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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Música brasileira

20 álbuns para escutar antes de cair na rede

Quatro ressalvas feitas à MPB

Enquanto brasileiro, na minha mocidade tive por trilha sonora a MPB: quando criança, ouvia Roberto Carlos; já adolescente, escutei Gal Costa, Gilberto Gil e Alceu Valença; então adulto, o preferido era Chico Buarque. Ainda gostava muito de chorinho e de outras vertentes da música instrumental brasileira; também escutei bastante rock, música indiana, flamenco, jazz e música erudita; tempos depois, com sessenta anos de idade, revi esse tempo, buscando redimensionar o papel da MPB entre tantas músicas.

Com esse fim, selecionei 20 álbuns da música brasileira – 15 da MPB e 5 de música instrumental –, que pretendo discutir em colunas consecutivas; por critério principal, não considero a canção apenas mediante relações abstratas entre letras e melodias, buscando, isto sim, inseri-la na performance artística, quer dizer, enquanto encenação musical concreta e demarcada histórica e esteticamente. Antes, porém, gostaria de fazer quatro ressalvas:

(1) Não se trata da Bossa Nova nem do Tropicalismo, deles já se falou bastante, com alguns críticos insistindo, frequentemente, em reduzir a MPB a ambos ou a variações próximas dos dois estilos; pretendemos, justamente, enfatizar concepções diferentes de música e de canção.

(2) Excluiu-se o dito rock brasileiro; se comparado ao rock internacional, o rock brasileiro praticamente deixa de existir, aproximando-se ora da música pop, que parece o caso do rock brasileiro dos anos 1980 – Cazuza e Barão Vermelho, Legião Urbana e Paralamas do Sucesso –; (2) ora da música sertaneja, feito é, certamente, o rock da Jovem Guarda – Roberto e Erasmo Carlos, Sérgio Reis –; (3) ora da música brega, qual a dupla Rita Lee e Roberto de Carvalho ou Raul Seixas, na maioria das composições. Desde Celly e Tony Campelo, o rock feito no Brasil se distancia do verdadeiro rock’n’roll; depois deles, seguiu-se a familiar Jovem Guarda, e nada mais longe do rock que Roberto, Erasmo Carlos e Wanderleia. Cazuza e Renato Russo são burgueses demais para serem roqueiros de verdade, além do mais, ambos não sabem cantar; por fim, não há músicos de alta performance nas bandas de MPB-rock.

(3) A música sertaneja, por sua vez, chega a dispensar comentários. O movimento sertanejo no Brasil é a negação da música; trata-se de outro subproduto dos efeitos danosos da ditadura militar de 1964 contra os progressos culturais do país. A ditadura militar desmantelou o pensamento brasileiro perseguindo ativistas políticos, artistas, estudantes e professores; a música sertaneja emerge, justamente, nessa falha política e cultural. As relações entre a música sertaneja e a ditadura militar não são difíceis de confirmar, de Dom e Ravel a todas as duplas disseminadas nos anos 1990, todos professam a estrema direita, sendo impossível esquecer do apoio dado por todos eles a Fernando Collor de Melo, seja na eleição, seja na época do impedimento; enquanto muitos companheiros amargaram o exílio e a tortura, duplas assim compuseram cantigas para a ditadura, qual o odioso “Eu te amo meu Brasil”. Por fim, dupla sertaneja não é dupla caipira; não se quer desvalorizar, longe disso, Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho, Tonico e Tinoco ou Alvarenga e Ranchinho; os últimos foram fichados no DOPS, ninguém fichou Dom e Ravel.

(4) Quanto a boa parte do Funk brasileiro, ela nasce da mesma falha cultural gerada pela ditadura, entretanto, por surgir em classes sociais menos favorecidas, confunde-se com emancipações da cultura popular, escondendo-se, nessas circunstâncias, outra estratégia da cultura de massas; em relação ao samba, nascido nas mesmas camadas sociais, o Funk expressa empobrecimentos no ritmo, na poesia, na dança e na ideologia. Nina Simone nasceu na extrema pobreza; felizmente, ela teve a sorte de ser ouvida por uma professora de piano, quem resolveu ensinar a menina. Assim feito ela, há muitas Ninas vivendo na pobreza brasileira e nenhuma delas, as daqui nem as de todos os lugares, deveriam depender da generosidade de professores sensíveis e caridosos; a educação deve ser, isto sim, programa político. Nina Simone aprendeu música erudita, pois teve formação acadêmica, somente os racistas não a reconheceram; essa formação fez dela uma das maiores improvisadoras de jazz, realizando fusões complicadas em solos de piano e composições, reforçando sua militância política, quando necessário, a favor da ação afirmativa do movimento negro. Nessa perspectiva, o verdadeiro ensino é revolucionário; para a direita, torna-se mais fácil promover a feiura e o desmantelo do que democratizar a formação acadêmica, aproveitando-se da falta de educação, disfarça de cultura popular, e de ostentações do mercado consumidor, confundidas com revolução social.

Por fim, eis as sugestões; 20 álbuns para escutar, antes de cair na rede:

15 de MPB

(1) Sílvio Calda – Histórias da música popular brasileira, 1973

(2) Claudia – Deixa eu dizer, 1973

(3) Jorge Ben – 10 anos depois, 1973

(4) Flora Purim – 500 miles high Flora Purim at Montreux, 1974

(5) Alceu Valença – Vivo, 1976

(6) Paulinho da Viola – Memórias cantando, 1976

(7) Milton Nascimento – Milton, 1976

(8) Zé Ramalho – A peleja do Diabo com o Dono do Céu, 1979

(9) Elba Ramalho – Ave de prata, 1979

(10) Cátia de França – 20 palavras ao redor do Sol, 1979

(11) Gonzaguinha – Gonzaguinha da vida, 1979

(12) João Bosco – 100ª apresentação, 1983

(13) Ivone Lara – Ivone Lara, 1985

(14) Bezerra da Silva – Bezerra da Silva ao vivo, 1999

(15) Marcelo D2 – MTV ao vivo, 2004

5 de Música instrumental

(1) Som Imaginário – A matança do porco, 1973

(2) Egberto Gismonti – Corações Futuristas, 1976

(3) A Cor do Som – A Cor do Som ao vivo em Montreux, 1978

(4) Hermeto Pascoal – Zabumbê-bum-á, 1979

(5) Grupo Um – Marcha sobre a cidade, 1979

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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