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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Cinema brasileiro

O bandido da luz vermelha

Em termos cinematográficos, trata-se de um filme revolucionário, cuja eloquência está à altura dos filmes de Jean-Luc Godard e Luis Buñuel.

              O filme “O bandido da luz vermelha”, de Rogério Sganzerla, foi lançado em 1968, com o elenco formado por grandes atores brasileiros: Paulo Villaça, Luís Linhares, Pagano Sobrinho, Renato Consorte, Sérgio Mamberti, Ittala Nandi; conta com a participação do cantor Roberto Luna; creio ser a primeira atuação de Sônia Braga no cinema; a atriz principal, Helena Ignez, está entre as melhores atrizes do cinema mundial, musa do Cinema Novo ao estrelar um dos primeiros filmes do movimento, “A moça e o padre”, de Joaquim Pedro de Andrade, e musa do Cinema Marginal ao estrelar quase todos os filmes de Rogério Sganzerla – vale lembrar da famosa cena em que ela retoca a maquiagem mirando-se no espelho retrovisor de um camburão da polícia estacionada na rua, em plena ditadura militar –.

              O filme inspira-se na história de João Acácio Pereira da Costa (1942 – 1988), assaltante, assassino e estuprador, mas cuja sagacidade enganou a polícia por um bom tempo; em sua vida de crimes, quem se passava por bom moço morador da cidade de Santos, no estado de São Paulo, simulou ser quatro assaltantes atuando na capital: o bandido incendiário, o bandido mascarado assaltante de joias, o bandido macaco valendo-se de um macaco de carro para arrombar janelas, o bandido da luz vermelha propriamente dito, aquele quem iluminava seus caminhos com lanterna de aro vermelho. Essas facetas engenhosas do criminoso, vivido por Paulo Villaça, aparecem no filme, embora o lado sinistro de assassino – 4 homicídios – e estuprador – mais de 100 – seja bastante atenuado e até omitido. Isso, porém, pouco importa, pois o filme não tem compromisso com a verdade dos fatos, não se trata de cinebiografia convencional e enfadonha, mas de inventar uma personagem com características específicas, cujas ações fazem sentido antes em relação aos temas realizados no filme do que à vida de João Acácio.

              Assim, quem espera encontrar no filme uma história linear destacando os fatos mais significativos da vida de um delinquente com final moralista e conservador, certamente se decepcionará. Em sua concepção, em termos de linguagem cinematográfica, trata-se de um dos filmes mais revolucionários da cinematografia brasileira; em sua eloquência, o “Bandido da luz vermelha” está à altura dos filmes de Jean-Luc Godard e Luis Buñuel.

              Com narrativa fragmentada, o Luz Vermelha não é retratado apenas em seus assaltos fabulosos, pois Sganzerla insere cenas de sua vida em favelas e bairros periféricos, dotando seu bandido do passado vivido em meio a injustiças sociais; inserem-se ainda suas crises existências, em que Luz reflete filosoficamente, fazendo dele alguém agindo além da mera violência criminosa. Paralelamente, o filme expõe a incompetência e a corrupção policiais nas práticas do delegado Cabeção, outro idiota portando distintivo; destaca-se o político demagogo J. B. da Silva com suas promessas descabidas; há ainda a sombra do nazista Martin Bormann, talvez o nazista mais execrável do III Reich, quem se encontraria refugiado no Brasil após hipotética fuga da Alemanha. A não confirmação da morte de Bormann durante os bombardeios finais da II Guerra Mundial deu motivos para várias especulações, por exemplo, de que ele, escondido na América Latina, tramava para ressuscitar o partido de Hitler e continuar sua missão. A trilha sonora do filme é tão fragmentada quanto as cenas, nela sambas, boleros e rockabillys cruzam-se com o canto de Roberto Luna interpretando “Molambo”, samba-canção de Augusto Mesquita e Jayme Florence; a narração jornalística de Hélio Aguiar complexifica a linguagem cinematográfica com a radiofônica; no filme, Sganzerla lança mão de frases antológicas, tais quais “o terceiro mundo vai explodir, quem tiver de sapato não sobra” ou “quando a gente não pode fazer a gente avacalha, avacalha e se esculhamba”.

              É praticamente impossível resumir “O bandido da luz vermelha”, o trabalho intenso com a linguagem cinematográfica dificulta isso; entretanto, os temas disseminados na narrativa podem ser problematizados, para tanto, vou me deter apenas na discussão do papel político do anarquismo gerado pela miséria social, na qual tantos bandidos são injustamente nascidos.

              No filme, em meio às falcatruas de J. B. da Silva e as notícias enviesadas da imprensa de direita, a presença nefasta de Martin Bormann, ex-secretário de Hitler, paira sobre as demais personagens, embora sua pessoa não apareça nas telas em momento algum, apenas mediante citações de seu nome e informes sobre suas atividades políticas fora da lei; comparado a Bormann e seus crimes contra a humanidade, o Luz Vermelha – a personagem do filme, e não João Acácio – não passa de um delinquente juvenil. Nas tramas da história, ninguém consegue capturar o nazista, Luz Vermelha, entretanto, tomando atitude completamente anarquista, pois lhe falta consciência política, coloca uma bomba no carro de Bormann, cuja explosão decorre na morte do nazista.

              Seria essa uma das conclusões do filme, a conclusão do anarquismo ser a única atividade política eficiente? Não creio ser assim; parece que Luz Vermelha, não podendo fazer, ele “avacalha, avacalha e se esculhamba”, suicidando-se no final da história com choque elétrico, choque mortal também para o delegado Cabeção – mesmo morto, o bandido executa as autoridades –. O filme retrata a sociedade dominada pela direita; na trama, por um lado aparecem a burguesia, os bairros nobres em que ela habita, seu aparato policial e a mídia dominada por ela, por outro, favelas, bairros pobres e bares frequentados por boêmios desocupados; a pequena burguesia e o proletariado quase não são retratados, menos ainda as atividades organizadas de partidos ou grupos revolucionários. Nesse contexto, as forças sociais se dispersam e, sem orientação política, elas são facilmente capturadas pela direita ou, no caso dos miseráveis, tende-se para o banditismo, desperdiçando-se forças revolucionárias perdidas para a criminalidade. Entretanto, mesmo dispersa e desorganizada, essa força, por nascer das contradições do sistema, eventualmente vai de encontro a ele; um bandido, anarquicamente, pode matar um nazista quando faltam forças revolucionárias. Desse ponto de vista, antes de apresentar conclusões, tais questões são colocadas pelo filme, propondo reflexões.

              Desejo aos companheiros uma boa sessão de cinema; “O bandido da luz vermelha” está completo no Youtube, neste endereço:

https://www.youtube.com/watch?v=qlQQU0lfU_k

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