Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

A necessária superação do modelo econômico neoliberal

"Quem não acredita que tudo isso seja possível, veja como o mundo mudou em 2023 e vai continuar mudando"

A grande vitória nas eleições presidenciais obtida pelo conjunto da população oprimida, pelos trabalhadores, jovens, mulheres e negros consagrou, com a eleição de Lula, uma mudança importante na correlação de forças na sociedade brasileira. O Governo Lula deveria ter sido uma coroação desse processo, com retomada do novo modelo econômico e social implementado no segundo mandato do Governo Lula em 2006, em oposição ao modelo neoliberal adotado por todos os outros governos antes e depois do Governo Lula. Foi a vacilação nesta luta fundamental que fez o Governo Dilma fracassar, abrindo o flanco para o ascenso do movimento golpista que culminou com o impeachment em 2016.

A questão do modelo Econômico

Ao contrário do que esperávamos, essa retomada não se deu na montagem do governo. A definição da equipe econômica, não foi feita por um nome que representasse as lutas desenvolvidas no último período contra o neoliberalismo, pela afirmação de um novo modelo com prioridade no desenvolvimento econômico autônomo e independente, com base no em um novo setor estatal na economia e na supervisão e controle do desenvolvimento industrial pelo governo. Sabemos que somente a mudança do eixo de desenvolvimento do país do chamado agronegócio e voltado para a exportação de produtos agropecuários e minerais, para um novo eixo de desenvolvimento voltado para a indústria e de um forte setor econômico estatal é que pode efetivamente alterar o padrão de acumulação hoje vigente no país, fruto da política econômica adotada pelo regime golpista e fascista que se instalou no país a partir de 2016.

Uma Nova Política Industrial

Uma nova política industrial deveria ter sido implantada para possibilitar o estancamento do processo de desindustrialização do país e reprimarização de nossa pauta de exportações. A recuperação e reimplantação de um setor estatal como núcleo dinâmico da economia deveria ser uma tarefa que se desse prioridade, pois a economia brasileira não suporta mais um período de uma sucessão de desastres econômicos gerados pela política econômica neoliberal. A retomada das refinarias privatizadas da Petrobrás e a reestatização da Eletrobrás são fundamentais para a reversão do modelo neoliberal para um modelo de desenvolvimento nacional e popular. Ao contrário, optou-se pelo caminho do judiciário, que, como previsto, adiou a decisão sine die. A principal refinaria foi mantida nas mãos dos Emirados Árabes em troca de investimentos que até agora não se confirmaram. A Refinaria do Nordeste teve a privatização revertida por uma manobra legal, o que foi um grande êxito. Mas a principal questão da industrialização se dá no terreno da Ciência e Tecnologia. Nós já estamos na quarta revolução industrial, centrada na automação, cibernética e inteligência artificial. Não é possível pensar o desenvolvimento do país apenas com base na indústria automobilística de motor a combustão e nas indústrias de bens de consumo durável do ramo eletroeletrônico O país já tinha um certo know-how na área de alta tecnologia, com a Embraer e o setor de pesquisa tecnológica da Petrobras que foram privatizados e deixaram de ter o papel que tinham. Chegamos a ter uma fábrica de semi condutores que foi criminosamente fechada pelo governo anterior. Isso sem falar da perda da base de Alcântara para os EUA, que era um Centro de desenvolvimento de tecnologia Espacial e que foi entregue de graça para os EUA.

A questão da Ciência e Tecnologia: parceria estratégica com a China

É preciso que uma das prioridades da reindustrialização do Brasil se dê na reestruturação do setor de pesquisa científica, a partir da criação de um Instituto de Tecnologia Avançada nos moldes do que foi feito na China, de base estatal. E na retomada da nossa tradição na área, com quadros brasileiros que estão no país, principalmente nas Universidades Federais, ou fora dele. Aliás, a parceria com a China deve ser reformulada, para projetos fundamentais na área de infraestrutura e no desenvolvimento industrial, e não mais ficando o país na função de exportador de produtos primários para a China e importador de produtos manufaturados daquele país. A China não é, estruturalmente, um país imperialista, mas a relação econômica da China com o país reproduz, a partir do golpe de 2016, com a implantação selvagem do modelo neoliberal, as relações imperiais que antes eram características da nossa submissão ao imperialismo britânico e estadunidense. O governo, até agora, não desenvolveu projetos importantes e fundamentais na parceria com a China, que o próprio Xi Jinping anunciou como estratégica, dentro do projeto da Nova Rota da Seda. É necessária a implantação de uma malha ferroviária em todo o país, com trens dinâmicos e modernos, que integre o país tanto para transporte de passageiros como de carga. Isso nos libertaria do peso que o transporte rodoviário tem sobre a economia do país, cuja ineficiência e perigo político ficaram claros nas greves dos caminhoneiros. Isto já está sendo feito em parcerias da China com países da Ásia e África que possuem maiores problemas estruturais e níveis de desenvolvimento comparativamente iguais ou menores que o do Brasil.

