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Industrialização

A luta selvagem pelo desenvolvimento e independência do Brasil

A política do governo, desde o golpe, foi um movimento para desindustrializar o Brasil e deixá-lo subalterno. Em 2023 abrem-se novas perspectivas, mas a luta será encarniçada

Gradativamente, e de forma não linear, vai se consolidando um mundo multipolar, encabeçado por China, Rússia, Índia, Irã, Turquia e outros, que lideram o chamado Sul Global. Esses países abrigam populações que somadas representam cerca de 87% dos habitantes da Terra. A atual ofensiva dos norte-americanos contra Rússia e China, e em geral contra todos os países do Sul Global, traduzida neste momento pela ardilosa guerra da Ucrânia, está sendo produzida contra 87% da população mundial.

A política dos EUA em relação ao mundo, já há algumas décadas, é de tirar coisas do mundo, e não a de oferecer. Prova imediata disso é o que estão fazendo com a Europa, que foi colocada no olho do furacão, por uma guerra que absolutamente não interessa aos países do continente. A crise mundial e a postura imperialista dos EUA e seus satélites coloca uma situação internacional que tende a se arrastar pelas próximas décadas. Os EUA sofrem uma crise de hegemonia e não irão aceitar a transição sem muita briga. Não admitem, por exemplo, uma economia com várias moedas, como desejam os membros do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A decisão do Bloco de substituir o dólar como moeda internacional e adotar suas respectivas moedas como referência, foi decisiva para os EUA perpetrarem o golpe de 2016 no Brasil, e outros na América Latina.

A condição que os EUA dispõem, de sua moeda ser a de aceitação mundial, uma espécie de “padrão dólar” no qual essa moeda é utilizada no mundo inteiro para fazer comércio entre as nações, é um privilégio equivalente, na área econômico-financeira, ao de ser a principal potência militar do planeta. A transição para outras moedas, como já está ocorrendo lentamente, significa um duro golpe para os EUA, que há décadas imprime em casa a moeda que possui aceitação mundial. Por que as demais potências deveriam aceitar esse padrão como se fosse um desígnio de Deus? Especialmente em uma etapa histórica na qual os EUA hostilizam todo e qualquer país que ensaia ações de soberania nacional?

A polarização que assistimos no Brasil e em várias outras partes do mundo reflete uma disputa global que tende a se arrastar por vários anos, entre uma proposta de economia mundial dominada pelo dólar e pelo poder bélico norte-americano, e uma alternativa multipolar, possivelmente com o centro na Eurásia (região onde habitam 2/3 da população da Terra). Com a guerra na Ucrânia, todos os sinais de alerta já foram emitidos em relação à oferta de energia e alimentos no mundo. Os governos dos principais países europeus já anunciaram a nacionalização ou reestatização de empresas de energia (Életricité de France, EDF; nacionalização da Sefe na Alemanha, e outras).

Medidas dessa natureza, que vêm sendo adotadas em vários países, decorrem da necessidade de preservação da segurança no abastecimento de energia internamente. Não são ações ideológicas, mas de caráter político e econômico, que tentam evitar o colapso das economias. Com a guerra da Ucrânia e o aumento do preço da energia esses países sentiram na carne os efeitos de ter que dividir as decisões sobre setores estratégicos com a iniciativa privada.

O golpe perpetrado no Brasil em 2016, coordenado pelos EUA, deve ser compreendido no contexto dessa encarniçada disputa internacional. Michel Temer, que encabeçou o golpe, de saída encaminhou a Medida Provisória 795/2017, que reduziu impostos às petrolíferas estrangeiras na exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. Foi um verdadeiro “pacote de bondades” às multinacionais, que significou para o Brasil a perda de receitas equivalente a R$ 50 bilhões por ano. Foi um crime de lesa-pátria fácil de ser sintetizado em grandes números: com a “MP da Shell” (como ficou conhecida por razões óbvias), em cinco anos o país perdeu R$ 250,00 bilhões, somente em tributos.

Segundo estudos da assessoria econômica da Câmara dos Deputados, elaborados no período de aprovação da medida, as isenções fiscais para as petroleiras, irão representar, no longo prazo, perda de receita na casa de R$ 1 trilhão. As medidas foram tão generosas que o presidente da Shell no Brasil, André Araújo, na ocasião não conseguiu segurar a alegria: “O pré-sal é onde todo mundo quer estar”. A política escandalosamente entreguista de Michel Temer, seguiu firme na gestão Guedes/Bolsonaro, que não só doou o controle acionário da Eletrobrás para o setor privado, como deu continuidade à política de desmonte da Petrobrás.

É nesse ameaçador quadro, internacional e nacional, em que devemos refletir sobre a questão da indústria. O Brasil ainda é o país mais industrializado da América Latina, mas o setor vem sistematicamente perdendo importância no PIB, em uma política típica de país subdesenvolvido e colonizado. Bastou uma guerra na Europa para o Brasil revelar a vulnerabilidade no abastecimento de fertilizantes, insumo essencial para o setor agrícola.

