21/03/1921

Há 100 anos, bolcheviques implementavam a NEP

Política adotada pelo 10º Congresso do PCUS pretendia retomar as atividades econômicas de uma nação exaurida após 8 anos de guerras

A Nova Política Econômica (NEP na sigla em russo) marcou uma guinada na política econômica da União Soviética, adotada após o 10º Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Resultado mais da necessidade do que qualquer outra coisa, a NEP foi a solução encontrada pelos revolucionários russos para superar a total desorganização econômica do país, completamente exaurido após a guerra revolucionária.

Com a NEP, uma retomada da atividade econômica relativa se operou a partir do campo. Após a produção camponesa reduzir-se praticamente a fins de subsistência apenas, a colheita de grãos cresceu 40% após a fome entre 1921 e 1922. Em 1924, a estabilização da economia permitiu o tributo pago em dinheiro.

A estabilização, contudo, teria consequências marcantes para o desenvolvimento político da URSS, graças ao surgimento de uma camada pequeno-burguesa rica, ligada ao campesinato, assim como uma burocracia ligada aos negócios da NEP. Ainda, a NEP produziria ainda a chamada “crise das tesouras”.

Esta crise era resultado da dificuldade encontrada pela economia soviética para abastecer uma população que, por um lado experimentou algum nível de enriquecimento baseado no campo, enquanto por outro sofreu uma franca desindustrialização – ainda resultado do período anterior -, tornando a economia incapaz de atender a demanda, levando a uma crise inflacionária.

Ao fim dos anos 1920, a crise da NEP levaria aos planos quinquenais do stalinismo. Porém, o quadro em que a política – sabidamente ruim – é adotada ajuda a compreender importantes fenômenos que marcaram o primeiro Estado operário da história.

Desorganização absoluta

Poucos meses após a tomada de poder pelos bolcheviques – ocorrida em novembro de 1917 – , o recém nascido Estado operário viu-se mergulhado em uma guerra civil, que incluía as forças reacionárias internas e – principalmente – exércitos estrangeiros de 14 nacionalidades distintas, entre as nações imperialistas beligerantes até então – na Primeira Grande Guerra, de 1914 a 1918 – e países vizinhos subordinados – caso da Finlândia. Os revolucionários manteriam o poder, expulsando os invasores e submetendo a dissidência interna porém a um custo elevado.

Duramente castigados pela carestia e a fome desde a guerra imperialista, a colheita de grãos caiu 40% durante a guerra civil, aumentando a crise alimentar de maneira explosiva, levando mais de 36 milhões de pessoas à fome e cerca de 2 milhões à morte. O desabastecimento dos gêneros alimentícios essenciais nas cidades provocaria uma fuga para o campo, violenta o bastante para reduzir dramaticamente a população dos principais centros industriais.

Cidades como Moscou e São Petersburgo (à época, Petrogrado), viram sua população original reduzida à metade e 60% respectivamente. Ao todo, as capitais das províncias russas sofreram uma redução de 30% na população urbana em seu conjunto. A situação de fome levaria ainda a manifestações de canibalismo no país.

A produção industrial geral caiu 80% em relação ao período anterior à guerra civil, com seu valor reduzido em 87% no ano de 1920. A produção petrolífera, uma das principais fontes de receita do país até hoje, caiu 59%, assim como outras indústrias de base, vitais à economia e que experimentaram um virtual desaparecimento, tais como a produção carvoeira (queda de 87%), de aço (97,6%) e ferro (com queda de impressionantes 98,4%). Entre os transportes, o sucateamento inutilizava 70% das estradas de ferro, levando o país à beira da paralisia completa. Literalmente.

A soma das riquezas produzidas pela Rússia – o PIB – reduziu-se em um terço entre 1913 (um ano antes da guerra imperialista) e 1920, com a produção geral encolhendo dois terços, resultado de uma desorganização completa da economia e produzindo uma crise sem igual.

Consequência da completa desorganização econômica, a moeda russa, o rublo, entra em colapso, com mercadorias sendo negociadas no mercado negro a um preço médio 50 vezes superior aos preços praticados no comércio regular. Ao final de 1921, 90% dos salários eram pagos com bens de consumo. Entre a força de trabalho, de aproximadamente 3 milhões em 1917, a classe operária russa viu-se reduzida a cerca de 600 mil ao fim da guerra.

