(*) Por Tiago Carneiro, correspondente em Luxemburgo
Foi realizado, nos dias 20 e 27 de junho, o primeiro turno das eleições regionais e departamentais francesas. O objetivo desse pleito é eleger conselhos de 15 regiões francesas, sendo duas delas de territórios chamados de “ultramarinos”, além dos representantes de 92 departamentos. Um total de 15.786 candidatos concorreram a 4.108 assentos. Os eleitos tratarão de assuntos como transporte, ensino público e planejamento territorial, os mandatos são de seis anos. Vale lembrar que essas eleições deveriam ter sido realizadas em março de 2021, mas foram adiadas devido à pandemia de COVID-19.
Existia muita expectativa em torno desse pleito, uma vez que ele serve como uma espécie de prévia para o que pode acontecer nas eleições presidenciais de 2022. Mas o resultado não foi diretamente positivo nem para Marine Le Pen (Reagrupamento Nacional – RN), nem para Emmanuel Macron (República em Marcha – LREM). O primeiro lugar do pleito, considerando os votos nacionalmente, vai para o partido de direita Republicanos, que obteve 28% dos votos. O partido de Le Pen, de extrema direita, ficou em segundo lugar, obtendo cerca de 19% dos votos. O partido socialista e seus aliados ficaram em terceiro, com 16%. Os verdes, em quarto lugar, com 13%. Por sua vez, o partido do atual presidente Francês, Macron, amargou o quinto lugar com 10,9% dos votos (DW, 21/06/2021).
Ainda, de acordo com o DW, a expectativa era que o partido de extrema direita que abriga Le Pen conseguisse seis das treze regiões da França metropolitana. Entretanto, o RN só irá para o segundo turno em uma região. Colocando em números, o partido de extrema direita obteve oito por cento a menos dos votos se comparado com o pleito de 2015, quando obteve quase um terço do eleitorado, 27,7%. A justificativa dada por Le Pen foi justamente a altíssima abstenção observada, cerca de 68%.
Os resultados obtidos pelo partido de Macron são reflexo da política antipopular levada pelo atual mandatário do Palácio do Eliseu. Durante o seu governo, eclodiu uma crise social muito aguda, o que levou ao movimento dos coletes amarelos, duramente reprimido pelas forças policiais. A forma com que o segundo país imperialista da Europa tratou a crise do Covid-19 é no mínimo vergonhosa, baseada em toques de recolher e repressão. Em 2020, o país não tinha testes ou qualquer tipo de equipamento de proteção individual para a população. Apenas em maio de 2020 as máscaras passaram a estar disponíveis para a compra. Agora, a França amarga 111 mil mortos durante a pandemia. Também foram aplicadas pelo presidente leis extremamente repressivas, como restrições às manifestações. No fim do ano de 2020, cerca de 15% da população francesa estava na pobreza. Isso não impacta somente Macron e seu partido, mas também respinga na esquerda.
A esquerda francesa, que embarcou na canoa furada de apoiar Macron durante o seu desastroso governo, também teve um resultado fraco, o que mostra a necessidade da esquerda ter uma política independente, que dê voz às reivindicações do povo trabalhador e não fique a reboque da burguesia. Como aconteceu no Reino Unido e na Alemanha, quando um partido de esquerda, que tem vínculos com a classe trabalhadora, segue a orientação política da burguesia, perde seu peso e sua influência política e torna-se desnecessário.
No que diz respeito às abstenções, antes do pleito, a imprensa burguesa já dizia que as eleições teriam uma abstenção nunca antes vista. De acordo com a Rádio França Internacional (RFI), foi observada, nas últimas eleições, uma abstenção de pouco mais da metade do eleitorado. Por sua vez, era esperado este ano uma abstenção ainda maior, de 60%. Após o pleito, os números mostraram uma abstenção recorde, estimadas em cerca de 68% do eleitorado, a mais alta desde 1958.
A imprensa capitalista mundo afora acusou as eleições na Venezuela como fraudulentas, muitas vezes usando a abstenção equivalente à francesa como justificativa para essa conclusão. Logo após as eleições de 2020, o secretário de Estado dos EUA no momento, Mike Pompeo, declarou em suas redes sociais que “as eleições na Venezuela não apresentam os mínimos padrões de qualidade”. O imperialismo europeu, como bom capacho dos EUA, apressou-se em publicar uma nota similar no site do Conselho da União Europeia. O interessante é que, quando se trata de falar de um país imperialista, a imprensa capitalista é complacente, apenas comenta sobre os números de abstenções como fato corriqueiro e esperado.
Por fim, essas abstenções apontam uma crise no regime político francês. A imprensa capitalista justifica esse fato de diversas maneiras, tais como a pandemia de COVID-19 ou afrouxamento das regras do uso de máscaras em pleno verão, o que levou os franceses a preferir ir à praia a votar, por exemplo. Na verdade, o povo francês está cansado dos ataques de Macron e percebe que a extrema-direita tem uma saída absolutamente demagógica. Os trabalhadores franceses não querem nenhum dos dois, mas não veem nenhuma alternativa no momento, uma vez que essa alternativa, que seria a esquerda, insiste em se agarrar à direita tradicional e à burguesia ao invés de se tornar independente e propor uma saída radical, uma derrubada de todo o regime político carcomido e um governo da classe operária.
Isso pode ter graves consequências nas eleições presidenciais de 2022, com a continuidade do neoliberalismo de Macron com o apoio da esquerda ou com a vitória da extrema-direita fascista, caso consiga um apoio popular com muita demagogia.