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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Linguística

As contribuições de Ferdinand de Saussure – 2ª parte

Em 2023, faz 110 anos da morte de Saussure, o fundador da semiologia.

Prosseguindo na divulgação dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, na coluna de hoje vamos discutir suas propostas sobre as teorias do signo e da significação mediante a semiologia, segundo ele, a teoria geral do signo. Em sua vida, Saussure não desenvolveu a semiologia, quem levou isso a cabo foi principalmente Roland Barthes, cujo livro “Elementos de semiologia” tornou-se praticamente a primeira introdução sistematizada dos procedimentos analíticos da nova ciência. Em linhas gerais, trata-se da aplicação das dicotomias de Saussure, deduzidas a partir da linguística, aos demais sistemas de signos, tornando-se necessário conhecê-las para compreender minimamente os princípios da semiologia.

A época de Saussure coincide com a consolidação dos estados nacionais europeus; se os poetas e romancistas românticos tematizavam o nacionalismo e o nascimento, muitas vezes miticamente, de suas pátrias, os linguistas, imersos na mesma época, estudavam os troncos linguísticos, buscando pelas origens das línguas, das culturas e das sociedades modernas. Dessa maneira, quando há ênfase dos estudos nas transformações dos sistemas do linguísticos, define-se, segundo Saussure, a linguística diacrônica, quer dizer, a análise das línguas ao longo dos tempos; contrariamente, quando o estudo se concentra nas relações internas de determinado sistema de signos, isoladamente do tempo, define-se linguística sincrônica. Essa primeira dicotomia, diacronia vs. sincronia, remete à próxima dicotomia língua vs. fala.

Todo ouvinte atento percebe o quanto as falas das pessoas diferem umas das outras, pois cada um possui seu timbre de voz, os sotaques próprios dos lugares em que vive, o vocabulário de sua terra natal, de sua classe social, de sua profissão; além das características individuais, cujas motivações são majoritariamente psicológicas, cada falante herda as variantes de região, estrato social, faixa etária e situação discursiva de seu idioma, socio-linguisticamente determinadas. Todavia, apesar das diferenças dos falares, todos os falantes da mesma língua se entendem, pois a língua pode ser concebida enquanto forma abstrata e geral, da qual emanam todas as falas concretas e específicas. Consequentemente, o estudo de qualquer língua, sejam suas mudanças e suas variações, seja sua estrutura, começa por se concentrar nessa forma geral e abstrata, a partir da qual podem ser sistematizadas variações, estimadas mudanças e descrita a estrutura.

Uma vez aduzida, a dicotomia língua vs. fala encaminha a dicotomia significante vs. significado, utilizada para a definição de signo conforme Saussure e essencial para sua definição de língua. Para Saussure, vale lembrar, a língua é um sistema de signos, formados pela relação entre formas fonológicas e conceitos, respectivamente significantes e o significados, cujos sentidos se fazem mediante relações entre os signos do mesmo sistema verbal, de acordo com o que está exposto na coluna da semana passada.

Por fim, a dicotomia paradigma vs. sintagma. Se as línguas podem ser descritas por meio de sistemas de signos, devem ser determinadas as relações regentes desses sistemas; para tanto, Saussure propõe relações associativas, aquelas estabelecidas entre todo signo e os demais signos na formação do sistema, e regras de combinação entre tais elementos na realização da língua. As primeiras são as relações paradigmáticas, nas quais um signo se define em relação aos demais por meio do significante, do significado ou de ambos. No Curso de linguística geral, Saussure utiliza a palavra “ensinamento” para exemplificar sua proposta: (1) por meio do significado, esse signo relaciona-se com “aprendizagem”, “escola” ou “estudo” e, inclusive, com os termos contrários “ignorância” ou “embrutecimento”; (2) por meio do significante, com “lento”, “vento” ou “talento”; (3) por meio do signo morfológico do radical, com “ensinar”, “ensino” ou “ensinando”; (4) por meio do signo morfológico do sufixo, com “detrimento”, “enaltecimento”, “armamento”. Figuras de linguagem tais quais rimas, aliterações e assonâncias são estabelecidas por meio de relações paradigmáticas entre significantes, enquanto metáforas e metonímias, por meio do significado.