Imperativos da guerra

Organizada durante a guerra civil, a política econômica conhecida como “comunismo de guerra” não tinha ambições maiores do que abastecer o Exército Vermelho e permitir a vitória da Revolução Russa, em meio às condições em que a nascente república dos sovietes se encontrava. Para os bolcheviques, não se tratava de um plano econômico dedicado a impulsionar o progresso mas a permitir o triunfo da revolução.

A nacionalização da indústria, o controle estatal do comércio exterior, o fim da propriedade privada constituíam medidas que não apenas atendiam às demandas do proletariado revolucionário mas também limitavam a influência do imperialismo no país.

Além disso, o “comunismo de guerra” fora marcado pelo racionamento de comida nos centros urbanos e uma tentativa malfadada tentativa de militarizar os trabalhadores operários, proposta por Trótski baseado na bem sucedida campanha de reconstrução das estradas de ferro mas que esbarrou na oposição da ala sindicalista dos bolcheviques com a vitória dos segundos.

Por fim, havia também a requisição de tributos em espécie feita aos camponeses, de quem se cobrava o excedente de produção além do necessário para a subsistência familiar. Naturalmente, sob tal política, o excedente era mínimo, quando havia, o que explica a brutal queda nas colheitas e a grande epidemia de fome que assolou o país.

Embora chamada de “comunismo”, a política adotada para sobreviver à guerra civil não guarda nenhuma semelhança com o comunismo, sendo antes medidas tomadas para impedir o colapso da Revolução, defendendo-a nas “condições imperativas do período de guerra”, conforme as palavras de Lênin.

“Um passo atrás”

O quadro acima descreve o chamado “comunismo de guerra”, cuja justificativa não era outra mas a própria necessidade de defender militarmente o governo operário. Nesse contexto, de extrema desorganização econômica, carência de tudo e crise social, surge a rebelião da fortaleza marítima de Kronstadt. Importante ponto de apoio dos bolcheviques, seus marinheiros – impulsionados por anarquistas e populistas – fazem um levante duramente reprimido pelo governo revolucionário.

A rebelião de Kronstadt não foi um evento isolado. Em toda URSS, as tensões provocadas pelo desabastecimento e a paralisia econômica levaram ao descontentamento. Esse descontentamento descambou para manifestações contra o regime soviético, principalmente entre os camponeses, com a rebelião de Tambov, na qual estima-se que 100 mil pessoas foram presas e 15 mil morreram.

Kronstadt, contudo, marca o esgotamento do “comunismo de guerra”, trazendo uma guinada rumo ao estabelecimento parcial de uma economia de mercado: a NEP.

Com a NEP, a requisição do excedente da produção agrícola deu lugar à cobrança de tributos em espécie, ainda em um modelo análogo ao escambo, porém os camponeses ficavam liberados para vender o restante em mercados de características capitalistas. A introdução de uma economia mista de mercado levou a distorções como o aparecimento de um setor mais rico do campesinato, contrastando com elementos mais pobres e numerosos.

As distorções produzidas, porém, teriam consequências muito expressivas no regime soviético. Isto porque além dos camponeses, outro segmento social ganharia muito com a política adotada: burocratas passaram a intermediar os negócios entre camponeses e os mercados. Eram conhecidos como “homens do NEP”.

Com a autorização para abertura de empresas privadas, os “homens do NEP” abriram empresas nas cidades, contratando funcionários e atuando como atravessadores, fazendo uso da posição privilegiada no Estado operário. Não seriam os únicos.

Com as liberalidades da NEP, outra casta de burocratas surgiria: engenheiros, médicos e toda sorte de profissionais especializados, sob os quais havia uma imensa carência na URSS, conseguiriam salários igualmente especiais, reforçando ainda mais a casta de burocratas que se fortaleceria em meio à penúria econômica da URSS.

Nesse contexto, uma pequena burguesia emergente e cada vez mais poderosa ganha força na URSS. Pouco afeita ao radicalismo da ala trotskista do PCUS, esse setor organiza-se em torno da camada de burocratas, que ganham poder cada vez maior na crise república dos Sovietes, e terminariam por se consolidar como uma força contrarrevolucionária: os futuros stalinistas.

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