O processo de reindustrialização do Brasil, como tem sido chamado, terá que interromper o processo de “entrega em fatias” da Petrobrás e recuperar o papel crucial da companhia no desenvolvimento da indústria em geral, do setor petroquímico, na geração de tecnologia, na área de fertilizantes e de energia da biomassa. Há um pesado jogo internacional, agora agravado pela guerra na Europa, para tentar controlar os recursos naturais vitais dos países subdesenvolvidos, por parte das multinacionais e governos imperialistas. Pelos recursos que dispõe, o Brasil é um dos países mais visados no referido processo. Na área do petróleo, em função da essencialidade do produto para a vida moderna (gostemos do fato, ou não), essa estratégia dos países imperialistas é extremamente sofisticada e não conhece nenhum tipo de escrúpulo (como aprendemos, ou deveríamos, no período histórico recente).

Alguns países, que dispõem de projeto nacionais de desenvolvimento, até trataram de “exportar” as indústrias poluentes, ou “menos interessantes”, mas mantêm pelo menos o núcleo duro industrial, para garantir segurança alimentar, energética, e de defesa nacional. Três áreas que estão muito inter-relacionadas, pois não existe defesa nacional sem segurança alimentar e energética.

Podemos imaginar o que aconteceria se a Rússia, neste momento, em que teve que reagir à uma provocação da Otan e está sofrendo um boicote econômico inusitado, não dispusesse de indústria básica. A indústria do país é essencialmente de base, voltada para o desenvolvimento de bens de produção e matérias-primas. Mas o país fabrica também equipamentos de transporte e comunicação, veículos e aeronaves. Sem indústria estaria dependendo totalmente do fornecimento da China e de outros países que não aderiram ao boicote. Se o conflito escala e se torna mundial é possível que essa fonte de fornecimento se fechasse e a Rússia não disporia de indústria nem mesmo para repor seu equipamento bélico.

A alavancagem de valor no setor industrial significa a movimentação da cadeia produtiva como um todo: comércio, pesquisa, serviços em gerais, transporte, logística, infraestrutura, e assim por diante. A cadeia produtiva estruturada pela indústria pode ser facilmente compreendida pelo ramo petroquímico, área da química encarregada dos derivados de petróleo e sua utilização na indústria. A indústria petroquímica transforma petróleo bruto em uma gama enorme de produtos como gás natural, gasolina, gás liquefeito de petróleo (GLP), querosene, óleo diesel, nafta petroquímica, solventes, asfalto, dentre outros. O petróleo, além de fonte de energia essencial na atualidade, e uma das mais importantes substâncias da Terra, é utilizado como matéria prima para mais de 3.000 bens industriais.

Não há setor da economia que gere uma cadeia produtiva tão densa e rica, como a indústria. É claro que a indústria de hoje não é a do século XIX. Nos países desenvolvidos, e em parte é assim no Brasil, há uma grande integração entre indústria e os setores de serviços. As cadeias produtivas são o conjunto de etapas através das quais os diversos insumos (matéria-prima) são transformados em um bem. Os insumos são transformados, por meio do trabalho humano e uso de máquinas e equipamentos, até se transformarem em produtos chamados de intermediários.

A cadeia produtiva abrange os bens de consumo, que chegam ao consumidor final, assim como os bens de produção (matéria-prima) e bens de capital (equipamentos e bens necessários para a produção de outros bens ou serviços), que servem para produzir os bens de consumo. A cadeia produtiva, que comumente desenvolve seu ciclo em mais de um país, movimenta inúmeros setores da economia, gerando emprego e renda. No processo de produção industrial é fundamental universidades e centros para desenvolvimento da pesquisa básica, assim como dispor de um banco de fomento para financiar pesquisas e a própria indústria. É essencial também estruturar um sistema de serviços e distribuição dos produtos, e assim por diante. Em toda a cadeia de produção e distribuição há agregação de valor, trazido pelo trabalho humano, que gera renda, impostos, e outros serviços.

Indústria significa também desenvolvimento da tecnologia. Por exemplo, a economia norte-americana tem grande dependência da indústria de armas. Das 100 maiores companhias de armas, 41 têm sede no país. Elas venderam 54% do total de 2020, ou US$ 285 bilhões (R$ 1,6 trilhão) –aumento real de 1,9% em comparação com 2019. Desde 2018, os 5 primeiros lugares da lista são ocupados por companhias norte-americanas. A China vem em seguida: vendas de companhias do país representam 13% do total de 2020 (US$ 66,8 bilhões, ou R$ 383 bilhões). O orçamento dos EUA para 2023, no ano fiscal que começou em outubro, é de US$ 5,8 trilhões. Deste valor, US$ 813 bilhões são destinados à guerra.

O conjunto das políticas dos governos Temer e Bolsonaro, por constituir um projeto subalterno e colonizado, é visceralmente contra o desenvolvimento industrial do país: destruição do mercado consumidor interno, redução dos direitos trabalhistas e dos salários reais, precarização do trabalho, aumento da pobreza, destruição dos investimentos em educação e saúde, liquidação das instituições públicas de pesquisa. As referidas políticas compõem uma estratégia, mal disfarçada, para manter o Brasil como nação subdesenvolvida.

O governo que assume em janeiro de 2023, com todas as suas contradições, traz a possibilidade de desencadeamento de um projeto nacional e soberano de desenvolvimento, que pressupõe um conjunto enorme e decidido de medidas. Não haverá tréguas nem lua de mel. A luta por um país soberano continuará sendo muito encarniçada e dramática, como sempre foi.

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*As opiniões dos colunistas não expressam, necessariamente, as deste Diário.

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