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Pró-Cultura

As condições de trabalho dos artistas de K-pop

Suicídio de cantor de Kpop MoonBin não é um caso isolado e denuncia a exploração da juventude por trás das danças alegres e cabelos coloridos

No dia 19 de Abril, MoonBin, cantor do grupo de kpop ASTRO da empresa Fantagio foi encontrado morto em sua casa em Seoul aos 25 anos. De acordo com a polícia sul-coreana: “Ele parece ter tirado a própria vida, mas está sendo analisada a realização de uma autópsia para determinar a causa exata da morte”. Esse é só mais um dos recorrentes casos de suicídio de k-idols (cantores de kpop) que são fruto dos inúmeros abusos que eles sofrem por parte das empresas de entretenimento e da comunidade conservadora sul coreana. Nos últimos anos vemos a história se repetir: Goo Hara, do grupo Kara se foi após não conseguir lidar com o suicídio de sua amiga íntima Sulli (f(x)), e anos antes Seo MinWoo (100%), Kim JongHyun (SHINee) também não sobreviveram aos transtornos mentais. Na maior parte das vezes as empresas não confirmam, mentem ou omitem a causa da morte e fogem da responsabilidade com lindas cartas de despedidas até que a mídia ou a família do falecido venha revelar a verdade.

Como funcionam as empresas de entretenimento sul-coreanas

              Para entender esse fenômeno, é importante ter ciência de que na Coréia do Sul a fama não é como no ocidente, em que pessoas talentosas são descobertas e assim patrocinadas por empresas e contratadas por gravadoras, onde ganham seu próprio dinheiro. Quando falamos de kpop, nos referimos a uma indústria de “criação” de artistas. Existem várias empresas de entretenimento e se você sonha em ser um ator ou cantor você deve procurar uma delas e fazer uma audição, em que você imediatamente será descartado caso não esteja nos padrões estéticos (pele clara, magreza extrema, olhos grandes, rosto pequeno, etc). 

              Se você tiver sorte (ou azar, dependendo do ponto de vista) você conseguirá passar e se tornar um treinee. Nesse período você será treinado para ter personalidade e voz que a empresa indicar como melhor pra você – podendo pedir para que afine a voz, como é o caso da artista Momo (Twice) e se comporte de maneira forçadamente fofa, como Sanha (ASTRO)  por exemplo – e além disso, terá uma jornada exaustiva (algumas passando de 12 horas por dia) de ensaios de dança e canto com os seus erros sujeitos a agressão verbal e até física. Como se já não fosse exploração o bastante, os treinees são facilmente descartados, não tem nenhuma garantia que irão debutar como artistas da empresa e alguns chegam a treinar por 12 anos e serem expulsos da empresa por estarem 2 quilos acima do peso estabelecido como “aceitável” para um idol de kpop. Mesmo depois de debutar em um grupo, sua estabilidade não está garantida, pois muitas celebridades ficam meses sem receber o seu salário, como foi o caso da Daisy (Momoland), que deixou a empresa por esse motivo.

Cirurgias plásticas e transtornos alimentares, o descaso com a saúde física e mental

A grande maioria dos artistas passam toda a vida submetidos a dietas extremamente rigorosas. No documentário de curta metragem “How To Become A K-Pop Idol: Life As A Foreign Trainee” a treinee Mizuho, que é japonesa e foi pra Coréia em busca do seu sonho de seguir carreira como cantora só come uma refeição por dia: uma salada com menos de 300 calorias, e enquanto isso, faz exercícios físicos pesados e trata desnutrição e anemia com suplementos, tudo isso para manter-se abaixo dos 50kg (peso máximo exigido pela empresa para todas as mulheres, independentemente da altura).

Além disso, ela sofre com muitas agressões verbais, gritos e olhares de desprezo quando comete erros. Em um trecho do filme é mostrado sua treinadora a empurrando contra o chão para forçar a abertura até ela chorar de dor, e ao ver isso a treinadora grita: “Por que você está chorando? Eu nem estou te empurrando.” e logo depois a arrasta pelo chão bruscamente para ela sair da posição, o que faz a menina gritar “Ai, isso machuca!”. No fim, a garota aparece chorando porque apesar do esforço, não pôde debutar e foi descartada como um rato de laboratório que não é mais útil.

