O PCB se apresenta como um partido marxista. Inclusive, no partido há alguns professores universitários que se dizem marxistas na academia e outros, como Jones Manoel, que pretende ensinar o marxismo no YouTube.
Quem conhece a política do PCB sabe que o marxismo, a não ser no discurso e na auto-propaganda, passa bem longe do PCB. Mas abrindo um artigo replicado no portal do partido o leitor dá de cara com uma concepção abertamente anti-marxista.
Intitulado “Não, Karl Marx não era eurocêntrico”, escrito por um professor de sociologia da Universidade da Califórnia, o norte-americano Kevin B. Anderson, traduzido e publicado do sítio do PCB, o artigo pretende defender Karl Marx das acusações de “eurocêntrico”, mas acaba se enrolando.
O autor já inicia o texto explicando que “O marxismo nunca morreu completamente”. Muito curioso um partido que se afirma marxista, como o PCB, assinar embaixo de um artigo que começa considerando que o marxismo está parcialmente morto. Resta saber, quais partes do marxismo morreram e se podemos ainda chamar de marxismo essa espécie de zumbi, esse “semi-morto”.
Depois dessa afirmação sobre uma morte “parcial” do marxismo, o autor coloca as críticas feitas pelo sociólogo Edward Said. Basicamente, são duas observações: a de que Marx era “eurocêntrico” e “etnocêntrico”. Vejamos como o autor replicado pelo PCB defende Marx e o marxismo dessas acusações:
“A resposta não é nada simples. Em contraste com alguns marxistas, acho que, embora essas afirmações sejam exageradas, precisamos reconhecer sua validade parcial, pelo menos quando se trata dos primeiros escritos de Marx sobre sociedades não ocidentais, de 1848 a 1853. A noção de um Marx eurocêntrico não se sustenta quando se examina a totalidade de seus escritos, no período de 1841 a 1883, pois ele foi, acima de tudo, um pensador que continuou a retrabalhar e desenvolver seu aparato conceitual.”
Não é “nada simples” defender Marx, segundo o autor. E não é nada simples justamente porque o autor considera parcialmente corretas as críticas contra o fundador do materialismo histórico. Para o “marxista” Kevin B. Anderson, Marx era parcialmente eurocêntrico nos seus primeiros escritos, mas não seria quando se examina a “totalidade dos escritos”. O interessante é que um dos exemplos desses “primeiros escritos”, segundo o autor, é justamente o Manifesto do Partido Comunista de 1948, ou seja, uma obra fundamental do marxismo.
Com um defensor como esse, quem precisa de críticos? Na realidade, se formos levar em consideração o que diz o autor, deveríamos admitir que Marx é “eurocêntrico”. Fica claro que o autor considera a resposta “nada simples” porque ele quer enrolar o leitor com uma manobra argumentativa. Se Marx é um pouco eurocêntrico, ele é eurocêntrico. Os acusadores estão corretos.
O problema aqui seria explicar não apenas por que Marx não é “eurocêntrico” como essa acusação sequer faz sentido. Mais ainda, é preciso mostrar que justamente os pontos onde Marx é acusado de “eurocentrismo” e “etnocentrismo” sua teoria está certa.
Ao invés disso, o autor tentar mostrar que Marx era “eurocêntrico” em partes, mas seus escritos tardios seriam uma espécie de “redenção” dessas acusações.
“Dessa forma, o Marx Tardio afastou-se de qualquer tipo de teoria unilinear do desenvolvimento baseada na Europa Ocidental e na qual o resto do mundo tinha que estar conceitualmente preso. Longe de evidenciar uma atitude condescendente em relação às sociedades na periferia do capitalismo, esses últimos escritos exibiam exatamente o oposto: uma teorização de seu potencial revolucionário.”
O que o autor não entende é que apenas o fato de levar em consideração a ideia de “eurocentrismo” já o torna um anti-marxista. A acusação contra Marx não tem nada a ver com seus escritos iniciais ou tardios, mas com a própria essência da teoria marxista sobre o capitalismo.
O “pecado eurocêntrico” de Marx é entender que o desenvolvimento do capitalismo é um avanço para as sociedades, um avanço em relação a formas mais atrasados de organização social.
Se isso é “eurocentrismo” então os críticos deveriam explicar que o desenvolvimento do capitalismo não representou um avanço, por exemplo, em relação ao feudalismo. Deveriam explicar, ainda, de onde viria a libertação da humanidade, ou seja, o socialismo, senão da superação do capitalismo, o que significa seu máximo desenvolvimento, como explicou Marx.
Como vemos, a acusação de “eurocentrismo” é na realidade uma crítica anti-socialista. A não ser que os acusadores nos mostrem como chegaremos ao socialismo sem o desenvolvimento capitalista, como Marx mostrou, conclui-se que estamos falando de teóricos burgueses e reacionários. Não apenas anti-marxistas, o que é óbvio, mas contrarrevolucionários.
O autor norte-americano avalizado no sítio do PCB, ao tentar defender Marx, está apenas sendo uma espécie de ala esquerda desses teóricos burgueses. Uns falam que Marx era “eurocêntrico” e ele fala que Marx era “parcialmente eurocêntrico”. É um ecletismo teórico por parte do autor.
A própria ideia de “eurocentrismo” é anti-marxista. Esse conceito, inventado por alguns acadêmicos no Século XX, não tem base real. É uma palavra, como todos os conceitos acadêmicos, sem conteúdo. O que eles querem dizer é que as coisas não poderiam ser analisadas apenas de um ponto de vista da Europa, como se a ciência – tanto as humanas e sociais, quanto as naturais – não tivessem um caráter universal. No final das contas, esse é um conceito anti-científico, portanto, reacionário.
O marxismo é uma ciência desenvolvida por Marx, Engels e outros que vieram depois deles. Não é uma mera teoria ou uma mera opinião. A acusação de “eurocentrismo” serve tão somente para, na falta de argumentos, desmoralizar o marxismo com acusações sem conteúdo. Um método tradicional da burguesia.
O interessante é que esses conceitos de “eurocentrismo” e “etnocentrismo” foram todos elaborados nos escritórios de universidades europeias e norte-americanas.
Esse artigo publicado no sítio do PCB mostra que o ecletismo teórico é, na verdade, um anti-marxismo.