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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Faixa de Gaza

A verdade sobre o Hamas

O Hamas é um grupo político e religioso que surgiu na Palestina em 1987 como um componente de um movimento religioso e político chamado Irmandade Mulçumana

A campanha de propaganda desencadeada pelo imperialismo sobre a operação do Hamas “Tempestade da Al-Acsa” foi uma enorme fake news como nunca se viu até agora. Uma operação claramente militar, levada a cabo pelo braço militar do Hamas, cujo objetivo principal foi desafiar e desmoralizar as chamadas Forças de Defesa de Israel e o próprio regime israelense, foi transformado em um “ataque terrorista” pela mídia internacional. 

Um exemplo é esse trecho da reportagem do New York Times sobre o evento. “Em um ataque sem precedentes recentes em sua complexidade e escala, os militantes cruzaram para Israel por terra, mar e ar, de acordo com os militares israelenses, levando a algumas das primeiras batalhas campais entre grandes grupos de forças israelenses e árabes em solo israelense em décadas. No início da noite, havia duas batalhas principais ocorrendo perto das cidades de Ofakim e Beeri, disse o C Alte Daniel Hagari.” Todas as chamadas “atrocidades do Hamas” foram baseadas em apenas fontes militares das chamadas Forças de Defesa de Israel, ou seja, as FFAA genocidas e nazistas. 

De repente toda a opinião pública estava comentando estas ditas “atrocidades” que não tinham sido vistas por ninguém, a não ser a parte altamente interessada e conhecida por seus relatos totalmente mentirosos sobre suas próprias ações militares. Para corroborar esta versão, foram elaborados vídeos forjados sobre os propalados sequestros de civis e até mesmo uma fantasiosa história sobre “40 bebês decapitados”. Não houve a busca de nenhuma outra versão sobre os fatos, e muito menos a tentativa de entrevistar algum membro do próprio Hamas, pois o grupo foi demonizado e não poderia ser considerado “fonte válida”. 

Mas porque se confiou tanto na versão das forças armadas de Israel? Claro está que foi uma atitude deliberada, de fazer do “ataque do Hamas” algo definido como versão oficial e verdadeira. O pior é que se estabeleceu um maniqueísmo ideológico no chamado mundo ocidental em que o Hamas era o inimigo de toda humanidade e as forças armadas de Israel os “mocinhos” da história. Como decorrência do clima de guerra mundial criado, passou-se a estabelecer pesada censura sobre os órgãos de imprensa, as redes sociais e a “defesa do Hamas” convertida em crime de lesa-pátria. Prisões ocorreram em vários países ditos democráticos como França e Alemanha e muitos perderam seu emprego devido a um post ou mesmo um retuíte de alguma versão condenada do evento, ou da ação de Israel. 

Quem é o Hamas

O Hamas é um grupo político e religioso que surgiu na Palestina em 1987 como um componente de um movimento religioso e político chamado Irmandade Mulçumana. Em 1928, a Irmandade Muçulmana foi fundada no Egito. Ao longo dos anos, expandiu-se para vários países do mundo árabe. Esta é a primeira organização moderna a adotar o Islã como base de seu projeto político. Apesar de seu aparecimento precoce e do desenvolvimento de vários teóricos ao longo do século 20, por décadas foi relegado pelos governos nacionalistas ou pró-ocidentais que prevaleceram na região. Devido às perseguições, seu trabalho era eminentemente social.

A irrupção maciça e expansão do islamismo ocorreu em 1979 com a chegada da Revolução Iraniana ao governo. Nesse contexto revolucionário do Oriente Médio, com o Islã político em ascensão durante a década de 1980, surgiu o Hamas (“Despertar”, em árabe).

Embora suas origens estejam ligadas à Irmandade Muçulmana Egípcia, devido ao trabalho social que realizavam principalmente na Faixa de Gaza, a nova organização expressou e ainda expressa uma das versões do islamismo radicalizado como resultado da influência da Revolução Iraniana.

A primeira Intifada (“levantar a cabeça”) que começou em 1987 e durou até os Acordos de Oslo de 1993 foi o contexto em que esse novo movimento político-militar surgiu. Durante esses anos, as populações palestinas de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental se rebelaram contra a ocupação israelense. Contraditoriamente, até então a parte do movimento de resistência palestino era a OLP, cujos princípios políticos a colocavam como parte do movimento de libertação nacional desenvolvido por organizações marxistas na África e no próprio Oriente Médio. A OLP, no entanto, trilhou o caminho reformista, de obter concessões de Israel na “administração” do território palestino, enquanto o Hamas se colocou desde o início, com base nos princípios do islamismo radical contra o sionismo de Israel.

O Hamas é uma organização cujo objetivo é estabelecer um Estado islâmico na região histórica da Palestina, enquanto a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) é laica e, portanto, luta por um Estado palestino democrático semelhante ao estilo ocidental.

