A campanha de Lula nas eleições deste ano passou por duas fases, em grande medida, antagônicas entre si. Sem grandes atos, campanha de porta em porta e, de maneira geral, sem a mobilização dos trabalhadores, no primeiro turno, praticamente não houve campanha. Enquanto Bolsonaro mobilizou a sua base, os partidos de esquerda mais próximos à direção da campanha de Lula defenderam com unhas e dentes a política do “já ganhou”, uma ilusão que, como será visto mais adiante, custou caro.
Ao mesmo tempo, a situação deu uma guinada à esquerda no segundo turno. Afinal, Lula havia ficado em primeiro lugar, mas, com uma margem muito mais estreita do que era previsto por setores da esquerda que, até então, não haviam feito nada para eleger Lula. Entretanto, o agora presidente eleito, entendendo que a situação era grave e que, consequentemente, Bolsonaro poderia se reeleger, mudou bastante a sua abordagem, convocando grandes manifestações, comícios e, mais importante, orientando toda a militância de esquerda a ir aos bairros populares e convencer os trabalhadores a votarem nele.
De uma vez por todas, ficou evidente a defasagem entre o que Lula estava fazendo e o que a sua campanha estava fazendo. Ele focou nas questões que verdadeiramente importam à classe operária, atacando problemas sociais como a fome, o desemprego, as privatizações, a moradia, as reformas etc. Foram propostas totalmente diferentes daquelas vistas no primeiro turno que, efetivamente, modificaram o ritmo de sua campanha.
Além disso, Lula orientou a sua campanha a focar, principalmente, no Sudeste, o agrupamento operário mais importante de todo o País. O petistas entenderam que os votos dessa região seriam a grande diferença entre a vitória e a derrota, uma vez que a votação do Nordeste, como comprovado pelo primeiro turno, simplesmente não seria o suficiente para vencer Bolsonaro.
No final, isso se confirmou, já que o Sudeste garantiu mais votos a Lula que o Nordeste. Algo que, inclusive, jogou por terra as teorias reacionárias de divisão nacional que afirmam que as regiões “mais progressistas” do Brasil seriam o Norte e o Nordeste. Ademais, foi uma estratégia que mostrou que Lula não estava sendo apoiado pelo imperialismo, pois sua campanha se concentrou, de maneira direcionada, à classe operária brasileira. Finalmente, Lula foi eleito por meio do voto popular.
O grande destaque de todo esse quadro reside no fato de que, sozinho, ou seja, independente do aparato do PT e dos setores mais reacionários de sua campanha, Lula conseguiu puxar a mobilização em torno de sua eleição para a esquerda. Isso, é claro, com a ajuda e a pressão do povo brasileiro. Fica claro, portanto, que ele tem um grande poder pessoal para fazer o mesmo em seu governo.
Em outras palavras, ao travar uma luta contra a burguesia golpista de maneira progressista apesar das pressões de seus “aliados” da direita, como Alckmin e Tebet, e da vontade conciliatória dos burocratas do PT, do PCdoB e do PSOL, Lula mostrou que é independente no sentido político e que, para governar em prol dos trabalhadores, só precisa dos próprios trabalhadores. E não poderia ser de outra maneira: Lula possui muita força política particular porque é uma liderança com muito prestígio nas bases, o que lhe garante tal independência.
Por isso, ele conseguiu puxar a campanha para a esquerda, ir aos bairros populares e fazer propostas mais radicais que verdadeiramente atingem os trabalhadores, se afastando de escatologias morais como foi a discussão em torno do “canibalismo” e da “pedofilia” de Bolsonaro. Estratégia – se é que pode ser chamado disso – adotada pela esmagadora maioria de sua própria campanha. Lula ignorou isso e, por iniciativa própria, garantiu a vitória de toda a classe operária nas eleições deste ano.
Então, Lula também pode tomar esse tipo de postura em seu novo governo. A imprensa burguesa faz a campanha de que, para governar, Lula precisará se desmembrar e ceder à pressão dos capitalistas. Mas, fato é que sua campanha combativa demonstrou que as figuras direitistas infiltradas em seu governo não servem para os interesses dos trabalhadores, mas sim, dos patrões. Nesse sentido, não serão aliadas no momento em que Lula tentar aprovar projetos mais progressistas, como é o caso do fim da reversão de todas as privatizações realizadas nos últimos anos, mas sim, inimigas que defenderão, em última instância, a burguesia.
Lula deve se apoiar na mobilização popular como pilar de seu novo governo. É o povo que, interessado em atingir as suas reivindicações enquanto classe, terá a capacidade de travar uma luta consequente contra o imperialismo, que vê no Brasil um alvo importantíssimo. E Lula, seguindo a tendência apresentada no segundo turno de sua campanha, deve se dirigir justamente a esses setores. Essa é a única forma de derrotar, de uma vez por todas, o golpe no Brasil.