A liberdade de expressão no Brasil vem sendo duramente perseguida. A perseguição vem não apenas da direita tradicional como da extrema-direita Bolsonarista, que cinicamente sempre aventou ser defensora da liberdade. O novo caso de censura envolve diretamente o governo Bolsonaro, que simplesmente ordenou a retirada de um filme de ficção de plataformas de exibição, uma censura que abre caminho para todo tipo de perseguição à arte e à palavra, sob pena de multa.
Trata-se do filme “Como ser o pior aluno da escola”, adaptação do livro homônimo de humorista de direita Danilo Gentili, cujo vilão é interpretado pelo humorista Fabio Porchat. O filme é de 2017, quando o humorista era parte da claque bolsonarista; estreou há alguns meses na plataforma Netflix. O humorista agora é crítico de Bolsonaro e um apoiador da terceira via. Mesmo passado todo esse tempo, deputados bolsonaristas recentemente acusarão a obra de conter uma apologia à pedofilia, e sob esse argumento a máquina estatal de censura entrou em cena.
Uma cena do filme, cortada e compartilhada pelos bolsonaristas, foi o mote, na cena o personagem de Fábio Porchat, vilão na história, assedia duas crianças, pedindo que o masturbassem. Deputados bolsonaristas, em especial a chamada bancada evangélica, que quando da estreia do filme elogiaram o filme, isso porque Gentili fazia então parte das hostes bolsonaristas, realizaram uma campanha de que a cena seria uma espécie de elogio à pedofilia que a naturaliza e incentiva, e não uma peça ficcional.
Os ministros de Estado do governo Bolsonaro se pronunciaram exigindo medidas e as medidas não tardaram a vir. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, anunciou nas suas redes sociais, no último dia 15, por meio da decisão da Secretaria Nacional do Consumidor (Secon) que o filme deve ser banido de todas as plataformas de streaming sob pena de multa diária de R $50 mil a partir desta data. Também a faixa etária do filme foi alterada, passando de 14 anos a recomendação para 18 anos, mesmo após essa mudança o governo manteve o banimento das plataformas. Um verdadeiro atentado jurídico contra a liberdade de expressão e a arte.
Segundo a própria decisão do órgão estatal de defesa do consumidor que é subordinado ao Ministério da Justiça, a censura se apoia na “necessária proteção à criança e ao adolescente consumerista” é a censura do “bem”, que protege o consumidor. É preciso colocar claramente que se trata de um ato antidemocrático; ditatorial que abre margem para todo tipo de arbitrariedade possível e inimaginável contra a liberdade de expressão e a arte.
Acusar uma obra de ficção de ser apologia à pedofilia pelo fato de um personagem ser pedófilo é criminalizar a ficção e um ato de barbárie contra a liberdade artística. Que destino terá a obra famosa do escritor Vladimir Nabokov, Lolita, com esse censores da extrema-direita no poder? Será levada para a fogueira? E todos os filmes com personagens que não correspondem ao falso padrão moralista da extrema-direita, serão excluídos também? O que dirão os bolsonaristas e que medida o governo Bolsonaro tomará contra filmes como Salò, ou os 120 dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini?
O fato de ter sido o alvo da censura um escroque e o obra ficcional de péssima qualidade não muda em absoluto o fato: a censura do governo contra a arte e contra a palavra. Hoje é um escroque, amanhã todo o artista e todo aquele que se levante a voz contra os desmandos do poder. E é mesmo uma metodologia, primeiro a censura aparece atacando posições aparentemente imorais e direitistas para alcançar algum apoio junto a setores da população e depois, estabelecido o clima de perseguição sob a desculpa de promover o bem, o céu é o limite.
Há que se notar também outro aspecto da atitude de Bolsonaro e sua claque. A extrema-direita e o próprio Bolsonaro sempre se colocaram, cinicamente, como defensores da liberdade em todo o seu âmbito. Apresentam-se como defensores da liberdade do indivíduo contra aqueles que querem retirar-lhes os direitos. Essa posição, porém, não é mais que uma retórica utilizada para que os líderes e demagogos da extrema-direita se diferenciem da burguesia tradicional, um truque para enganar os incautos.
Tão logo Bolsonaro chega ao poder e a defesa da liberdade e do indivíduo feita retoricamente por ele, que era já contraditório uma vez que Bolsonaro sempre enfatizou sua defesa de uma ditadura, mostrou-se ser a defesa da liberdade apenas para os comparsas. Bolsonaro sempre falou da defesa do armamento como direito do indivíduo, ao chegar ao poder permitiu apenas que determinados setores da sociedade, como capitalistas, fazendeiros e um setor da classe média pudessem ter um maior acesso a armas, as massas da população tiveram essa liberdade negada pelos que se autopromovem como defensores da liberdade.
Também a censura é um caso exemplar, a extrema-direita e o próprio Bolsonaro sempre criticaram a censura que sofrem, e sofrem efetivamente, de um setor importante da burguesia. Os canais bolsonaristas de imprensa foram perseguidos e censurados e alguns de seus porta-vozes também. Bolsonaro e o bolsonarismo se colocaram como vítimas da censura e defensores da liberdade de imprensa e de opinião somente por conveniência, porque é com eles. Mas mostram-se que são verdadeiros censuradores sempre quando têm o poder para isso.
O papel de vítimas da censura é fato, já o papel de defensores da liberdade de imprensa e opinião é totalmente falso. Bolsonaro e o bolsonarismo têm a mesma consideração pela liberdade de imprensa e de opinião que a burguesia tradicional tem: liberdade para os amigos e comparsas, silêncio absoluto aos adversários. Os defensores fajutos da liberdade de expressão estão neste exato momento promovendo uma campanha de censura, cujo alcance é ainda incalculável, o filme de Danilo Gentili é apenas o início, a censura tende a se aprofundar e alcançar todos os ramos da expressão, como foi mostrado pelo bloqueio completo dos canais russos pelo Youtube no mundo inteiro.
A extrema-direita apenas usou o tema da liberdade para dissimular suas reais preferências políticas, que são: a censura, a ditadura, a opressão, a submissão ao imperialismo e isso ficou absolutamente evidente ao longo de todo o governo de Jair Messias Bolsonaro.