Outro ponto de discordância na década de 90 foi o reconhecimento do Estado de Israel. Após anos de luta, a OLP optou pela negociação. Dessa forma, foram alcançados os Acordos de Oslo de 1993, que deram origem à Autoridade Nacional Palestina (ANP), um governo do proto-Estado que nunca foi constituído. Israel nunca aceitou a tese dos dois Estados, porque também, de acordo com os princípios do sionismo, vem implantando o Estado Judeu na região e expulsando os palestinos para as regiões adjacentes. 

O Hamas optou inicialmente por uma linha de ação ultra radicalizada que incluía a realização de atentados suicidas entre 1994 e 2004, quando os abandonou definitivamente, embora a acusação de terrorista por Israel se apoia fundamentalmente nisso. Houve uma mudança fundamental em 2001, quando Ahmed Yassin, seu principal líder assassinado por Israel em 2004, afirmou que : “Não lutamos contra povos de outras religiões ou judeus porque eles são judeus. Estamos lutando contra aqueles que ocuparam nossas terras, tomaram nossas propriedades, transformaram nossas famílias em refugiados e massacraram nossas crianças e mulheres”.

Essa mudança se materializou em 2006 quando o Hamas aceitou participar das eleições legislativas pela ANP. Em uma das eleições mais democráticas até então, o Hamas saiu vitorioso. O Hamas conquistou 74 assentos no Conselho Legislativo da OLP. O Hamas nunca havia tido representação no Conselho Legislativo da Palestina, pois havia boicotado as eleições legislativas anteriores, por considerar ilegítima a Autoridade Palestina, criada pelos acordos de Oslo. O Fatá, até então governista, teve sua bancada reduzida em 10 cadeiras, elegendo 45 deputados. 

  Mas essa vitória não foi aceita pelo imperialismo e a Rússia. O chamado Quarteto pelo Oriente Médio, formado por Estados Unidos, Rússia, União Europeia e Organização das Nações Unidas, não reconheceu o Hamas como representante dos palestinos. Os palestinos ainda foram alvos de sanções econômicas, e Israel anunciou que proibiria os membros eleitos do Hamas de viajar entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, além de realizar uma série de incursões militares na região. Tudo isso acirrou a rivalidade entre o Hamas e o Fatá, que dissolveu o Conselho Nacional Palestino e manteve o controle da Autoridade Palestina na Cisjordânia —onde estava sua maior base de apoio.

O Hamas, que acusou o Fatá de dar um golpe, expulsou então violentamente o grupo rival de Gaza e formou um regime próprio na região, independente da Autoridade. A situação gerou uma guerra civil que durou quase um ano e terminou com a Autoridade Palestina, liderada pelo Fatá, controlando partes da Cisjordânia, e o Hamas, a Faixa de Gaza. Israel então estabeleceu um bloqueio à Faixa de Gaza, restringindo a entrada e saída de pessoas e produtos da área. 

O Hamas, por outro lado, nasceu e postulava em sua carta a destruição do Estado de Israel. Por isso, inicialmente rejeitou os acordos de Oslo e a própria ANP. No entanto, essa postura inicial, como vimos, mudou ao longo do tempo. O documento de fundação do grupo, de 1988, defende a tomada do controle dos territórios palestinos, incluindo o atual Estado de Israel. Mas um segundo documento, de 2017, aceita as fronteiras que existiam antes da guerra de 1967 como base para um Estado Palestino, tendo Jerusalém como capital.

O que realmente aconteceu no dia 7 de outubro?

Como vimos, a versão de Israel foi difundida pela imprensa ocidental como um verdadeiro “banho de sangue” do Hamas contra civis israelenses que participaram de uma festa “rave” na região em que foi executada a operação. A versão israelense sobre a operação do Hamas é completamente mentirosa. Mas teve a precedência de divulgação e a capacidade de provocar um “choque emocional” capaz de atribuir verossimilhança às mentiras difundidas. 

Agora, mais de 15 dias após a operação, começam a surgir provas incontestáveis de que o ataque do Hamas foi uma operação tipicamente militar, voltada para atingir alvos e pessoal das Forças Armadas de Israel. Por exemplo, há provas de que até metade dos israelenses mortos eram soldados; que as forças israelenses foram responsáveis por executar a morte de civis israelenses e que Tel Aviv divulgou falsas histórias de “atrocidades do Hamas” para justificar seu devastador ataque aéreo contra civis palestinos em Gaza.

