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Falsificações da história

Fantasias identitárias da história do Brasil: José do Patrocínio

O incrível caso do negro acusado de monarquista que teria proclamado a República antes de Deodoro

Antes do identitarismo era comum a esquerda e o movimento negro destacarem personagens da história do Brasil mostrando a importância dos negros no País. Mostrando que negros, mulatos e trabalhadores, maioria no Brasil, tiveram papel fundamental na história tem um objetivo revolucionário, ou seja, enfatizar que o Brasil é um produto da luta das classes oprimidas, no sentido de que isso serve para a luta revolucionária do presente.

Ao ser contaminada pelo identitarismo, a esquerda e os pretensos intelectuais nas universidades estão subvertendo o conteúdo revolucionário da história do País. Quando destacam a participação de alguém, considerado um “injustiçado” pela história oficial, fazem falsificando a história do Brasil. E é esse precisamente o papel do identitarismo.

Um portal na internet ligado ao UOL/Folha de S. Paulo, chamado Ecoa, por ocasião do aniversário da Proclamação da República, publicou um artigo assinado por Tainara Rebelo, chamado “Quem foi o homem negro que proclamou a República antes de Marechal Deodoro”. A princípio parece apenas um artigo destacando a importância de um homem negro na Proclamação. O pobre leitor, que conhece um pouco de história do Brasil, fica embasbacado: “será que esconderam esse homem esse tempo todo dos livros?” Ao ler o artigo, porém, o leitor descobre que se trata do abolicionista José do Patrocínio: “segundo relatos de alguns historiadores, foi quem tomou a iniciativa, antes do Marechal Deodoro, de proclamar a República. Ele era um jornalista negro e se chamava José do Patrocínio”.

A autora do artigo parece ter descoberto algo realmente muito espantoso. Já que estamos falando de história, vamos aos fatos e às interpretações deles para descobrir que Patrocínio, além de abolicionista, foi o verdadeiro proclamador da República.

“De acordo com o livro “1889”, do jornalista Laurentino Gomes, foi ele [Patrocínio] quem tomou a iniciativa de proclamar a República, por volta das 18h, perante um grupo reunido na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, enquanto Marechal Deodoro da Fonseca ainda elaborava a mudança de regime (…) no calor do momento da revolta, o escritor e político Aníbal Falcão foi até o jornal de Patrocínio para que fosse escrita uma moção pública abolindo a monarquia. Foi esse documento que ele leu no plenário da Câmara e que colocou fim à monarquia”.

Aqui o pobre leitor, que conhece um pouco de história fica se questionando: “quer dizer então que a República foi proclamada em um discurso na Câmara de Vereadores?” De fato, a ideia é muito absurda. Não sabemos se o discurso aconteceu como descreve Laurentino Gomes, mas vamos considerar que sim. Isso transformaria Patrocínio no homem que Proclamou a República? Só se for mesmo no sentido de declarar alguma coisa.

Logicamente que nenhuma mudança de regime pode ser feita por um simples discurso numa Câmara de Vereadores. Uma revolução ou um golpe de Estado, em geral, são precedidos por um conjunto de acontecimentos políticos que vão desencadeando a mudança de regime. A autora do artigo poderia ter explicado que José do Patrocínio teve essa participação pouco falada na Proclamação, mas a autora optou pela falsificação, ou mais precisamente, pela distorção dos acontecimentos. “Patrocínio proclamou a República antes de Deodoro”, diz o artigo, o problema é que quem tinha o controle sobre as Forças Armadas e as condições para mudar o regime, instaurando a República, era Marechal Deodoro da Fonseca.

O artigo cita outro historiador, Henry Guimarães, que diz que “Ele [Patrocínio] representa a contradição da sociedade brasileira, uma vez que era livre, mas jamais integrou a sociedade como os brancos devido à sua cor. Ao contrário, ele se reuniu com importantes figuras negras da época e, juntos, criaram uma das maiores campanhas para a libertação dos escravizados, a Confederação Abolicionista, resultando na assinatura da Lei Áurea, em 1888”. Segundo essa ideia, a única atividade de José do Patrocínio era a luta abolicionista, já que o historiador citado afirma que Patrocínio jamais integrou a sociedade como os brancos.

