Lançado em 1971, “A classe operária vai ao paraíso” está certamente entre os melhores filmes de Élio Petri. Antes, porém, de comentar o drama, gostaria de esclarecer minhas intenções ao escrever sobre cinema. Frequentando os canais do Youtube, não é raro se deparar com comunicadores, alguns até bem-intencionados, fazendo incansavelmente propaganda dos filmes recentemente disponíveis em streamings tais quais Netflix, Paramount, HBO etc.; infelizmente, a maioria das sugestões são produções de péssima qualidade, com roteiros e atuações medíocres, cujos conteúdos repetitivos não passam de propagandas do imperialismo e dos modos de vida burgueses, quase sempre pautados pelo identitarismo, quando não fazem explicitamente apologia das intervenções militares estadunidenses e da indústria armamentista. Esse mercado do lixo cultural, infortunadamente, suplantou a arte cinematográfica; na atualidade, quase nenhum suposto amante de cinema se lembra mais da verdadeira arte, sequer consegue falar de filmes fora dos limites estreitos do chamado star system.
Uma das características desse cinema idiota é ausência total do proletariado, nele não há personagens nem temática tratando da luta de classes; a realidade social não cabe na pauta da burguesia, ela está restrita aos assassinos seriais, comilões compulsivos, colecionadores de lixo, super-heróis de extrema direita, militares perseguindo fantasmas nas dunas do oriente médio… contrariado com essa pauta, resolvi fazer sugestões divergentes de tudo isso, afinal, há muitos filmes bons listados no YouTube; um deles é justamente “A classe operária vai ao paraíso”.
O que haveria de comum entre o ex-presidente do Brasil Luiz Inácio da Silva, o guitarrista do Black Sabbath Tony Iommi e Lulu Massa, a personagem do filme de Elio Petri, vivida por Gian Maria Volonté? Todos eles perderam dedos da mão trabalhando para porcos capitalistas. Lulu Massa é típico proletário de fábrica, um torneiro mecânico cujo excesso de produtividade agrada aos gerentes do lugar; Lulu, igualmente tantos trabalhadores, é um Alexei Stakhanov da burguesia.
Na “Revolução traída”, ao apontar as mazelas do stalinismo, Trotsky chama atenção para o stakhanovismo em um regime proposto de esquerda, em que o proletário, em vez de liberto, permanece escravo da produtividade, deixada o cargo de seu empenho e força pessoais; ora, essa é uma das estratégias capitalistas de escravizar o trabalhador, semeando não a camaradagem, mas a competitividade entre a classe, alienando cada operário em seu mundo particular. E assim, Lulu Massa, trabalhando excessiva e rapidamente, perde um dedo no torno mecânico; a partir desse acidente – e vale a pena insistir em sua brutalidade, isto é, perder uma parte da mão para um burguês ordinário se locupletar com o trabalho alheio –, a personagem adquire consciência de classe social e o que fazer diante da luta contra a burguesia.
Lulu Massa envolve-se com comandos de greve, articula-se com estudantes, enfrenta a repressão policial… e o paraíso ocupado pela classe operária, onde fica? Em uma das cenas mais belas de cinematografia mundial, refletindo sobre o paraíso enquanto trabalha na esteira de produção com os demais companheiros, Lulu se lembra de haver sonhado com um muro, derrubado por eles, pois assim ocupariam o paraíso. E o que havia atrás desse muro? No sonho, havia lá um nevoeiro… sim, esse é o paraíso da classe operária… ninguém sabe que mundo será esse sem luta de classes; nenhum comunista consegue prever o futuro e descrever esse mundo novo, não se trata de esperar, mas de lutar por sua construção.
O filme está completo, no original em italiano e com legendas em português, basta acessar o YouTube; por fim, gostaria de chamar atenção para as atuações de Gian Maria Volonté, Mariangela Melato e Salvo Randone, desejando uma excelente sessão de cinema aos companheiros de luta.