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Entrevista

Tiago Pires: prisão é um inferno na Terra e não deveria existir

Ao DCO, o militante do PCO e do coletivo de negros João Cândido, Tiago Pires, relatou sua experiência no presídio

Na última quinta-feira (7), o militante do Partido da Causa Operária e membro do coletivo de negros João Cândido, Tiago Pires, foi preso por colar cartazes em defesa da Palestina depois de ser conduzido pela Guarda Civil Municipal até o plantão policial de Araraquara-SP. Em entrevista ao Diário da Causa Operária, o militante da organização trotskista contou em detalhes desde a abordagem da GMC até sua liberação na audiência de custódia. 

O militante do PCO, Tiago Pires, realizava uma atividade de colagem de cartazes com os dizeres “Não à ocupação de Gaza” e “Fim do genocídio israelense contra os palestinos” quando foi abordado pela GCM no centro da cidade de Araraquara, interior de São Paulo. William Stin, conhecido como Cepa, que integra o Comitê de Luta local, também participava da atividade e foi conduzido para a delegacia junto com Pires onde receberam voz de prisão por “dano qualificado ao patrimônio público”. 

Na entrevista realizada no último domingo (10), Pires explicou que sua prisão teve motivações políticas e contou sobre sua experiência dentro do sistema prisional. Acompanhe na íntegra a entrevista e os detalhes de como tudo aconteceu: 

DCO: Companheiro Tiago Pires, você poderia descrever o que estavam fazendo, quando e como foi a abordagem da GCM? 

TP: Nós estávamos caminhando sobre a Avenida Feijó, quando fomos parados pela GCM estávamos entre as ruas 9 de julho e São Bento. A viatura virou na contramão de uma maneira bastante brusca, um guarda já desceu do carro todo agressivo buscando intimidar principalmente o Cepa. Eu questionei por que estávamos sendo abordados e o agente da GCM disse que tínhamos cometido crime ambiental. Achei um absurdo o enquadramento e perguntei como é que colar cartaz em poste prejudicava a natureza. Então, ele mudou o argumento e alegou que seria crime contra o patrimônio público. Novamente questionei sobre qual seria o dano, a gente não derrubou nenhum poste, não danificamos nada. Depois, o guarda estava falando no rádio e alguém perguntou se éramos de alguma organização política, ele respondeu que sim e pediram para nos levar para a delegacia. Eu ainda pedi para ir com meu carro, mas disseram que teria que ir com eles na viatura. 

DCO: E como foi na delegacia? Te comunicaram que seria preso? 

TP: Nós chegamos na delegacia e ficamos lá tomando um “chá de banco”. Pudemos acompanhar alguns acontecimentos, teve um homem que foi preso por não pagar pensão, tinham colocado o cara na cela, depois a advogada trouxe um documento sobre um acordo feito na Justiça e ele foi liberto. Eu achei uma coisa absurda, primeiro porque tenho ressalvas sobre esse tipo de prisão, mas se o cidadão não tivesse conseguido falar com a advogada, ele continuaria preso. Ficamos bastante tempo esperando, daí veio um agente da delegacia e pegou um cartaz, acho que levou para o delegado. Quando ele voltou, nos chamou para uma cela e nos trancou ali. Foi neste momento que fomos comunicados que estávamos presos por dano qualificado ao patrimônio público. Para não irmos para a cadeia teríamos que desembolsar 10 mil reais, um valor impagável que nem dá para sacar na madrugada, era para manter a gente preso mesmo. 

DCO: Não pegaram o depoimento de vocês? Como foi passar a noite na delegacia? 

TP: Depois que a gente já estava na cela, apareceu o delegado que nos esculachou e perguntou se falaríamos somente em juízo. Eu disse que sim, foi nesse momento que eu percebi que se tratava de um ex-vereador do PSDB, Elton Negrini, que inclusive pediu nossa cabeça na Câmara por colar cartazes “Liberdade para Lula” e “Fora Bolsonaro”. A gente ficou numa cela pequena, era tudo branco, tinha uma luz muito forte, não tinha colchão e nem água. A gente ficou ali desde uma hora da manhã até seis horas com um barulho de máquina na cabeça e da água que fica girando no “boi” (vaso sanitário sem acento). Foi uma verdadeira tortura, tivemos que dormir no chão duro frio. 

DCO: Você acha que sua prisão teve motivação política? 

TP: Com certeza, essa história não começou na quinta-feira passada. A perseguição contra o PCO na cidade sempre existiu. Uma vez, estávamos entregando panfletos “Fora Bolsonaro” e sete policiais militares nos abordaram. Depois teve uma outra abordagem desproporcional quando estávamos realizando um ato na praça Santa Cruz. Vieram sete viaturas da PM, os policiais estavam armados até os dentes, nunca vi aquilo nem mesmo quando assaltaram o banco onde eu trabalho. Agora também não havia motivo para a GCM nos prender, a cidade está cheia de cartazes nos postes, um radialista lembrou que uma mulher bolsonarista quebrou um vidro na Câmara Municipal e nada aconteceu. Eu senti que a prisão aconteceu devido ao teor dos cartazes, há uma campanha sionista muito grande da burguesia local, os ônibus da CTA (Companhia de Transporte de Araraquara), que foi privatizada no governo do PMDB, estavam circulando com adesivos da bandeira de Israel. 

