Às vésperas das eleições de 2018, O Estado de S.Paulo publicou um editorial no qual apontava a disputa entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro como uma “escolha muito difícil”. O artigo atacava tanto o candidato da extrema direita, apontado como um truculento apoiador da ditadura militar, quanto o PT, criticado com os argumentos de sempre da burguesia.
Agora, faltando sete dias para o segundo turno da eleição presidencial, o porta-voz principal da família Marinho no jornal O Globo, Merval Pereira repete a mesma tática. Em coluna publicada neste domingo, 23, aponta que tanto Lula quanto Bolsonaro são ruins.
“O país não está apenas dividido, mas dilacerado por suas contradições e seus erros históricos como a desigualdade. Uma campanha presidencial dominada por mentiras, meias-verdades, promessas descabidas e inexequíveis, além de uma agressividade acima de todos os limites civilizados, é o reflexo de um país que está à deriva, e assim permanecerá, seja qual for o resultado da eleição do próximo domingo”, afirma.
“Uma eleição em que os dois finalistas são os candidatos mais rejeitados não representa uma solução. Passaremos apenas de um estágio da crise para outro”, escreve o articulista.
Aparentemente, a posição é de neutralidade, mas a situação política atual explica que não é bem assim.
A uma semana do segundo turno, a Globo e toda imprensa imperialista mudou de posição em relação a Bolsonaro. Alguns meses atrás, quando a burguesia buscava impulsionar a terceira via, Bolsonaro era apresentado como a personificação do apocalipse. Todos os editoriais e apresentadores o apresentavam como o maior risco para a democracia brasileira.
“Autoritário”, “fascista”, “golpista”, dentre outros adjetivos. Assim, Bolsonaro era apresentado pelos principais jornais da burguesia há alguns meses. Da mesma forma, antes tudo era justificável para “defender a democracia”, como alegavam os defensores dos abusos do Supremo Tribunal Federal (STF).
A situação mudou. “A defesa da democracia, imprescindível diante das ameaças recentes, tem sido feita também através de desmandos e ilegalidades do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), paradoxo que revela uma situação limite que precisa ser superada pelas instituições democráticas que, definitivamente, não estão funcionando”, diz Merval.
A nova orientação do imperialismo em relação a Bolsonaro mostra que a “defesa da democracia” nunca foi o principal problema. Por mais fascista que seja, Bolsonaro era atacado de tudo quanto é nome apenas para a burguesia tentar emplacar o golpe eleitoral que buscaram realizar com a terceira via.
Merval e O Globo não poderiam declarar apoio total a Bolsonaro. Primeiro, porque passaram os últimos meses inteiros numa ferrenha campanha contra o candidato da extrema-direita. Apoiá-lo claramente agora seria uma demonstração de cinismo muito desmoralizante. Segundo, pois tem, de fato, interesses divergentes dos de Bolsonaro, que estimula os principais concorrentes do Grupo Globo, como o SBT e a Record.
A “democracia” defendida pela Globo, apoiadora dos golpes de 1964 e 2016 no Brasil, era uma manobra política. Agora que está em questão Lula ou Bolsonaro, o atual presidente não parece mais ser tão ruim.