Em coluna publicada no portal Brasil 247, Denise Assis faz seu balanço do primeiro ano do governo Lula, marcado – segundo a colunista – como “como o ano em que a democracia derrotou o fascismo nas urnas” (“O ano de 2023 já é história. Nele, a democracia venceu”, 17/12/2023). “Este”, acredita Assis, “vai ser lembrado como o ano em que a democracia derrotou o fascismo nas urnas – eletrônicas, sim, por que não? – e pusemos a correr para o fosso da mediocridade o autoritarismo que nos ameaçava”. A esquerda pequeno-burguesa pode não perceber o quão desagradável é ler constantemente que “a democracia venceu o fascismo”, porém o verdadeiro problema é o fato de semana sim, semana não, a frase aparecer em algum texto, entrando para o conjunto de coisas que se fossem verdade, não precisariam ser ditas e repetidas à exaustão.
“O 8 de janeiro, que fará em breve o primeiro aniversário, já ganhou status de data a ser incluída no calendário, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva andou dando alertas em falas recentes, de que não o deixará passar em brancas nuvens. Sabe o quanto lhe custou manter nas mãos o poder que lhe foi conferido pelo povo, pelos votos democráticos, alvo que foi dos ataques destrutivos do terrorismo, que subiu a rampa do Planalto dias depois de ele ter protagonizado ali uma ode à diversidade e à liberdade.”
De fato, o custo foi enorme. O governo foi posto na defensiva diante da mobilização comandada pelo comando das Forças Armadas e terminou passando o resto do ano buscando impedir a asfixia política de seu governo, travando batalhas para aprovar mesmo medidas que a burguesia queria ver aprovada, porém por outro presidente. É o caso do relaxamento do Regime Fiscal, que, se fosse mantido, produziria uma explosão social no País. O mesmo para a Reforma Tributária, que poucos benefícios trouxe à população, mas que, para ser implementada, obrigou o presidente Lula a capitulações inacreditáveis, como ceder ministérios a partidos como o União Brasil e outros da base bolsonarista, como PSD, Republicanos, PP e PRD.
“Outro episódio marcante”, continua Assis, “que merece ser lembrado como a consolidação da democracia foi o ‘day after’, o dia 9, quando o presidente liderou uma caminhada até a sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, ao lado da presidente do STF, a ministra Rosa Weber. A jornada a pé, que normalmente leva cerca de seis ou sete minutos, durou aproximadamente 30 minutos dado o número de políticos e profissionais da mídia que se reuniram ali, para aquele momento de demonstração da força e da união das instituições em defesa da Constituição do país. Caminharam ainda sobre os cacos dos vidros estilhaçados pelo vandalismo, que o processo e a condenação dos envolvidos a 17 anos de prisão trataram de tornar emblemáticos e exemplares.”
Como a maioria dos atos “simbólicos”, a caminhada não tinha valor algum para a esquerda, mas demonstrava a força, sim, mas da direita. “Força e união” é uma forma mística de ver a coisa. Outra, é ver “instituições” como a burocracia judicial e as forças armadas cercando completamente o presidente, o que fica evidenciado pelo loteamento de ministérios à direita (para não mencionar direitistas travestidos de esquerdistas, como Sônia Guajajara, Marina Silva, Carlo Lupi e similares). O mundo cor de rosa da colunista de Brasil 247 tem, como se vê, um obstáculo: o mundo real.
Neste, “a força e a união das instituições em defesa da Constituição” terminaram por impulsionar uma campanha repressiva alucinante, responsável por colocar na cadeia perigosas donas de casa, manicures e trabalhadores. Um pequeno comerciante do Distrito Federal morreria no cárcere, provocando um escândalo pela monstruosidade do fato em si, mas também, pavimentando o caminho para que, em um eventual retorno da direita ao governo federal, a esquerda seja reprimida com uma violência ainda impossível de mensurar.
Finalmente, a campanha de repressão se limitou aos elementos descartáveis. A ausência de generais nos processos judiciais abertos seria uma prova do quão farsesco a “defesa da democracia” pela burocracia judicial é. No entanto, é exatamente essa a ilusão que a direita tradicional e a esquerda pequeno-burguesa se esforçam para difundir, ignorando sinais claros de que a perseguição aos manifestantes do 8 de janeiro visava criar o clima repressivo e jogar o ônus da política impopular ao próprio presidente Lula.
“Esse foi o ano em que Lula acreditou que podia e desabusou as previsões dos técnicos da economia, levando o Brasil a um crescimento de 3%, quando os ‘manuais’ previam que chegaria apenas na casa de 1% e olhe lá”, diz a entusiasmada colunista, acrescentando:
“O índice do desemprego, que já esteve rondando a casa de 15%, pós-golpe de 2016 – mas não era só tirar a Dilma? -, registrou o patamar mais baixo desde os 4,6% conseguidos pela ex-presidente, derrubada por um impeachment, dentre outros motivos, por falta de sustentação política por seu ‘fracasso’ econômico. Em 2023, por ironia, Dilma foi empossada como presidente do banco dos BRICS e apontada como a mulher economista de 2023. Haja cambalhota do destino!”
Se na política, o governo encontra-se cercado, na economia há ainda menos a comemorar, sendo este um dos grandes pontos de fragilidade do presidente Lula junto à população. Segundo o Ipec (antigo Ibope), 38% dos brasileiros classificam o governo do presidente Lula (PT) como bom ou ótimo, enquanto 30% o veem como regular e outros 30% o definem como ruim ou péssimo. A pesquisa em questão foi divulgada em 7 de dezembro.
Antes, em 6 de setembro, eram 40% os que avaliavam o governo como bom ou ótimo, contra 32% regular e 25% ruim ou péssimo. Em junho, o governo Lula era tido como bom ou ótimo para 37% e ruim ou péssimo para 28%.
Naturalmente, as pesquisas devem ser vistas com ressalvas, mas é inegável que o governo tem problemas em relação ao apoio popular e isto se deve, fundamentalmente, à economia. As melhorias são demasiadamente tímidas, o arrocho salarial diminuiu a intensidade, porém os salários continuam irrisórios, corroídos por uma inflação que segue maior do que o poder de compra das famílias trabalhadoras, que por sua vez, recorrem a bicos porque o problema estrutural do desemprego, a franca desindustrialização do País, não está sendo tratada.
Para resolver o problema, é preciso por um fim a estes dois graves problemas que o governo Lula enfrenta: a industrialização do Brasil precisa ser retomada, para que empregos de verdade sejam criados, ao mesmo tempo que outros problemas decorrentes da destruição da indústria nacional sejam contornados. Ao mesmo tempo, as liberdades democráticas precisam ser defendidas, muito mais do que qualquer instituição golpista sem qualquer prestígio entre os trabalhadores, por serem inimigas históricas da classe operária.
Por fim, é preciso ter a cabeça no lugar e fugir da tentação tola de propagandear um mundo cor-de-rosa ilusório. Tratar o povo trabalhador como idiota e criar um faz-de-conta, longe de atrair qualquer simpatia dos trabalhadores, produzirá o fenômeno oposto.