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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Linguística

As contribuições de Ferdinand de Saussure – 1ª parte

Em 2023, faz 110 anos da morte de Saussure, o fundador da linguística moderna

No dia 22 de fevereiro de 1913 faleceu Ferdinand de Saussure, considerado o maior pesquisador da linguística histórica de sua época e fundador da linguística moderna. Dessa maneira, devido a sua importância na história do pensamento, na coluna de hoje e na próxima semana, optamos por divulgar algumas de suas ideias; na coluna de hoje cuidaremos da teoria do signo e dos princípios da linguística, da semiologia e da semiótica modernas advindos de suas propostas.

Atualmente, no cenário das teorias do signo e da significação, dois pensadores se impõem; referimo-nos a Charles Sanders Pierce e Ferdinand de Saussure. Separados pelo Oceano Atlântico, o primeiro nos EUA, o segundo vivendo entre a Suíça e a França, é de se lamentar não haverem se conhecido pessoalmente, sequer trocado correspondências… parece que Peirce conhecia enologia, que Saussure gostava de se embriagar… enfim, tratando ou não de semiótica e semiologia, ambos provavelmente se divertiriam.

Embora os dois pensadores sejam teóricos da significação e do signo, suas formações, objetivos e propostas teóricas são sensivelmente distintas para serem aproximadas sem os devidos cuidados; para tanto, é necessário ter em mente que Saussure não foi filósofo, sua formação é nos estudos das línguas e suas origens, seus trabalhos principais são nas áreas de linguística histórica. O século XIX foi marcado, no campo da linguística, pela linguística histórica com suas concepções de evolução das línguas e agrupamentos em troncos linguísticos; segundo aqueles linguistas, as línguas mudam com o passar dos tempos em função de leis fonéticas bastante precisas, cuja determinação permitiria a reconstrução também de suas gramáticas e vocabulários, possibilitando, por meio de comparações entre diversas línguas, traçar graus de parentesco entre elas.

Assim, agrupam-se as línguas latinas, helênicas, germânicas, eslavas, celtas, védicas etc. no trono indo-europeu e concebem-se outros troncos, por exemplo, o tronco afro-asiático, no qual se agrupam as línguas semíticas. Seguindo a tradição de seus professores e colegas, Saussure conheceu profundamente várias línguas, suas semelhanças e diferenças; tais conhecimentos, somados a sua engenhosidade, permitiram a ele formular uma teoria sobre a significação.

Nas teorias do signo, a presença do objeto, referente ou coisa é constante; em todas elas, inclusive na semiótica de Peirce, o signo está articulado a sua referência. Para Saussure, porém, um signo se define em relação a outros signos, ele não se define em relação às “coisas”; isso, porém, precisa ser explicado cuidadosamente, uma vez que vai de encontro ao senso comum a respeito do funcionamento da linguagem.

Em linhas gerais, não é difícil aceitar que há “coisas” no mundo, que pensamos nessas “coisas” e utilizamos palavras e outros signos para dar sentido a tais pensamentos e “coisas”. Esse raciocínio está nos princípios da teoria de Peirce, ele também articula, semelhantemente, “coisas”, pensamentos e expressão sensível nas funções, respectivamente, de referente, interpretante e fundamento do signo. Em sua proposta, entretanto, as relações entre os três conceitos não são mecânicas nem unidirecionais, pois Peirce não descreve a significação partindo primeiramente das coisas para depois, por meio do pensamento, converterem-se em signos; em sua teoria, contrariamente, signo, interpretante e referente determinam-se de modo complexo, com um termo determinando e sendo determinado pelos demais.

Diferentemente de Peirce, Saussure não se vale de reflexões filosóficas, sequer fazia parte de seus objetivos a construção de uma lógica das relações entre o homem, suas linguagens e o mundo; para Saussure, os estudos concentravam-se nas línguas, em suas estruturas fonológicas e gramaticais, com vistas a pensar a história interna das línguas, quer dizer, as transformações nessas estruturas capazes de possibilitar a reconstrução do indo-europeu e das línguas derivadas dele. Pode parecer, para quem desconhece a linguística, haver relações diretas entre palavras e coisas, mas além das dimensões fonológicas e gramaticais, há nas línguas a dimensão semântica, a qual também varia de língua para língua.

Nas línguas românicas português, espanhol, italiano e francês, os respectivos pares de palavras irmão e irmã, hermano e hermana, fratello e sorella, frére e soeur estão sistematizados por meio da categoria semântica masculino vs. feminino, não sendo pertinente para a formação desse vocabulário, nessas quatro línguas, a categoria da idade velho vs. novo. No húngaro, contrariamente, além da categoria da sexualidade, passa a ser pertinente a categoria da idade, gerando-se, na sistematização do mesmo campo semântico, as quatro palavras bátya / irmão mais velho, öccs / irmão mais novo, néne / irmã mais velha e húg / irmã mais nova; diferentemente daquelas línguas românicas e do húngaro, no malaio há apenas a palavra sudarà, não sendo pertinente para tal semântica o sexo nem a idade.

A partir desses poucos dados, verifica-se que o sentido das palavras depende das relações entre o significante fonológico e o significado semântico, mas também depende das relações entre uma palavra e as demais palavras da mesma língua; dito de outro modo, a significação depende antes do valor linguístico, isto é, da sistematização das palavras por meio de categorias semânticas específicas em determinada língua do que das relações entre palavras e coisas.

Conhecedor em profundidade de numerosas línguas e de suas transformações históricas, Saussure percebeu essa propriedade da significação linguística, determinada tanto pela relação entre significantes e significados na formação de signos específicos, quanto pela relação entre estes signos e os demais signos do mesmo sistema deles. Para Saussure, vale lembrar, a língua é um sistema de signos verbais, dividindo sua existência social com sistemas de signos de outras ordens, tais quais os signos musicais, visuais, gestuais, indumentários etc., levando-o a propor uma ciência geral do signo, a semiologia, cujo ramo responsável pela análise dos signos verbais seria a linguística. Esse último tópico, a semiologia, será tema da próxima coluna.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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