A esquerda pequeno-burguesa brasileira gosta de repetir o que lê nos jornais da burguesia. Fazem isso ao analisar a política nacional, fazem isso quando interpretam algum acontecimento histórico. O bicentenário da Independência nacional fez aparecer muitos palpiteiros sobre esse evento que, sem dúvida, é um dos mais importantes e decisivos da história do Brasil.
Um artigo do jornal da Unidade Popular, A verdade, publicado por ocasião do Grito dos Excluídos, junta-se a esses palpiteiros da história. Repete as incontáveis besteiras ditas sobre o 7 de Setembro, em primeiro lugar na própria imprensa burguesa. A tentativa, portanto, da UP de parecer super esquerdista e radical por falar coisas sobre a Independência, é frustrada. A UP não passa de um repetidor da campanha da burguesia e do imperialismo contra o Brasil e o povo brasileiro.
“Como falar de independência quando 33 milhões de brasileiros/as passam fome e mais de metade da população, 125 milhões de pessoas, vive em situação de insegurança alimentar?”
Logo no início, como vemos, o artigo da UP dá mostras de uma “grande” capacidade intelectual para analisar a história. Quer maior prova de que a Independência, ocorrida 200 anos atrás, não foi de verdade senão a de que o povo hoje passa fome? Irrefutável, não é mesmo? Segundo essa lógica, a independência política de um país está relacionada apenas à sua prosperidade econômica.
Podemos, portanto, esticar a grande análise da UP para praticamente todos os países. Nenhum país da África, da América Latina ou da Ásia seriam independentes, afinal, muito mais do que no Brasil, há fome ali. Rigorosamente falando, até mesmo os Estados Unidos não seriam independentes, inegavelmente existe muita fome lá. Aliás, a fome existe no capitalismo. Ou a UP ignora essa obviedade, ou acredita que só o Brasil tem defeitos.
A UP continua sua demostração de que o Brasil não é independente e de quebra aproveita para acusar o PT:
“O PT se gaba de que, nos seus 14 anos de governo, tirou o Brasil do Mapa da Fome da ONU e agora promete que o país retornará a esse status com a eleição de Lula em 2022. Entretanto, esquece que bastaram quatro anos de governo liberal neofascista para tudo cair por terra (…) gerando uma economia dependente e associada, cujas classes dominantes rejeitam qualquer desenvolvimentismo com um mínimo de autonomia, punindo severamente aqueles que o tentaram imprimir, a exemplo de Vargas, Juscelino e o próprio Lula, que amargaram o suicídio imposto (Vargas), a morte questionada (Goulart), o acidente suspeito (Juscelino), o impedimento (Dilma) e a cadeia (Lula).”
De fato, num golpe de mão a burguesia e o imperialismo conseguem acabar com as poucas mudanças sociais obtidas pelo governo do PT ou de qualquer outro que tentasse. É fato também que os que tentaram acabaram golpeados pelo imperialismo, cada um à sua maneira como diz o artigo da UP. Vale a mesma lógica do primeiro argumento. A dependência relativa do Brasil, como país atrasado, do imperialismo, não quer dizer que o País seja uma colônia como antes de 1822. Se fosse assim, isso valeria para todos os países latino-americanos, africanos e asiáticos, todos vítimas de golpes.
Mais à frente, a UP afirma com todas as letras que “não houve independência” (“nada mudou, efetivamente”):
“O que houve em 1822 não foi um grito de libertação às margens do riacho Ipiranga. Não foi mais que um arranjo, já cantado por dom João VI ao voltar para Portugal, em 1821, ocasião em que falou para seu filho: ‘Pedro, se o Brasil se separar de Portugal, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros’. (…) Nada mudou, efetivamente, visto que o nosso país continuou submetido a mero exportador de matérias-primas e sem condições de se industrializar.”
É falsa a ideia de que a independência foi um simples “arranjo”. Mas consideramos verdadeiro o absurdo. Isso muda alguma coisa? Será então que deveríamos dizer que o Brasil de antes de 1822 era a mesma coisa de agora? É o que diz a UP e se é assim, deveríamos abdicar de nossa independência meramente formal. Se é a mesma coisa, melhor acabar com a farsa.
São aberrações anti-históricas. Uma vergonha para quem se diz de esquerda ter uma concepção que é reacionária.