Anos de Chumbo e outros contos é uma coletânea de histórias escritas por Chico Buarque. Foi lançado no final de 2021 e é a primeira incursão do autor neste formato narrativo.
Trata-se de uma obra impressionante pela maneira crua e viva com que descreve a sociedade brasileira na atualidade.
São oito histórias sobre personagens que circulam pelo Rio de Janeiro. Em sua maioria, integrantes da classe média e da pequena-burguesia que formam uma espécie de retrato desta camada da população.
Não é um retrato muito bonito. Se pudermos fazer uma comparação, ele lembra o de Dorian Gray, escondido em seu sótão na Londres vitoriana.
Alguns dos relatos parecem de horror. Chico Buarque usa a caneta para expor como pensam e como agem o mesquinho, o fascista e o medíocre diante das circunstâncias sociais e históricas. No geral, eles fingem que não vêem. Eles fingem que não sabem.
Com seus contos, Chico quer mostrar a hipocrisia do tipinho fascistóide que compõe nossa sociedade. “Meu Tio”, por exemplo, é o conto que abre a coletânea. Está longe de ser uma referência ao poético e melancólico personagem de Jacques Tati.
“Meu tio veio me buscar em casa com seu carro novo”. Essa é a primeira linha do conto (e do livro). Uma adolescente descreve o acordo imoral entre seus pais e um parente, um policial, de quem dependem para se sustentar. “Como acontece nessas situações, papai fingiu que estava dormindo no quarto”, ela diz.
“Para Clarice Lispector, com candura” é o título de um outro retrato de horror. É a relação entre um escritor fracassado e sua mãe idosa ao longo de décadas vivendo em um apartamento no Leblon e uma única obsessão: a escritora Clarice Lispector
Em “Os primos de Campos”, o relato também em primeira pessoa envolve desaparecidos durante a ditadura. “Não tenho boa memória remota”, abre o narrador, dando uma pista sobre como o esquecimento relativo pode ser muito útil às vezes. E mudar a História quando se quer.
Algo que vai aparecer no conto final, Anos de Chumbo, com o narrador falando de guerras como se fossem brincadeira de criança. “Em 9 de maio de 1971 a cavalaria do exército confederado atravessou o rio Tennessee sob o comando do general James Stuart, que ato contínuo apontou seus canhões contra o forte Anderson”.
Chico escreveu um livro sobre o Brasil atual e o lançou no meio do governo Bolsonaro. Ele reflete sobre a atual conjuntura histórica brasileira e a perversidade à qual estamos imersos por meio de seus personagens alienados e hipócritas.
Sua coletânea de contos é uma daquelas obras que entram para os cânones e, com o passar dos anos, são lidas por gerações de estudantes. O lançamento de um livro como esse é, por si só, um acontecimento e é bom poder lê-lo no momento que descreve. Afinal, vivemos exatamente a conjuntura de miséria moral descrita em suas páginas.
O livro também mostra o vigor e a importância da literatura em momentos como o que vivemos, Mostra também a maturidade do autor, tanto na forma, quanto no trato dos temas, fazendo de Chico um dos melhores e mais importantes autores em língua portuguesa nos dias de hoje. É sempre possível reconhecer algo de Machado de Assis, fonte de seu exercício literário e com quem dialoga.
É um livro sobre política, sobre história e sobre literatura. Sua leitura é obrigatória.