Segundo dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em março deste ano, cerca de 820 mil mulheres são estupradas por ano no Brasil, o que equivaleria a aproximadamente duas mulheres por minuto. Um problema gravíssimo.
Para a esquerda identitária, a raiz dessa violência, assim como em relação a tudo, se trataria de um problema moral.
Segundo essa esquerda, haveria no país uma “cultura do estupro” e essa cultura é que levaria os homens a conseguirem estuprar tantas mulheres. Decorre dessa ideia que a maioria da sociedade seria a favor de estuprar mulheres, já que isso seria uma questão cultural.
Foi com base nessa ideia que algumas mulheres protestaram em Belo Horizonte, na última semana, contra o estupro de uma jovem de 22 anos no bairro Santo André, na região noroeste de BH.
O ato reuniu diversos movimentos sociais de mulheres na Praça Sete com reivindicações legítimas como cobrar das autoridades que implementem políticas públicas que garantam a segurança e integridade das mulheres.
Apesar de algumas reivindicações legítimas como a citada acima, a principal defendida pelo ato é que há no País uma “cultura do estupro”. É uma afirmação abstrata que ressalta o aspecto moral ao invés das condições sociais concretas que levam as mulheres a estarem em situação tão vulnerável, como pode ser observado na fala de algumas das manifestantes.
“Fomos para as ruas hoje novamente movidas pela brutalidade da violência contra a mulher. Não admitimos a falta de indignação frente a um caso tão brutal como esse. Não dá mais para ficar em casa assistindo tudo pela TV. É muito importante ocuparmos as ruas e mobilizarmos a sociedade para lutar e cobrar justiça […] Hoje, pedimos um basta à cultura do estupro. Infelizmente aconteceu com essa jovem de 22 anos, mas poderia ser qualquer uma de nós”, diz a jornalista Yany Mabel.
“Assim, conseguimos demonstrar apoio e solidariedade à vítima. Que os nossos corpos, historicamente violados, possam ser livres”, disse uma das manifestantes.
No final, vemos que o que se sobressai de suas reivindicações são, na verdade, pedidos de uma maior repressão por parte do Estado e por parte da polícia assassina, essa mesma policia que, por incrível que pareça, nunca está nas ruas completamente mal iluminadas das cidades para impedir uma mulher de ser estuprada. Como se não houvesse inúmeros exemplos de casos de abusos de policiais contra mulheres.
Isso porque, na prática, a verdadeira tarefa da polícia não é atuar para impedir que qualquer violência aconteça, mas sim para intensificar a violência depois que ela já aconteceu.
Portanto, ao contrário do que é extraído das reivindicações dos identitários, a solução para acabar com esse número exorbitante de violência contra as mulheres não é fazer uma “pregação” para que os homens deixem de agir como homens das cavernas e muito menos o fortalecimento das forças policiais. Somente uma mudança econômica pode alterar a situação das mulheres, pois sua opressão é fruto disso, e não, simplesmente, da “cultura”. Essa concepção proveniente do identitarismo serve, inclusive, para desmobilizar a luta das mulheres.
Em relação à polícia, a confusão não poderia ser maior. Nas últimas semanas, com as chacinas em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, tivemos a demonstração prática da função da Polícia Militar: assassinar os trabalhadores, e não garantir a sua segurança.
Finalmente, são as mulheres que devem garantir a sua própria segurança por meio de comitês de autodefesa e, com isso, por meio de seu armamento. Também é preciso ressaltar que a precarização do emprego, os baixos salários, a falta de creches, escolas de tempo integral, tudo isso também contribui para a violência contra as mulheres que, por necessidade, são obrigadas a permanecer em relações e situações degradantes.
Não é pregando contra uma suposta “cultura do estupro”, que supostamente existiria na cabeça dos homens, que a violência contra a mulher vai acabar. Mas sim, mudando concretamente a sociedade por meio da luta política visando, acima de tudo, a emancipação econômica da mulher.