O problema da Fome

Outra questão estratégica para o governo é a do enfrentamento e eliminação do problema da fome. Não se vai resolver esta questão sem mudanças na estatura fundiária do país, dando condições de produção(terra, implementos agrícolas, orientação técnica) para o trabalhador sem terra ou o produtor em regime de minifúndio. Outro problema sério e mais recente é a venda indiscriminada de terras a estrangeiros, facilitada pela mudança legislativa patrocinada pelo Governo Bolsonaro. Para criar condições desta mudança, é preciso uma política efetiva de reforma agrária, a partir da reativação dessa função pelo INCRA, de preferência com a criação também de um Ministério da Reforma Agrária, combinando a política de reconstrução do sistema de fiscalização e regulação destruídos pelo Governo Bolsonaro com uma política de assentamento cada vez maior e mais rápida, para reverter os processos de concentração fundiária e o avanço do crime organizado na tomada de terras da União ou como resultado da grilagem de terras produtivas de pequenos produtores. É evidente que uma verdadeira política de reforma agrária só poderá ser efetivada com a mudança da estrutura fundiária, que altere profundamente o regime de propriedade privada da terra no país. Isso é impossível com o atual Congresso, mas pode se dar no caso de uma mudança da correlação de forças que pode ser gerada em um movimento de massas, amplo e democrático por uma Assembleia Nacional Constituinte.

A Política Nacional de combate à fome

Para o encaminhamento de uma política nacional de combate à fome não basta a retomada do Programa de Bolsa Família, mesmo que com um valor maior que 600,00, pois acrescenta o valor de acordo com o número de filhos até 6 anos. O problema está na estrutura de produção de alimentos do país, baseada na pequena ou micro propriedade, e pautada por baixa produtividade, escala diminuta e grande controle do preço final pelo sistema de transporte/distribuição e pelo comércio varejista. É preciso reconstruir a atuação reguladora e de supervisão do comércio de alimentos pelo Estado, para impedir que um pequeno grupo de grandes transportadores e empresas de supermercados estabeleça, arbitrariamente, o preço dos produtos necessários para sobrevivência da população. É preciso que sejam recriados grandes armazéns estatais dos alimentos básicos, com a função de regular o mercado, impedindo que a especulação ou os fatores sazonais continuem determinando se a população consiga ou não consumir o montante vital de calorias, proteínas, vitaminas, etc. E é preciso criar, pelo menos em cidades com um volume maior populacional e que não haja possibilidade de suprir com autoconsumo suas necessidades básicas, armazéns que atuem diretamente na venda de produtos de uma cesta básica, com uma rede, mas de propriedade do Estado. Finalmente, o estabelecimento de uma política de preços máximos de produtos básicos do consumo popular, nos moldes da antiga SUNAB (Superintendência Nacional de Abastecimento e Preços), como um órgão do governo federal. É preciso romper o círculo vicioso de salários rigidamente controlados pela política de salários mínimos e preços de alimentos e outros produtos necessários à sobrevivência da população absolutamente livres. É preciso também uma política salarial, que seja negociada com as Centrais Sindicais, para estabelecer um valor mais realista para o salário mínimo. É evidente que seu atual valor não condiz com a realidade da vida da maioria da população que recebe atualmente o salário mínimo.

Como se sabe, o salário mínimo necessário para manter uma família de quatro pessoas deveria ser de R$ 6500.00 (Janeiro de 2024), segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico). O cálculo leva em consideração a cesta básica mais cara do Brasil e o cumprimento da determinação constitucional que estabelece que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e da família dele com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência. No novo valor do salário mínimo, de R$ 1412,00, o trabalhador gasta mais de 50% com consumo de alimentos da cesta básica.

A questão da participação popular

Finalmente, se coloca a questão da participação popular. O próprio presidente Lula apontou a questão central, que é a do Orçamento. O governo não cumpriu a promessa de colocar o povo no Orçamento. Isso só será possível com mobilização popular, comum orçamento participativo. É um absurdo que o Orçamento Público seja um Orçamento do Congresso, que obriga o Governo a aceitar e não alterar as emendas parlamentares. O orçamento nas mãos do Congresso e não do Governo é uma anomalia que deve ser sanada, através da convocação de um referendo com grande participação popular na sua elaboração. Como dificilmente o Congresso irá, voluntariamente, extingui-lo, será necessária uma ampla mobilização popular contra ele. Na medida que o governo optou por negociar com o Congresso e adotar uma política de austeridade como o Arcabouço Fiscal e o Déficit Zero, não tem como escapar e uma armadilha que ele mesmo criou.