Link: https://youtu.be/G66uRJ6pAfI 

Os casos de idols se ausentando de turnês por estarem com desmaios frequentes no palco por conta de transtornos alimentares impulsionados pelas empresas são frequentes: Krystal Jung (FX), foi obrigada a fazer uma performance mesmo quando estava passando mal por conta da dieta restritiva, ela estava de óculos de sol (mesmo a noite) para esconder os sinais de cansaço, mas assim que a coreografia acaba ela tenta correr para sair o mais rápido o possível do palco, mas acaba desmaiando no caminho. Krystal já sofreu com esse problema mais de uma vez, e a empresa sempre se manifesta dizendo que era apenas cansaço por ela “trabalhar duro demais pelos fãs” e que os médicos disseram não ter nada de errado com a saúde dela.   

As “dietas” são extremas. Momo (Twice) relatou em um programa de TV que a empresa JYP deu alguns dias para que ela emagrecesse 7 quilos, se não ela não participaria de uma apresentação. Ela relata que comeu apenas 1 cubo de gelo por dia e mesmo assim tinha medo de engordar e vomitava todos os dias, sua boca estava pálida, ela parecia uma múmia e quando ia dormir chorava com medo de não acordar. E apesar dos sintomas ela continuava treinando danças e academia. A imprensa coreana revelou que Baekhyun (EXO) era proibido de falar com a família quando estava acima do peso. E vários idols contam histórias de quando se meteram em encrenca por esconderem comidas ou comerem escondido: V e RM (BTS) com sorvete e jajangmyeon (prato coreano), Seulgi (Red Velvet) escondeu frango, Tzuyu (Twice) relata como era trabalhoso pedir um simples prato de comida escondida dos menagers “Eu pedi pés de porco com Momo e a Sana, e foi entregue pela janela com um cadarço de sapato, para assim não sermos pega pela câmera de vigilância”.

Algumas empresas colocam no contrato que elas podem fazer o que quiser com a aparência dos treinees e artistas, desde forçar dietas até fazer cirurgias plásticas. Uma das idols mais famosas pela mudança radical de aparência é a Lisa do BlackPink, e as cirurgias mais comuns são V-line: procedimento para afinar o rosto, Rinoplastias e Pálpebra dupla – também chamada de “cirurgia dos 15 anos”, por ser um ‘presente’ comum às meninas que completam essa idade – para aumentar e dar dobrinhas nos olhos.

Legenda: Lisa (BlackPink) antes e depois do debut como idol Foto: Reprodução

Legenda: Lisa (BlackPink) antes e depois) Foto: Reprodução

Saesangs

Saesangs é o nome que se dá às fãs obcecadas pelos idols. Existe um nome específico para isso devido a frequência em que acontecem casos de adolescentes que colocam a própria vida e a dos artistas em risco para ter a chance de obter fotos exclusiva, informações privilegiadas e até mesmo assediar os cantores. Por mais que existam raras exceções de fãs extremistas no pop americano e no universo de Hollywood, na Coréia do Sul é ainda mais comum. A ocorrência de tantas saesangs é benéfica para as empresas de entretenimento, que investem muito em produtos temáticos com a identidade visual, logo do grupo ou até mesmo o rosto dos cantores, além delas serem sempre um motivo de gerar engajamento pelos casos escandalosos e clientes fiéis dos camarotes de todos os shows em qualquer parte do país. O incentivo e indiferença das empresas de entretenimento a respeito das saesangs é mais uma prova da exploração dos k-idols que tem a saúde física, mental e a sua segurança negligenciada para que mais dinheiro caia na conta dos CEOs. 

Além disso, a imagem criada artificialmente sobre as celebridades sul-coreanas de que elas são perfeitas, angelicais e imaculadas – o corpo perfeito, a personalidade, a voz, o comportamento, o jeito de vestir, nada está passível de erro para os cantores que são controlados desde a sua aparência até o seu jeito de ser – abre margem para adolescentes encontrem neles um símbolo de idolatria, no sentido mais extremo da palavra, eles são como deuses colocados em pedestais, ao mesmo tempo que são desumanizados pelas fãs que dizem os amar e admirar. Um prato cheio para a obsessão da juventude decadente de um país tão atrasado culturalmente.