O problema é que o próprio artigo desmente a ideia do historiador. Se é verdade que o homem negro no século XIX tinha difuculdades em integrar-se à sociedade, não é verdade que Patrocínio não tivesse integrado essa sociedade. Afinal, Patrocínio foi vereador, jornalista, dono de jornal. Por maiores que fossem – e eram – as dificuldades dos negros no século XIX, é uma falsificação apresentar José do Patrocínio como uma espécie de marginalizado social. Os fatos descritos no próprio artigo em questão desmentem isso.

“Patrocínio conseguia prender a atenção de grandes multidões quando falava e, como já escrevia para o jornal Gazeta de Notícias, um dos maiores da época, pediu um empréstimo ao pai de sua esposa, o militar Emiliano Rosa de Sena, e comprou o jornal para si, assumindo uma luta pública contra a escravidão.”

A importância de José do Patrocínio como abolicionista é algo estudado em qualquer livro de história um pouco mais sério, há ruas em sua homenagem. Não é correto afirmar que se trata de um personagem secundarizado, menos ainda marginalizado na história. Patrocínio tem destaque justamente por aquilo que ele fez de mais importante que foi a luta abolicionista.

Sobre o abolicionismo, é preciso dizer que ele fazia parte de uma ala moderada desse movimento. Daí, também, o destaque que ele ganha na história oficial como um dos nomes mais lembrados dessa luta. Muito diferente, por exemplo, de Luiz Gama, um militante da ala mais radical do abolicionismo, esse, sim, relegado na história como um personagem secundário.

A política moderada de Patrocínio está relacionada inclusive com sua posição social. Era um político que conseguiu ascender no regime imperial, e um homem que tinha uma posição social importante, jornalista, dono de um dos jornais mais importantes da época. É inegável que ele usou essa posição e seus meios privilegiados para lutar, à sua maneira, pelo abolicionismo, mas o caráter moderado de sua política não deve ser desconsiderada.

Tanto é assim que, soa estranha a ideia de que Patrocínio teria proclamado a República, já que ele era considerado um monarquista.

“José do Patrocínio provocou dúvida em seus apoiadores ao beijar as mãos da Princesa Isabel quando a Lei Áurea foi assinada. ‘Acredita-se que ele ficou muito feliz em ter conquistado a assinatura da lei por que tanto lutou, mas isso não foi bem-visto na época’, explica o historiador. Isso porque Patrocínio era vereador quando a lei foi assinada, e causou a impressão de estar a favor da monarquia”.

Aqui a própria citação do historiador revela um homem moderado, que acreditava que a monarquia poderia resolver os problemas da escravidão. A identificação de Patrocínio com a monarquia não era apenas um problema da “impressão causada” por ele. Ele é acusado de fomentar a Guarda Negra, um grupo formado por ex-escravos que tinha o objetivo não só de garantir a liberdade conquistada com a abolição, mas de proteger a Princesa Isabel, e atacar violentamente comícios republicanos.

Voltemos ao tema central do artigo. Esse homem teria proclamado a República antes de Deodoro. A Constituição permite a liberdade de expressão no Brasil, felizmente. O papel aceita qualquer besteira, infelizmente. Por isso o identitarismo fala qualquer coisa sobre a história do Brasil. Sem o mínimo pudor, inventam fatos, distorcem outros, caluniam alguns personagens e escondem a realidade de outros. Tudo isso para fazer a história caber na ideia pré-concebida que os identitários têm do país.

Não se trata aqui de criticar a figura de Patrocínio, mas simplesmente explicar as coisas e as pessoas como elas de fato foram e não com base na fantasiosa criada pelos identitários.

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