Todavia, há a necessidade também de regras sintagmáticas, por meio das quais os elementos do sistema são combinados entre eles. Em linhas gerais, se os signos são morfológicos, há regras lexicais para combiná-los na formação de palavras; se os signos são lexicais, há regras sintáticas para combinar as palavras na formação das frases. Em português, segundo Mattoso Câmara, os verbos alinham-se no sintagma (radical) + (vogal temática) + (modo e tempo) + (número e pessoa), por exemplo (am)+(á)+(va)+(mos), (am)+(á)+(sse)+(mos) ou (am)+(a)+(rá)+(s); ainda em português, as palavras alinham-se no sintagma frasal (sujeito) + (verbo) + (complementos verbais).

Pois bem, se tais dicotomias permitem descrever os sistemas verbais, uma ciência geral do signo construída nos mesmos princípios partiria não apenas da extensão da dicotomia significante vs. significado para as demais linguagens, mas também da aplicação das outras três dicotomias na descrição dos sistemas. Basicamente, é essa a metodologia de análise da semiologia; em seu manual “Elementos de semiologia”, Barthes desenvolve justamente essa proposta, com cada capítulo do livro correspondendo a uma das dicotomias de Saussure.

Para exemplificar brevemente a análise semiológica, podemos recorrer à culinária e à semiologia da alimentação. Atualmente, tanto a feijoada quanto o sarapatel, podendo-se dizer o mesmo da cozinha à base de cogumelos, são pratos da alta culinária, os primeiros são, inclusive, pratos típicos e celebrados da cozinha brasileira; todos eles, porém, por serem feitos de à base das sobras preteridas em meio a partes macias e saborosas dos animais de corte ou da natureza dos fungos e vegetais, foram no passado considerados alimentação de menor qualidade, permitindo traçar valorizações sincrônicas e diacrônicas desses pratos.

Quanto à dicotomia língua vs. fala, própria para analisar as relações entre as abstrações do sistema e suas ocorrências concretas, podendo ser estendida para quaisquer abstrações, ela possibilita descrever todas as variações da culinária dos sanduíches, afinal, tanto o cachorro-quente estadunidense, feito com salsicha, mostarda e pão, e o brasileiro, feito com os ingredientes anteriores acrescidos de ketchup, maionese, batata-palha, purê de batata e molho vinagrete, são variações de uma mesma forma geral e abstrata.

No domínio do signo, nenhuma comida significa apenas alimento, pois sobre todas elas projetam-se conotações culturais, isto é, toda comida significa a si mesma e mais alguma coisa. O exemplo da feijoada ilustra isso, sua análise diacrônica é também a análise de suas valorizações culturais por meio da significação; embora considerada comida vulgar, atualmente há chefes especializados em sanduíches artesanais; os animais de corte são articulados, na linguagem dos açougueiros, em função das qualidades culinárias da carne, correlacionadas a pratos específicos, aos quais correspondem consumidores separados em classes sociais, por exemplo, carne de pescoço para o proletariado e filé mignon para a burguesia.

Por fim, qualquer cardápio apresenta a sequência sintagmática ritualizada das práticas alimentares, quer dizer, a ordem na qual os alimentos devem ser consumidos, e as possibilidades de escolha, quando elas existem, de cada etapa. No ocidente, o sintagma dos restaurantes costuma ser entrada, prato frio, prato quente, sobremesa e café, e o paradigma, formado pelos pratos disponíveis em cada fase, depende das especialidades da casa, se for cantina, os pratos quentes são massas, se for churrascaria, são carnes.

E assim segue a semiologia, projetando nas coisas do mundo e dos homens os pontos de vista das dicotomias de Saussure.

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