Assisti recentemente a um filme do diretor espanhol Luis Buñuel que recomendo muito pela atualidade dos temas abordados.
Trata-se de A Adolescente (The Young One, 1960). Com um elenco de atores americanos e falado em inglês, o filme discute o racismo e a luta de classes nos Estados Unidos, mais especificamente nos conservadores estados do sul do país, onde a ação é encenada.
Sabemos que os movimentos pelos direitos civis que ocuparam os anos 1960 nasceram no pós-guerra e são o resultado da perseguição do estado norte-americano – via macarthismo e outros movimentos de repressão – contra os comunistas do país desde os anos 1930.
Como resultado, incluindo aí a capitulação das centrais sindicais, os movimentos sociais apagaram a luta de classes como base fundamental da ação política e iniciaram os movimentos que conhecemos como de “inclusão social” (em oposição à “transformação social”) pelos direitos das minorias, especialmente das mulheres e dos negros e, um pouco mais tarde, dos homossexuais.
Hoje, as contradições desses movimentos, atrelados ao capitalismo, abrem feridas nas lutas sociais, expondo uma espécie de hipocrisia moral cooptada pela burguesia e que tem jogado os trabalhadores no colo da direita.
O filme de Buñuel, de 1960, tem a capacidade, de certa forma, de antever esses acontecimentos em um enredo mordaz focado na luta de classes e que força o espectador a tomar posição diante do que é apresentado.
O enredo conta a história de três personagens que são colocados em conflito em uma ilha no sul dos Estados Unidos. A adolescente Evalyn (Key Meersmann) é criada por seu avô em um lugar ainda selvagem e hostil. A ilha, propriedade privada, também conta com a presença do guarda-caças Miller (Zachary Scott). Eles vivem da caça e da agricultura de subsistência.
Logo no início do filme, o avô de Evalyn morre, deixando-a à mercê de Miller. Ao mesmo tempo, no continente, um músico de jazz negro chamado Trevor (Bernie Hamilton) é acusado injustamente de estupro. Ele foge até a ilha onde tenta conseguir refúgio.
Com uma vida reclusa e sem acesso à educação formal, Evalyn é a protagonista. Ela é representada como uma menina corajosa. Criada distante do moralismo vigente, ela tem como função dramática ser o ponto de vista não contaminado pela situação social.
Alguns poderiam chamar de ingenuidade, porém, ao longo do filme, fica claro que ela faz um contraponto aos embates entre os homens que a cercam, tecendo perguntas e oferecendo reflexões óbvias às condições impostas. Há um certo tom didático na abordagem.
Evalyn não tem medo do homem negro que lhe pede ajuda. Também não tem medo de Miller, apesar de suas investidas sexuais que culminam em estupro, o que faz desse homem branco um tipo de vilão, que toma a menina para si como se fosse sua por uma espécie de direito. Quando o clérigo da cidade vem em seu resgate, seu primeiro ato de proteção é batizá-la. Pragmática, ela pede uma arma.
A questão apresentada por Buñuel é complexa. Ele não se esquece de mostrar que Miller, ignorante, rústico e violento, é também um trabalhador. Ele e Trevor são veteranos da II Guerra Mundial. Trevor, ao contrário, é músico, urbano, cosmopolita e civilizado, chama seu oponente de “red neck” e está em uma posição social mais alta. É perseguido pela sociedade provinciana ao ser acusado por uma mulher da burguesia local. “Uma mulher branca e rica pode ser mentirosa?”, questiona um dos personagens. Ele é culpado por ser negro e teme linchamento.
Todos esses aspectos enriquecem o filme. Buñel retrata a complexidade da situação, sem dividir os personagens em mocinhos ou bandidos. Ele quer também o formato melodramático do cinema americano, aproximando-se do épico e de Bertold Brecht. Ele tem como base a luta de classes e visa provocar o debate, deixando para quem assiste as possíveis conclusões. Um raro e excelente retrato das contradições norte-americanas.