As manifestações de junho de 2013 são incompreendidas até hoje por um enorme setor do PT e daqueles que se posicionam contra o imperialismo. Principalmente após o golpe de Estado de 2016, para alguns, 2013 ficou marcado como o início dos atos coxinhas golpistas, o que não foi o caso. Essa é tese do colunista do Brasil 247 Bepe Damasco em seu artigo A obra nefasta de junho de 2013 em que ele considera “o golpe contra Dilma, a Lava Jato, a caçada a Lula e a ascensão de Bolsonaro” como consequência das manifestações de 2013.
O texto começa com dados do governo Dilma: “As jornadas de junho, que completam dez anos, se deram no seguinte contexto: desemprego – 4,3%, o menor da história; inflação – 5,91%; preço da gasolina – R$ 2,64; diesel – R$ 1,99; gás de cozinha – R$ 41,95. Por tudo isso, o primeiro governo Dilma Rousseff, em seu terceiro ano, contava com altos índices de aprovação nas pesquisas. O Brasil estava fora do mapa da fome e desfrutava de democracia plena e protagonismo internacional”. De fato não havia uma grande insatisfação em relação à presidenta, que não foi alvo de crítica inicialmente dos atos. Os principais atacados pela população mobilizada foram os governadores de direita de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Ele então segue afirmando: “O país nunca mais foi o mesmo depois que um movimento de protesto pelo aumento de 20 centavos na passagem, em São Paulo, foi apropriado primeiro pela direita tradicional, liderada pelas Organizações Globo, e depois pela extrema-direita, que passou a dar as cartas”. A verdade é que junho de 2023 não foi um grande divisor de águas. O movimento golpista contra a presidenta Dilma se intensificou a partir das eleições de 2014 principalmente 2015, e o grande divisor de águas foi o golpe de Estado de 2016. As manifestações golpistas de 2015 e 16 já nada tinham a ver com os atos populares do início de 2013.
A tese do autor é que os manifestantes radicais de 2013 eram, na verdade, financiados pela direita: “as estrelas de 2013, os tais “black bloks” (mascarados que quebravam tudo que viam pela frente) sequer deram o ar da graça ao longo de quatro anos terríveis. Isso só reforça a suspeita de que muitos dos integrantes destes agrupamentos de vândalos não eram anarquistas coisa nenhuma, como se anunciavam, mas sim milicianos a soldo da extrema-direita”. Aqui se apresenta o erro clássico de quem não participou das mobilizações. O setor black bloc era composto de uma juventude que queria tomar ações mais radicais. Havia infiltrados, contudo, isso não era o caráter principal dos manifestantes.
O que de fato aconteceu é que diante da infiltração da direita nos atos, o PT e a CUT, as principais organizações da esquerda nacional, não travaram a luta política. Os atos então ficaram jogados à confusão e foram eventualmente tomados pela imprensa burguesa, que os desmobilizou. O problema, portanto, não foi o excesso de black blocs, mas a ausência de uma esquerda organizada que não se colocasse contra as mobilizações e que conseguisse agrupar o setor revoltado da juventude que saiu às ruas.
Bepe então demonstra como sua política é reacionária: “Não custa lembrar que a exemplo dos golpistas de 8 de janeiro de 2023, os ‘revolucionários’ de 2013 também avançaram sobre as sedes dos Três Poderes, em Brasília, e as cercaram, só não invadindo os prédios porque foram contidos pelas forças de segurança”. Para o colunista, as sedes do governo não devem ser ocupadas por manifestações populares. Ele esquece que não só o Planalto foi alvo como também os palácios de governo do Rio de Janeiro e em Minas Gerais. No Rio de Janeiro, a polícia reprimia violentamente os atos em frente ao Palácio Laranjeiras meses após junho, com destaque para a greve dos professores.
Mais grave do que isso, para Bepe, o braço armado do Estado tem todo direito de reprimir manifestações populares, inclusive de maneira violenta. Uma política que está longe de ser de esquerda.
O artigo comenta, também, o movimento “Não Vai Ter Copa”: “Outro alvo dos manifestantes de dez anos atrás era a Copa do Mundo. Jovens ligados a partidos e grupos pretensamente esquerdistas ecoavam o cântico “não vai ter copa, vai ter luta”, uma ação política que tinha o nítido objetivo de criar um constrangimento para o governo petista no exterior. Chegaram mesmo a tentar marchar sobre os estádios nos dias de jogos, para tumultuar a competição e atrair holofotes da mídia de todo o planeta”. O interessante aqui é que o autor solta o comentário sem dar nomes aos bois. Foram o PSOL e, principalmente, Guilherme Boulos quem lideraram essa mobilização golpista contra a Copa do Mundo, que se fortaleceu ainda mais em 2014. Se existe de fato uma luta contra o golpismo é preciso deixar claro quais partidos e personagens estão no bloco golpista.
O grande problema da incompreensão das manifestações de 2013 e também dos atos bolsonaristas é a posição reacionária de se colocar contra os atos de rua de forma geral. É preciso, pelo contrário, ampliar cada vez mais a mobilização, mas de forma organizada. O autor comenta: “Anos depois, Bolsonaro esteve a um passo de transformar em cinzas o regime democrático e contribuiu para a morte de centenas de milhares de brasileiros na pandemia sem que nem uma miserável fagulha do ‘impeto cidadão’ de 2013 voltasse a se manifestar”.
O ano de 2021 foi um ano de grandes mobilizações de rua, de certa forma maiores que as de 2013, pois duraram cerca de 5 meses. Contudo, a diferença é que foi a esquerda organizada que estava a frente das mobilizações. Foi, portanto, uma grande evolução em relação aos atos confusos de 2013. Além do PCO, as bases do PT, da CUT, do MST e de outras organizações foram as que protagonizaram os atos de 2021 que foram quem elevou a candidatura de Lula e desgastou completamente Bolsonaro, assim permitindo sua derrota em 2022.
Os atos de 2013 mostram a importância da organização de uma esquerda combativa. Nos dias de hoje, é difícil que se repitam dada a reorganização da esquerda. Mas as reivindicações continuam semelhantes, derrubar os governadores da direita, os ministros direitistas e todos os representantes da burguesia que estão no poder. Como em 2013, as mobilizações populares não tendem a se colocar contra o presidente, mas sim contra a burguesia e seus representantes no governo.