DCO: E depois de passar a noite na delegacia, como foi a condução para a cadeia? 

TP: Por volta das seis horas da manhã chegou o camburão que nos levaria para a cadeia de Santa Ernestina. Nós fomos algemados nas mãos e também nas pernas, tivemos que ir caminhando como pinguins até o carro. Quando eu subi para entrar no camburão, por ter um degrau grande, a algema apertou na minha canela e ficou machucando. Eu pedi para ajustar as algemas, mas não arrumaram. Esse carro tem uma divisória no meio que separa dois grupos de presos enfileirados, ele é totalmente fechado. De um lado foi uma mulher que era esposa do André, um rapaz que estava preso com a gente, e do outro nós, homens. O camburão parece um trem fantasma, não dá pra ver nada, tem hora que acendia a luz e hora que ficava totalmente apagado. A gente ficou horas naquele camburão, primeiro paramos no IML (Instituto Médico Legal), depois na cadeia feminina em São Carlos e somente depois fomos para a cadeia Santa Ernestina. 

DCO: E como foi na cadeia de Santa Ernestina? 

TP: A gente chegou lá e teve que ficar pelado para revista, depois seguramos uma placa com nosso nome para tirar foto e só depois fomos para a cela. Ficaríamos em sete pessoas presas, mas tinha somente quatro camas. Por sorte, três rapazes foram para outro lugar. No nosso raio, tinha quatro celas, todas ocupadas além da capacidade, uma com oito pessoas, outra com seis. É um lugar horrível, um esgoto a céu-aberto, cheiro de urina e fezes, cheio de vazamentos, as pessoas são obrigadas a tomar água da torneira que nem sabemos se é tratada, neste calor não tem como ficar sem água. Os colchões são todos fedidos, tudo com cheiro de mofo, os jovens são obrigados a comer nessas condições. Chegamos bem na hora do almoço, os caras estavam morrendo de fome, as marmitas ficam numa caixa atrás de uma grade no pátio. Se não tiver ninguém no banho de sol para servir, eles ficam esperando a boa vontade de alguém. Fomos nós que levamos as marmitas nas celas para os meninos, tinha arroz e farinha sem feijão, um pouquinho de macarrão parafuso e meia-dúzia de salsicha picada. É um absurdo. 

DCO: Como foi o contato com os demais presos? 

TP: A maioria eram jovens com idade na faixa de vinte anos. Eles nos perguntaram por que a gente estava preso e, quando falamos que estávamos colando cartazes, ficaram inconformados. Disseram que nunca viram ninguém preso por esse motivo, que era um absurdo. Tanto que quando fomos liberados na audiência de custódia, teve até salva de palmas, a recepção e o tratamento com a gente foi muito legal. A gente conversou com vários meninos, tinha um grupo que estava sendo acusado de ter praticado vinte e dois assaltos numa noite, eles me perguntaram se isso era possível. Evidente que não. Outros tinham sido acusados por terceiros sem qualquer prova e, como não tinham advogado, estavam presos. Eu ainda tenho o PCO para denunciar a minha situação e condições de pagar um advogado, a maioria não tem direito ao mínimo de defesa. Também pude falar sobre a política do coletivo João Cândido, sobre o fim da PM e dos presídios, eles ficaram muito interessados e relataram que quando Lula foi eleito fizeram uma festa. 

DCO: E como foi sua liberação? 

TP: A decisão veio na audiência de custódia. O promotor era o mesmo que acabou com a vida do Walter Delgatti Neto, conhecido como Hacker de Araraquara, ele queria manter os 10 mil reais e uma espécie de prisão domiciliar, um verdadeiro carrasco. Mas eu senti que o juiz ficou constrangido ao dizer que cometemos um crime, parece que nem todo mundo tem vocação para ser Sérgio Moro. Fomos liberados e a advogada conseguiu derrubar todas as restrições. A audiência começou por volta das 14 horas e nós ficamos esperando a decisão chegar no sistema da cadeia até umas 15h30. 

DCO: Você deseja declarar mais alguma coisa sobre sua experiência? 

TP: Em primeiro lugar, agradeço a campanha que nosso partido e o DCO começaram. Também quero agradecer as lideranças de esquerda que foram às redes sociais para denunciar minha prisão e também o companheiro Breno Altman que está sendo perseguido pela Polícia Federal pelo mesmo motivo. A advogada disse que está determinada a me inocentar, disse que não houve crime e que se tratou de uma prisão ilegal. O nosso Partido vai cobrar o prefeito da cidade, Edinho Silva, do PT, para que a queixa seja retirada. Quero dizer que eu pude conhecer um pouco do sistema prisional do nosso País. Nesse lugar as pessoas são tratadas pior que animais, ninguém vai ser reintegrado sendo humilhado. Esse lugar realmente é um inferno na Terra e não deveria existir, isso aumenta minha convicção para lutar pelo fim desses campos de concentração nazistas em nosso País. E eu quero dar um recado para o PSDB e para toda direita: se vocês acharam que me intimidariam, fiquem certos de que só sairei das ruas quando o Hamas e os demais grupos armados derrotarem o regime nazista de Israel.

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