Até 23 de outubro, o jornal israelense Haaretz divulgou informações sobre 683 israelenses mortos durante a ofensiva liderada pelo Hamas, incluindo seus nomes e locais de suas mortes em 7 de Outubro. Destes, 331 vítimas – ou 48,4% – foram confirmadas como soldados e policiais, muitos deles do sexo feminino. Outros 13 são descritos como militares de resgate, e os 339 restantes são ostensivamente considerados civis. Também não há registro até agora de mortes de crianças menores de três anos, o que coloca em xeque a narrativa israelense de que bebês foram alvo de combatentes da resistência palestina. Do total de 683 vítimas registradas até agora, sete tinham entre 4 e 7 anos e nove entre 10 e 17 anos. As restantes 667 vítimas são adultos.

O número e a proporção de civis e crianças palestinos entre os mortos pelos bombardeios israelenses nas últimas duas semanas são bem diferentes. Segundo o novo balanço divulgado pelo Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, em 26 de outubro, 7.028 pessoas morreram no enclave em decorrência dos bombardeiros feitos pelos israelenses, sendo que 2.913 são crianças, 1.709 mulheres e 397 idosos, e há 18.484 feridos. São muito maiores do que qualquer um desses números israelenses dos eventos de 7 de outubro.

Aviva Klompas, ex-redatora de discursos da missão israelense na ONU, foi a primeira israelense de destaque a espalhar a alegação de que havia relatos de “meninas israelenses sendo estupradas e seus corpos arrastados pela rua.”Klompas também é cofundadora do Boundless Israel, um “think action tank” que trabalha “para revitalizar a educação israelense e tomar ações coletivas ousadas para combater o ódio aos judeus”. Um grupo de caridade “assumidamente sionista” que trabalha para promover narrativas israelenses nas redes sociais.

O único caso apontado como prova de estupro foi o de uma jovem germano-israelense chamada Shani Louk. Não ficou claro se os combatentes filmados com Louk no veículo com destino a Gaza eram membros do Hamas, já que eles não ostentam os uniformes ou insígnias das tropas Al-Qassam.

Outras alegações ultrajantes, como a história do Hamas “decapitando 40 bebês”, ganharam as manchetes e as primeiras páginas de inúmeros meios de comunicação ocidentais. Até Biden afirmou ter visto “fotos confirmadas de terroristas decapitando bebês”. As alegações foram difundidas pelo colono e soldado da reserva israelense David Ben Zion, que já incitou distúrbios violentos contra palestinos e pediu que a cidade de Huwara, na Cisjordânia, fosse dizimada. Nenhuma evidência foi produzida para apoiar essas alegações e a própria Casa Branca confirmou mais tarde que Joe Biden nunca tinha visto tais fotos.

Segundo o porta-voz das Brigadas Qassam, Abu Obeida, “A operação Al-Aqsa Flood visava destruir a Divisão de Gaza (uma unidade do exército israelense nas fronteiras de Gaza), que foi atacada em 15 pontos, seguida de atacar mais 10 pontos de intervenção militar. Atacamos o local de Zikim e vários outros assentamentos fora da sede da Divisão de Gaza.” Abu Obeida e outras autoridades da resistência afirmam que o outro objetivo principal de sua operação era levar prisioneiros israelenses que poderiam ser trocados pelos cerca de 5.300 prisioneiros palestinos mantidos em centros de detenção israelenses, muitos dos quais são mulheres e crianças. 

O vice-chefe do Bureau Político do Hamas, Saleh Al-Arouri, em entrevista após a operação, enfatizou: “Temos um número grande e qualitativo de oficiais superiores. Tudo o que podemos dizer agora é que a liberdade dos nossos prisioneiros está à porta. “Até o momento, houve 38 acordos de troca de prisioneiros entre as facções da resistência e Tel Aviv – acordos que os israelenses muitas vezes resistem até o último minuto.

Por outro lado, até mesmo na festa “rave da paz” israelense, que foi citada como o ataque mais mortal cometido por combatentes palestinos durante sua operação, surgiram vídeos que pareciam mostrar as forças israelenses abrindo fogo contra uma multidão de civis desarmados, em direção a alvos que acreditavam ser membros do Hamas. A ABC News também informou que um tanque israelense se dirigiu ao local do festival.

Outras evidências indicam que há uma alta probabilidade, especialmente devido à escala dos danos à infraestrutura, de que as forças militares israelenses possam ter deliberadamente matado cativos, disparado contra alvos incorretos ou confundido israelenses com palestinos em seus tiroteios. Se a única fonte de informação para uma alegação séria é o exército israelita, então há que ter em conta que eles têm razões para esconder casos de fogo amigo.

Enquanto isso, os civis palestinos em Gaza sofrem ataques contínuos e indiscriminados com as armas pesadas mais sofisticadas existentes, vivendo sob a ameaça persistente de deslocamento forçado e potencialmente irreversível. Esta blitz aérea israelita só foi possível graças à enxurrada de histórias infundadas de “atrocidades do Hamas” que os meios de comunicação social começaram a circular a partir de 7 de Outubro.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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