades de investimentos sociais, em saúde, educação, e moradia, explicitadas pela estratégia geral do programa de governo. Como, em um cenário de estagnação econômica, compatibilizar superávit primário com os indispensáveis investimentos, por A proposta de novo marco fiscal mantém intocado algo essencial para qualquer ambição de crescimento, que são os gastos escorchantes com serviços da dívida pública, em boa parte causados pelos mais elevados juros reais do mundo, praticados pelo Banco Central do Brasil, de quase 8%. Os dados fiscais do próprio Banco Central mostram que esses gastos deveriam, do ponto de vista técnico, ser o centro de qualquer política fiscal de governo. Segundo tais informações as despesas com pagamento de juros em 12 meses, até fevereiro, chegaram a R$ 660 bilhões. Apenas no primeiro bimestre do ano os gastos acumularam R$ 116 bilhões, mais do que o dobro dispendido no mesmo período do ano passado (R$ 47 bilhões). 

Antes mesmo de assumir, a equipe de Lula lutou para aprovar a PEC da Transição, garantindo ao Orçamento 2023 o montante de R$ 145 bilhões, por fora do teto de gastos, em 2023 e 2024. O valor está sendo destinado ao Bolsa Família e para outras áreas sociais como saúde, combate à pobreza, educação etc. Apesar da evidente imprescindibilidade da PEC, seus defensores tiveram que enfrentar um acalorado debate na ocasião, inclusive com economistas ligados aos banqueiros, em nome de uma suposta saúde fiscal. Pois bem, os gastos com serviços da dívida em apenas o primeiro bimestre do ano, equivaleram a 80% de todo o montante de gastos sociais previsto pela PEC da transição. A estimativa é a de que, se os juros da Selic não baixarem rapidamente, os gastos com serviços da dívida neste ano deverão ultrapassar os R$ 700 bilhões, equivalente a quase o montante de 5 PECs da Transição. 

Essa é uma comprovação de que a responsabilidade fiscal vale apenas para a população pobre do país. Com meia dúzia de banqueiros, sem nenhum compromisso com o desenvolvimento, boa parte estrangeiros, se gastará do orçamento público, somente neste ano, 5 vezes o valor destinado aos pobres do Brasil. Sendo que boa parte destes se encontra no limiar da fome. A taxa de juros exorbitante, e esses pagamentos insuportáveis, são o grande nó fiscal do país, que devem ser desatados. Não tem muito sentido estabelecer mecanismos rígidos de controle de gastos primários, em um período em que a economia brasileira está completamente parada, e ao mesmo tempo manter a torneira aberta para o pagamento de juros aos especuladores. 

É uma evidente desigualdade no tratamento do orçamento público, que é extremamente restrito para a população pobre e completamente liberado para o pessoal do topo da pirâmide. A dívida é um mecanismo infinito de exploração da maioria, que deveria ser denunciado e enfrentado juntamente com a população.  O custo fiscal dessa política de juros do banco central é gigantesco, mas o novo marco fiscal proposto mantém intocado o gasto com juros. A dívida pública líquida foi de 73,5% do PIB em 2022, tendendo a aumentar neste ano, apesar da fortuna que se transfere aos especuladores todo ano.  

Enquanto isso, a população trabalhadora sobrevive do jeito que é possível: o endividamento dos brasileiros alcançou o maior nível histórico já registrado: 77,9% da população, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O último levantamento do Serasa mostrou que 69,43 milhões de pessoas entraram 2023 com nome restrito para a obtenção de crédito.

A experiência mundial e brasileira demonstra que a retomada do crescimento deve contar com políticas públicas indutoras. O Estado deve ser o organizador de ações coletivas empresariais, o que deve começar com taxas de juros básica que estimulem o investimento produtivo. No Brasil ocorreu exatamente o contrário, conforme se pode ver no Gráfico abaixo. O investimento público chegou, no período recente, ao menor patamar desde 1947, 2% do PIB em 2019.

Investimento Público no Brasil (% do PIB)
(Fonte: Observatório de Política Fiscal, FGV)

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Entre os dias 21 e 22 de março, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) organizou um seminário no Rio de Janeiro com o tema “Estratégias do Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI”. Entre os convidados para os debates, além integrantes do governo federal e economistas brasileiros, estiveram presentes vários economistas de outros países. Entre as análises realizadas, uma percepção geral foi a de que os juros praticados no Brasil são um ponto fora da curva em todo o mundo. No evento chamou a atenção a intervenção direta da professora indiana de economia da Universidade de Massachusetts Amherst, Jayati Ghosh. Referindo-se à economia brasileira, a professora indagou: “Por que querem fazer isso com vocês mesmos?” Mesmo em países com orçamentos baixos não investir na capacidade do Estado tem como consequência o enfraquecimento da economia. E os juros altos, claro, inibem esses investimentos”. 

A professora repetiu o que muitos no Brasil têm afirmado, porém sem voz na grande mídia: juros altos seguem uma orientação essencialmente política, apesar da retórica tecnicista. Para ela “Isso não tem base econômica, beira o masoquismo. Bancos centrais e autônomos são suscetíveis a capturas políticas. O déficit público brasileiro está sob controle. Então faria muito mais sentido expandir o produto interno bruto do que implantar esta austeridade fiscal”. A professora criticou ainda, duramente, a estrutura regressiva de arrecadação de impostos no Brasil, na qual os pobres sustentam o Estado. 

O certo é que as políticas fiscais e monetárias não passam de simples instrumentos para se atingir determinados objetivos. Caberia neste momento um vigoroso projeto nacional, que possibilitasse a retomada da indústria do país. O conjunto de medidas encaminhadas ou anunciadas pelos governos golpistas, a partir de 2016, debilitaram ainda mais a indústria: venda de estatais estratégicas sem política de valorização dos ativos, entrega do pré-sal e de outros recursos naturais, achatamento do mercado consumidor interno via arrocho salarial, regressão em décadas na regulamentação do trabalho, esvaziamento do BRICS, fragilização do Mercosul, tudo isso dificultou muito a possibilidade de crescimento de uma indústria robusta no país. 

Apesar do governo Lula estar cercado por tubarões, há a oportunidade agora de reversão dessas políticas e da construção de um projeto nacional. Mas o desenvolvimento desse tipo de projeto só será possível se houver a mobilização da população trabalhadora, principal interessada em qualquer ambição de desenvolvimento nacional e soberano.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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