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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Música instrumental

Charlie Haden e a Liberation Music Orchestra

O jazz contra o imperialismo

Em geral, quando pensamos em música politicamente engajada, consideramos apenas as canções, supondo serem as letras as responsáveis pelas contestações sociais e políticas. Se isso procede, cabe indagar por que o contrabaixista Charlie Haden foi detido em Portugal, 1971, pelos fascistas da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, a famigerada PIDE, por tocar a música instrumental “Song for Che”, uma composição sua. O estadunidense Charlie Haden nasceu 1937 e faleceu em 2014, notabilizando-se por participar dos principais movimentos do jazz durante sua vida, engajando-se politicamente contra a extrema-direita mediante suas concepções de música instrumental, em especial, na direção da Liberation Music Orchestra.

Em colunas anteriores escrevendo sobre música, cheguei a mencionar a gravadora ECM e o lançamento de suas produções no Brasil no início da década de 1980; entre elas, havia dois álbuns do Egberto Gismonti em parceria com o saxofonista Jan Garbarek e com Charlie Haden: “Mágico”, 1979, e “Folk song”, 1981. Na época, aproximei-me da ECM motivado pelos artistas brasileiros que lá gravaram, em especial, Naná Vasconcelos, Egberto Gismonti, Airto Moreira e Flora Purim; por meio deles, terminei conhecendo os demais artistas da ECM, entre eles, Charlie Haden, de quem escutei, ainda naqueles tempos, o álbum “The ballad of the fallen”, 1983, em parceria com a pianista Carla Bley e os músicos da Liberation Music Orchestra, com menções explicitas às intervenções do imperialismo estadunidense na Nicaragua e em El Salvador.

Naquele álbum, na contracapa do LP, Haden cuidou de estampar o desenho de Celia, uma salvadorenha refugiada no Centro de Refugiados Manuel Franco, em Managua, Nicarágua; no desenho, em que figuram soldados estadunidenses assassinando civis latino-americanos, há escritas as frases “não à intervenção estadunidense”, “ianque invasor fora de El Salvador”, “nosso único crime é sermos pobres”, “nós estamos cansados das muitas balas enviadas por Ronald Reagan”.

Anos depois, então na época dos CDs e não mais dos LPs, tive o prazer de escutar o álbum “Liberation Music Orchestra”, 1970, lançado 13 anos antes, dessa vez, com músicas compostas em homenagem a Ernesto Che Guevara e arranjos com temas da Guerra Civil Espanhola. Esse álbum é fantástico, talvez um dos melhores álbuns de jazz já gravados; cuidarei de nomear devidamente todos os músicos da banda no final deste artigo, agora, porém, gostaria de comentar brevemente a gravação dos temas “o quinto regimento / os quatro generais / viva a décima quinta brigada”. A gravação dura aproximadamente 21 minutos, durante os quais os três temas, canções da Guerra Civil Espanhola, são desenvolvidos em improvisos de jazz; com os arranjos da pianista Carla Bley, “o quinto regimento” ganha novos contornos nos improvisos de Don Cherry, Sam Brown, Paul Motian e Charlie Haden, quem, depois de solar, prepara a transposição para a canção seguinte, “os quatro generais”, modulada no solo de trombone de Roswell Rudd, quando, por fim, o saxofonista Gato Barbieri encerra a gravação improvisando sobre “viva a décima quinta brigada” – canção imortalizada, vale lembrar, naquele que talvez seja o melhor filme de Carlos Saura, “Ai Carmela!”, 1991, com Carmen Maura e Andrés Pajares –.

No dia 20 de novembro de 1971, Charlie Haden participou do I Cascais Jazz, em Portugal, quando apoiou os movimentos de independência de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique, na época, as colônias portuguesas na África, tocando sua composição instrumental “Song for Che”. Pois bem, no dia seguinte ao manifesto, Haden foi preso pela PIDE, a polícia política portuguesa; em 1990, 19 anos depois, ele retornaria a Portugal para gravar o álbum “Diálogos” com Carlos Paredes, um dos mestres da guitarra portuguesa e militante comunista, artista ímpar na música tradicional portuguesa.

Evidentemente, se Charlie Haden tivesse se apresentado em Cascais sem mencionar verbalmente suas posições políticas nem declarado os títulos de suas composições, provavelmente ninguém o deteria por tocar música instrumental. Entretanto, as músicas instrumentais apresentadas por Haden guardam a memória de músicas politicamente engajadas, em geral, canções compostas durante conflitos armados contra o imperialismo. Do álbum “Liberation Music Orchestra”, já observamos as alusões a canções da Guerra Civil Espanhola; em “The ballad of the fallen”, gravado 12 anos depois, tais alusões continuam, com regravações de canções próprias do conflito, tais quais “La santa espina”, “Els segadors”, “Si me quieres escribir”, “La pasionaria” – dedicada a Dolores Ibarruri –, além de incluir canções de resistência ao fascismo em Portugal, “Grandola Vila Morena”, e na América Latina, a começar pelo título do álbum, o mesmo da canção salvadorenha “Milonga para um fuzilado”, e a canção chilena “El pueblo unido jamás será vencido!”, todas elas arranjadas na linguagem do jazz.

Por fim, logo após os nomes dos membros da Liberation Music Orchestra, deixo o endereço no Youtube da gravação completa de “o quinto regimento / os quatro generais / viva a décima quinta brigada” feita pela banda:

clarinete / Perry Robinson; corneta, flautas / Don Cherry; contrabaixo / Charlie Haden; corne francês / Bob Northern; violão / Sam Brown; percussão / Andrew CyrillePaul Motian; piano / Carla Bley; saxofone alto e tenor / Dewey Redman; saxofone tenor e clarinete / Gato Barbieri; trombone / Roswell Rudd; trompete / Michael Mantler; tuba / Howard Johnson

Charlie Haden & Liberation Music Orchestra, "El quinto regimiento", 1969

Artigo publicado, originalmente, em 17 de março de 2023.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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