Na última semana, a América Latina foi palco de mais um golpe de Estado. O Peru, quinto país latino-americano mais populoso, teve seu presidente, Pedro Castillo, derrubado pelo Congresso Nacional. Mais uma vez a direita golpista, o judiciário e as forças armadas aliados do imperialismo derrubaram um presidente de esquerda na América do Sul. Nem mesmo os setores mais moderados da esquerda estão a salvo da sanha golpista do imperialismo.
Imediatamente após a derrubada do presidente Pedro Castillo, as mobilizações populares se iniciaram, de maneira espontânea e sem a liderança da esquerda. As ruas de Lima foram tomadas por trabalhadores que pediam a libertação do presidente eleito, condenado pela Suprema Corte, e o fechamento do Congresso Nacional, que votou a destituição de Castillo, além de uma Assembleia Constituinte e novas eleições. As manifestações foram duramente reprimidas pela polícia peruana. Só no estado de Apurímac seis pessoas foram assassinadas pela polícia, sendo dois menores de idade, todos com ferimentos por armas de fogo. Em Arequipa, morreu também um homem em decorrência dos protestos, também por arma de fogo, elevando a sete o número total de óbitos.
As manifestações estão nas ruas das principais cidades do país: Cajamarca, Arequipa, Tacna, Andahuaylas, Huancayo, Cusco, Puno, além da própria capital, Lima. Há também bloqueios de estradas que já afetam setores da economia, e eles vêm aumentando. Os bloqueios se encontram até agora nas regiões de Cusco, La Libertad, Ica, Huánuco, Amazonas, Ucayali, Puno e Moquegua. Na cidade de Cusco, as aulas foram suspensas no dia 12 de dezembro, até que a situação se normalize. A presidenta golpista Dina Boluarte, por sua vez, declarou estado de emergência em Apurímac, Arequipa e Ica para tentar impor o controle da situação política por meio da repressão.
Em Apurímac, na cidade de Chincheros, manifestantes puseram fogo na fiscalía e na comisaría, algo como a sede do Ministério Público na cidade e a delegacia, respectivamente. Em vídeo gravado no local, a narração fala que a revolta se deu pela morte de um manifestante.
O governador de Apurímac, Baltazar Lantarón, declarou que: “Há protestos em Andahuaylas, Chincheros, Abancay, Cotabambas. Não há trânsito na região. Só circulam ambulâncias. Suspendemos as atividades escolares e as atividades públicas. Isso produz um grande prejuízo econômico a Apurímac.” Uma demonstração de que os protestos estão surtindo efeito na pressão sobre o governo golpista.
Na capital, Lima, manifestantes atacaram com paus e pedras a fiscalía, até serem dispersados pela polícia e retornarem, quando se produziu um enfrentamento.
Já na região de Huancavelica, cerca de 600 manifestantes tentaram tomar a estação de energia elétrica de Friaspata, mas a polícia barrou o movimento com o uso de gás lacrimogêneo.
A imprensa burguesa não divulgou número de feridos civis, mas vem divulgando que, até agora, 119 policiais ficaram feridos em decorrência dos protestos.
O diretor do Conselho Nacional de Transportes Terrestres, Martín Ojeda, declarou, sobre a suspensão de serviços de empresas de transporte terrestre e as perdas milionárias do transporte interprovincial de carga por causa dos protestos: “No último final de semana, se perdeu meio milhão de sóis. Mais de 7.000 unidades não estão circulando. Praticamente, Lima está sitiada. Não estão entrando produtos. Se tem que estabelecer urgentemente o estado de emergência na rede viária nacional.”
A imprensa burguesa se coloca totalmente contra as manifestações afirmando que elas estão afetando a economia. Um artigo indica que, em pleno período de natal, as vendas do comércio do centro de Lima tiveram uma queda de 70%. Contudo, as mobilizações não parecem ter atingido um nível grande o suficiente para serem vitoriosas. O governo golpista cedeu um pouco e adiantou as eleições em dois anos, mas elas ainda acontecerão apenas em abril de 2024, ou seja, garantindo 1 ano e meio para a burguesia tentar estabilizar o país sob o governo da direita.
Os trabalhadores peruanos saíram às ruas pois sabem que o governo da direita golpista, apoiado pelos fujimoristas, que impuseram uma ditadura no país na década de 1990, será um duro ataque à população. Em toda a América Latina os golpes de Estado estabeleceram governos neoliberais de destruição de todos os direitos dos trabalhadores e venda de todas as riquezas dos países, e essa é a tendência também para o Peru.
As eleições de Lula no Brasil, Alberto Fernández na Argentina, Luis Arce na Bolívia, López Obrador no México, Xiomara Castro em Honduras, Gabriel Boric no Chile, Gustavo Petro na Colômbia e do próprio Castillo no Peru levaram a esquerda continental a alimentar ilusões na derrota do processo golpista na América Latina. Mas as crises que vivem todos esses países, com os governos de esquerda ou sendo ameaçados de golpe (Argentina, México e Bolívia) ou traindo o povo e se mancomunando com o imperialismo (Chile e Colômbia), comprova que o processo golpista não foi derrotado eleitoralmente pela nova “onda cor-de-rosa”, mas, pelo contrário, continua a todo o vapor.
A luta contra o golpe de Estado no Peru deve ser apoiada por todos os trabalhadores latino-americanos. Pedro Castillo não governou apoiado na mobilização popular, mas buscou se apoiar na direita e, por isso, foi destituído. Mas, independente do caráter de seu governo, o que é certo é que a derrubada do atual governo golpista pela mobilização popular seria uma vitória dos trabalhadores. É necessário uma direção para o movimento que canalize a luta contra o golpe de Estado, que pode surgir de dentro da própria mobilização.
Na Bolívia, em 2019, um processo parecido derrubou o governo de Evo Morales e impôs um regime ditatorial de extrema-direita com a presidenta Jeanine Áñez. Após um ano de mobilização de ruas nacionalmente, os trabalhadores bolivianos derrubaram o governo com novas eleições, que garantiram a volta do MAS ao poder. O Peru deve se inspirar nos bolivianos e levar a luta ainda mais longe, mobilizar até a derrota total dos golpistas e a conquista de um governo dos trabalhadores.