Mas é preciso efetivamente colocar o povo no orçamento. Isto exige desencadear uma ampla campanha denúncia do atual Orçamento de forma a torná-lo absolutamente sem legitimidade junto à população. Há algumas medidas simples de serem implementadas, como o restabelecimento do teto das remunerações pagas no setor estatal e fixá-lo como um múltiplo do salário mínimo. Assim, para aumentar o teto teríamos que aumentar o salário mínimo. Outra Ideia importante é o orçamento participativo. Hoje é muito simples de adotar o orçamento participativo, basta usar um aplicativo de celular como o gov.br para fazer as consultas das prioridades que a população deseja para as verbas públicas. O importante é alterar a atual política orçamentária do Governo, já que o Orçamento atual é dividido entre o pagamento de Juros da dívida, das emendas parlamentares e a Previdência, incluindo as grandes pensões do Judiciário, Congresso e Executivo, nessa ordem. Mas dentro da pequena parcela das chamadas despesas discricionárias, aquelas que o Governo pode como definir suas prioridades de gasto, poderia ser alocada ao menos uma parte destinada ao Orçamento Participativo. Esta pequena parte do Orçamento não poderá, evidentemente, atender a todas as demandas populares de gasto do Governo, mas poderá ser uma importante medida política e pedagógica. A população passará a entender, com base numa experiência prática, os obstáculos que impedem o governo a não ter recursos para resolver seus problemas e como esses recursos são desviados para os bancos, através do pagamento de juros da dívida interna. Isso possibilitará o desenvolvimento de uma luta da população contra esta imensa arbitrariedade que leva para uma minoria da sociedade os trilhões do Orçamento.

Outro ponto importante é a volta das Conferências municipais e estaduais, mas principalmente uma nova Conferencia Nacional de Política Públicas. É importante que se leve a frente esta ideia, que poderá restaurar um pouco da política participativa que se criou a partir do 2º. Mandato de Lula.

O Governo Lula, no entanto, só sobreviverá à oposição sistemática que lhe faz a direita e a extrema direita, se se basear na mobilização e organização popular de forma permanente. É preciso que se dê a maior amplitude possível esta mobilização, seja através da manutenção e ampliação dos Comitês de Luta, seja através de estruturas de mobilização nos Estados e Municípios em torno das propostas e programas propostos. Só assim se poderá resistir a mobilizações contrárias e golpistas da extrema direita.

A questão do Meio Ambiente

Sobre a questão do meio ambiente e da Amazônia é preciso resistir às tentativas de interferência externa, sob a capa de defesa da humanidade e princípios internacionais. A soberania na defesa da Amazônia e da eliminação das atrocidades bolsonaristas não pode ser confundida com uma internacionalização da Amazônia e do nosso meio ambiente. A política da defesa do meio ambiente não deve ser uma política anti desenvolvimentista e contra nossa soberania. Não há que pensar em suspender todos os projetos de melhoria da vida da população brasileira em função de uma política submissa aos desígnios imperialistas. Não se deve abandonar o uso de hidrocarbonetos e da energia nuclear, além de hidroelétricas para não confrontar o meio ambiente. A transição nessa área se fará de maneira gradativa e deve durar pelo menos 50 anos. Só é possível atender as demandas da população pela promoção de um novo modelo econômico onde se explore todos os potenciais de nossos recursos em prol da maioria da população. Combinar o desenvolvimento com a defesa do meio ambiente não só é possível como necessário. O exemplo que temos é o da Alemanha, que desativou as suas usinas nucleares para fornecimento de energia e hoje sofre os rigores da política imperialista que não lhe permite mais o consumo do gás barato russo.

A política externa altiva e ativa

A posição do Brasil perante a Guerra da Ucrânia deve ser de apoio crítico à Rússia no que ela fizer de política anti-imperialista e buscar estabelecer a paz como uma derrota significativa do imperialismo, com a Rússia mantendo o domínio da região de Donbass e a desmilitarização da Ucrânia, que não deverá se filiar à OTAN.

O pilar básico de nossa política externa deve ser de recuperação de nossa soberania e adoção de pautas anti-imperialistas onde o Brasil deve ocupar um lugar importante, colocando a política externa como um instrumento de nosso desenvolvimento. Nesse sentido, não deve haver submissão em nenhum aspecto à política do imperialismo estadunidense, com o estabelecimento de relações econômicas, políticas e culturais com todos os povos e nações, incluindo aí a China, a Rússia e demais países sancionados e bloqueados pelo imperialismo. Devemos lançar um movimento nacional pela recuperação da Base de Alcântara para os brasileiros e fim de exercícios militares conjuntos do governo brasileiro com as Forças Armadas imperialistas. 

Nosso governo deve ter total solidariedade aos povos oprimidos e espoliados pelas potências imperialistas, com solidariedade aos países que forem penalizados pelo fato de adotarem um regime político ou modelos de desenvolvimento que sejam discriminados pelo imperialismo. Na conjuntura atual, coloca-se a necessidade de apoio e solidariedade irrestrita à Palestina, com adoção de medidas econômicas e políticas que impeçam Israel de continuar com o genocídio e apartheid contra o povo palestino. O governo deve participar construção de uma frente anti-imperialista mundial que possa dar passos para um derrota do imperialismo no mundo. 

Quem não acredita que tudo isso seja possível, veja como o mundo mudou em 2023 e vai continuar mudando. Como diz a canção que já citamos em outro artigo: “A história é um carro alegre, cheio de gente contente, e que atropela indiferente todo aquele que a negue”

Feliz Ano Novo para todos!

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.