As violências são recorrentes e cada vez mais pesadas. As saesangs invadem quartos e banheiros de hotéis para fotografar os ídolos em momentos íntimos, pegar objetos e até mesmo as fezes e urinas dos cantores, hackeiam redes sociais para espiar conversas privadas e perseguem carros em que eles estão, em uma das perseguições, Jackson (GOT7)  acabou sofrendo um acidente. 

O caso mais pesado e conhecido é o de uma saesang que tentou matar Yunho (TVXQ) colocando cola e cacos de vidro no seu café com a justificativa de que “Se ele não pode ser meu, não será de ninguém”. Ele precisou fazer uma lavagem estomacal, mas sobreviveu. Junsu (JYJ) comentou sobre saesangs depois de seu colega de grupo tomar um tapa pois segundo a garota “ela queria dar a ele algo que ele nunca esqueceria”, ele disse: ”Eles têm feito coisas horríveis como usar nossas identidades para descobrirem para quem ligamos. Se for mulher, eles vão atrás dela para descobrirem que tipo de relações nós temos. Eles rastreiam nossos carros, nos perseguem, invadem nossos quartos e tiram fotos de nossas coisas. Já tentaram me beijar enquanto eu dormia e até batem no nosso carro só para ver nossas expressões. Eu convivo com esse medo todos os dias!“.

O conservadorismo, as relações pessoais e o cyberbullying

Outro setor da vida dos ídolos que é extremamente controlada são os relacionamentos. Na maioria dos contratos consta que eles estão proibidos de namorar, pois eles devem “pertencer apenas aos fãs”. Hyuna e Down (Triple H) foram expulsos da empresa Cube Entertainment após assumirem um relacionamento que foi mantido em segredo por 2 anos. Sempre que algum artista assume um relacionamento ele e o parceiro sofrem com fortes ataques de ódio nas ruas e principalmente nas redes sociais.

A cobrança sobre eles não vem só por parte das empresas, mas também da população coreana que é extremamente conservadora. Os cantores lidam com o risco constante de cancelamento, seja porque ganhou quilos a mais, porque cortou o cabelo, porque saiu com as amigas ou por ter “agido como ocidental” rebolando em uma balada. Todas essas situações já causaram problemas para os idols, que se sentem em uma prisão aberta, não podendo abaixar a guarda temendo que sua “honra” – que é muito importante na cultura do leste asiático – seja manchada.

Conclusão

A indústria do kpop cria padrões rígidos não só para estimular a obsessão dos fãs e gerar mais lucro, mas também para ter uma espécie de produção em massa, um exército de reserva de adolescentes treinados para serem iguais para que os idols sejam facilmente descartáveis e por isso mais alienados à empresa, aceitando as agressões físicas, verbais e psicológicas, jornadas de até 18 horas de trabalho, salários atrasados, indução a transtornos mentais, assédios, entre outros problemas.

Muitas pessoas se inspiram na Coréia do Sul como um exemplo de país desenvolvido, mas as empresas de entretenimento que transformam artistas em produtos e os condena ao suicídio – que têm sido cada vez mais recorrente entre as estrelas coreanas – são uma prova de que apesar de se disfarçar com o investimento dos países imperialistas para a criação de tecnologia, a Coréia do Sul não passa de um lugar historicamente dominado pelo imperialismo, um braço direito da burguesia, longe de ser de primeiro mundo, está submisso aos Estados Unidos e estagnado economicamente e culturalmente. Estagnação essa que gera um atraso social que se demonstra a partir do conservadorismo, a opressão contra as mulheres e principalmente contra a juventude, que nos países do leste asiático tende a ser ainda mais degenerada e prejudicada psicologicamente e socialmente. Por mais que as empresas digam que estão investindo em psicólogos para prevenir a morte de seus agenciados no auge dos 20 e poucos anos, sabemos que isso é como enxugar gelo e que a única forma de libertar os cantores de kpop e treinees é resolvendo sua condição material e acabando com a exploração dos burgueses sobre eles, que apesar de não integrarem a cadeia produtiva, algumas vezes são tão oprimidos quanto os operários. Enquanto vivermos sob esse sistema, muitos jovens ídolos como MoonBin desistirão a vida. Ele não foi o primeiro, e não será o último.

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